Especialistas propõem Programa de Emergência à Soberania Digital ao Lula

O valor econômico dessa nova indústria do século XXI gera valores na casa dos bilhões.

Especialistas propõem Programa de Emergência à Soberania Digital ao Lula

por Marcus Atalla

Pesquisadores das principais universidades do país, UFABC, UFCAR, USP, UnB, UFRJ, Unicamp, entre muitas outras, redigiram carta aberta ao candidato à presidência Lula. A carta traz as razões e o imperativo na proteção dos dados dos cidadãos e das pesquisas tecnológicas e científicas brasileiras, além da necessidade de escapar do controle das Big Techs.

Hoje esses dados estratégicos são enviados e tratados em servidores e plataformas nos EUA. Não há garantias que tais informações não estejam sendo usurpadas. O valor econômico dessa nova indústria do século XXI gera valores na casa dos bilhões. No entanto, estão sendo entregues de bom grado e ainda se paga a outros países para ficarem com elas, ao em vez de fomentar a economia nacional. A carta também propõe 9 diretrizes a seguir.  

Leia a carta abaixo:

PROGRAMA DE EMERGÊNCIA PARA A SOBERANIA DIGITAL

As tecnologias digitais não podem servir para ampliar as desigualdades e a dependência do país ao grande capital internacional.

Nosso país não pode continuar tendo seu rumo tecnológico ditado pelas consultorias internacionais ligadas às Big Techs. As lutas no campo do desenvolvimento científico e digital não podem se resumir à mera garantia de alguns poucos direitos, “gentilmente” ofertados por plataformas e grandes empresas tecnológicas que se tornam a cada dia mais poderosas. A concentração das ofertas de tecnologia por empresas transnacionais cria uma relação de dependência que reduz a diversidade do mercado e limita as ofertas produzidas no Brasil.

Dados sensíveis e de grande valor econômico de diversos segmentos da nossa população não podem continuar sendo extraídos do país para alimentar os sistemas algorítmicos das grandes plataformas digitais, que os utilizam para nos vender produtos e serviços em condições assimétricas e abusivas. Na raiz dos arranjos de vigilância e coleta de dados, que guiam o modelo de negócio das grandes plataformas internacionais de tecnologia, estão processos de extração de conhecimentos e informações, os quais acentuam e potencializam relações de exploração do trabalho e de contratos comerciais.

Nossas universidades, e muitas escolas, entregaram suas estruturas de informação, dados, e-mails, armazenamento de interações e documentos para empresas estrangeiras, que vivem do tratamento de dados. Este cenário é um reflexo mais imediato do desinvestimento na infraestrutura e em recursos humanos na área de tecnologia de informação, gerando um cenário de dependência crescente de corporações estrangeiras no setor. Assim, o que se entende como redução de custos na utilização de serviços, máscara funestas consequências a médio e longo prazos. O conhecimento e as informações produzidas pelos cientistas brasileiros hoje correm pelas veias fechadas que irrigam o coração das empresas de tecnologia do Vale do Silício, colocando em grande risco a produção científica e o ecossistema tecnológico do país.

É preciso romper com a crença neoliberal de que não importa mais ser desenvolvedor e inventor de tecnologias, de que o importante é ser um bom comprador de serviços e produtos. Cabe ao Brasil se inserir internacionalmente de maneira soberana, desenvolvendo de forma plena as capacidades e as potencialidades de sua população. A agenda de transformação digital brasileira precisa ser orientada ao bem-estar e ao florescimento humano de seus cidadãos, assim como ao enfrentamento da desigualdade, do racismo algorítmico e dos novos meios de segregação.

Não podemos nos contentar com o bloqueio tecnocientífico de nossas capacidades criativas. Temos que colocar no centro de nossa proposta a expansão da tecnodiversidade, da luta contra o epistemicídio, do desbloqueio da inventividade de nosso povo. Temos consciência da profunda crise que assola o país e dos desafios orçamentários diante da política de terra arrasada implementada pelo governo atual.

Por isso, propomos algumas poucas, mas imprescindíveis medidas que atuem nesse cenário, com o efeito de energizar e potencializar nossos arranjos tecnocientíficos voltados ao digital:

1- Criar uma infraestrutura federada para a hospedagem dos dados das universidades e centros de pesquisa brasileiros conforme nossa LGPD.

2- Formar, nessa infraestrutura federada, frameworks para soluções de Inteligência Artificial, seja para o setor público ou privado.

3- Incentivar e financiar a criação de datacenters que envolvam governos estaduais, municípios, universidades públicas e organizações não-governamentais, que permitam manter dados em nosso território e aplicar soluções IA que estimulem e beneficiem a inteligência coletiva local e regional.

4- Promover a instalação, no MCTI, de equipes multidisciplinares para a prospecção de tecnologias e experimentos tendo como princípios a tecnodiversidade e em busca de promover avanços em áreas estratégicas ao desenvolvimento nacional. Em articulação com o MEC, promover também a formação de recursos humanos criando mecanismos para que permaneçam no setor público de maneira a nos afastar da dependência das grandes corporações.

