Tortura de Amor, por João Augusto de Lima Rocha

A censura da ditadura sobre a conhecida canção Tortura de Amor, de Waldick Soriano, sucesso de tantos anos na voz do autor e de dezenas de artistas.

Tortura de Amor

por João Augusto de Lima Rocha

Na correspondência encontrada no sobrado da família de Anísio Teixeira, em Caetité, em 1987, estava um cartão de saudação de Manoel Soriano, de Brejinho das Ametistas, dirigido ao Dr. Deocleciano Pires Teixeira, chefe político da região da Serra Geral, o que denota que foram amigos. O curioso, na descoberta, é a conexão, através dos pais, entre dois filhos de Caetité que viriam a se tornar bastante famosos.

Por um lado Anísio Teixeira, o maior educador brasileiro, filho do Dr. Deocleciano e, por outro, o filho do comerciante Manoel, Waldick Soriano que trabalhou como minerador, agricultor e engraxate, antes de se notabilizar nacionalmente como compositor e cantor.

No extenso repertório de Waldick, inclui-se uma canção de inegável qualidade, Tortura de Amor, feita no início da década de 1960, antes de sua saída de Caetité para São Paulo. A canção ainda faz enorme sucesso, tanto na voz do próprio autor, quanto nas de cerca de uma centena de artistas, entre os quais Nelson Gonçalves, Fafá de Belém, Agnaldo Timóteo, Maria Creuza, Cauby Peixoto e até um grupo português, o Clã.

“Hoje que a noite está calma,/E que minh’alma esperava por ti/ Apareceste afinal/Torturando este ser que te adora.”, são os versos iniciais de Tortura de Amor, conhecidos por quase todos que têm contato com a música brasileira. A atestar a bestialidade da ditadura, essa canção foi censurada, em 1974, supostamente por transmitir mensagem subliminar de oposição ao regime que prendeu torturou e matou tantos que lutavam pela redemocratização do país!

Waldick Soriano foi censurado mas, com Anísio Teixeira, o que aconteceu foi bem mais grave: aposentado compulsoriamente do serviço público, de modo sumário, em abril 1964, tudo indica que ele foi assassinado em instalação militar, no Rio de Janeiro, após desaparecer no dia 11 de março de 1971. Seu corpo foi encontrado, mais de dois depois, no fundo de um fosso de elevador naquela cidade, para simular uma queda que, hoje, afinal, prova-se que não aconteceu, pois o corpo foi levado para lá.

Reconstituir a memória das ditaduras é uma tarefa da qual a sociedade nunca pode nem deve fugir. A memória, a verdade e a justiça é a sequência a ser perseguida por todo os cidadãos que prezam a liberdade e a democracia, a fim de que fique mais difícil a ditadura retornar. No Brasil, convém dizer, muito pouco se fez nesse sentido.

Hoje é o tempo da comunicação veloz, das redes sociais e das notícias que chegam a cada indivíduo, isoladamente, quase no momento em que os fatos acontecem. A despeito desse lado positivo, agora é também mais fácil espalhar mentiras, e os espertalhões da política suja se aproveitam do domínio que têm dos meios de comunicação para tirar vantagens irreversíveis disso tudo.

Para que possamos separar o joio do trigo, nesse mar de informações, a maioria falsas, que invadem as redes de informação, e evitarmos os enganadores, é urgente a regulação da comunicação social e a retomada, com vigor, da luta pela educação pública universal, laica e de qualidade, razão maior da vida de Anísio Teixeira que, se vivo fosse, faria 119 anos no próximo 12 de julho.

Redação

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