5- Incentivar e financiar a criação de arranjos tecnológicos locais para desenvolver soluções que visem superar a precarização do trabalho trazidas pelas Big Techs.

6- Garantir recursos para apoiar e financiar a criação de cooperativas de trabalhadores, que possam desenvolver e controlar plataformas digitais de prestação de serviços, assim como outros arranjos que evitem a concentração de poder tecnológico, tanto em empresas estrangeiras como nacionais.

7 – Lançar um extenso programa interdisciplinar de formação, inclusive ética, e de permanência de cientistas e técnicos, implantando e financiando centros de desenvolvimento para a criação e desenvolvimento de soluções de IA, de automação, robótica, computação quântica, desenvolvimento local de chips, redes de comunicação de alta velocidade entre outros.

8 – Utilizar o poder de compra da União para incentivar o atendimento das necessidades tecnológicas do país, bem como fomentar soluções interoperáveis com software livre, e outras formas abertas de desenvolvimento e compartilhamento de tecnologia.

9 – Resgatar e recuperar a Telebras, organizando um levantamento dos bens reversíveis que estão subvalorizados e em poder das teles e implementando uma política de redução das assimetrias e desigualdades digitais. Esta pode ser feita em parcerias de modo coordenado com estados, municípios e organizações não-governamentais, com tecnologias consolidadas, mas também desenvolvendo opções de conexão inovadoras.

POR QUE DEFENDEMOS ISSO?

A extração de dados do país gera perdas econômicas que poderiam ser evitadas. Segundo relatório da consultoria RTI chamado ‘The Impacto of Facebook’s U.S. Data Center Fleet 2017-2019’, para cada US$ 1 milhão em despesas de capital em data centers foram gerados US$ 954 mil adicionais em massa salarial (labor income) e US$ 1,4 milhão em PIB. Além disso, para cada US$ 1 milhão em despesas operacionais em data centers, a economia norte-americana registrou US$ 1,3 milhão adicionais na massa salarial e US$ 2,2 milhões em PIB. É perceptível que a extração de dados da sociedade brasileira drena a base de negócios para fora do País, desprepara nossas infraestruturas digitais e enfraquece as possibilidades de treinamento de modelos de aprendizado de máquina controlados por empreendedores e organizações brasileiras.

Atualmente, segundo pesquisa do Observatório Educação Vigiada, 79% das Instituições Públicas de Ensino Superior do país têm seus e-mails institucionais alocados em servidores privados, localizados fora do país, e que são gerenciados por empresas envolvidas no lucrativo mercado de coleta, análise e comercialização de dados pessoais. A Google (Alphabet, Inc.), o maior player desse mercado, armazena 72% dos e-mails institucionais das universidades públicas do país.

Nós acreditamos que esse cenário aponta para uma situação de extrema vulnerabilidade em relação à segurança da produção científica e tecnológica do Brasil. A maior parte das comunicações acadêmicas e de pesquisa produzidas nas instituições públicas brasileiras estão em data centers fora de seu controle institucional, boa parte nos Estados Unidos da América, alimentando um sistema de inteligência e lucros a partir de análise de dados que fragilizam nossa soberania e a própria autonomia universitária.

Conheça a carta e pesquisadores subscritos aqui.

Leia também:

O aplicativo de Araraquara e a soberania digital, por Rafael Grohmann

Soberania do Estado Nacional e Moeda Digital do Banco Central, por Fernando Nogueira da Costa

Da racionalidade e da irracionalidade política: a nova “Carta aos Brasileiros”, por Janice Theodoro da Silva

Redação

2 Comentários

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  1. Nada prosperará neste sul maravilha onde o Brasil se encontra enquanto o Tio Sam não for arruinado. Nossa política não permite que tenhamos senão alguns momentos de alívio econômico e social para que em seguida um novo governante destrua tudo o que foi construido pelo antecessor progressista, lançando o país num obscurantismo ainda maior em relação ao estado anterior. O Lula vencendo realizará o programa. Assim que alcançarmos sucesso, o próximo governo desacelerará ou simplesmente porá um termo ao programa, ou ainda, caso tenhamos sucesso, o produto dos esforços de nossos cientistas será “passado nos cobres” em favor de alguma gigante multinacional.
    O Brasil é um organismo coberto de vermes e parasitas os quais alimentamos para sobreviverem enquanto o país agoniza.

  2. O Brasil nunce teve uma religião pra chamar de sua, sendo manietado nesses quinhentos anos por quem tem controlado a Igreja Católica; e nos últimos 150 anos, de forma cada vez mais crescente também pelo protestantismo anglo-americano. Máxime, a escola é produto da religião.
    Nossa imprensa nasceu em Londres, a capital da mega-império britânico, há 200 anos.
    Em 2001, ao receber a papelada da FAPESP, sobre um contrato de um domínio na internet pude ver claramente que esta era uma definitiva forma de controle do mundo que assim a internet aderisse por parte do Estados Unidos. Simples, como dois mais dois dão quatro.

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