Bolsonaro muda perfil técnico da cúpula da Anvisa para militar e ideológico

Na próxima troca, militar bolsonarista irá substituir farmacêutica, cujo mandato acaba em dezembro; Agência será responsável por aprovar registro de vacinas contra covid

Foto: Agência Brasil

Por Marcella Fernandes

Do Huffpost Brasil

A exemplo do que ocorre no Ministério da Saúde durante a pandemia, a cúpula da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também tem gradativamente seu perfil mudado pelo governo de Jair Bolsonaro, com uma substituição de técnicos por militares. A próxima mudança na agência do governo federal responsável pelo registro da futura vacina contra covid-19 será a efetivação do tenente-coronel Jorge Luiz Kormann no lugar da farmacêutica Alessandra Bastos Soares.

Um despacho com a indicação foi publicado em 12 de novembro. Em outubro, o presidente havia indicado Roberto Ferreira Dias para o lugar de Soares, mas a indicação foi cancelada após a divulgação de informações de que Ferreira Dias estaria envolvido em irregularidades no Ministério da Saúde.

De acordo com reportagem do jornal O Estado de São Paulo, o diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde assinou um contrato de R$ 133,2 milhões suspeito de irregularidades. O Tribunal de Contas da União (TCU) questiona pontos como um pedido de reconsideração da contratação, feito por outra empresa concorrente.

O contrato com a empresa Life Technologies Brasil Comércio e Indústria de Produtos para Biotecnologia Ltda, para a compra de 10 milhões de kits de materiais utilizados em testes de covid-19 foi assinado em 21 de agosto. Dias foi nomeado na gestão de Luiz Mandetta, por indicação do ex-deputado do DEM Abelardo Lupion.

O novo militar bolsonarista

Kormann também vem do Ministério da Saúde. O tenente-coronel foi nomeado em maio, ainda no mandato de Nelson Teich na pasta, como diretor.  Em junho, passou a atuar como secretário-executivo adjunto.

Formado em ciências militares pela Academia Militar de Agulhas Negras, Kormann tem mestrado em ciências militares e especialização na área de gestão e administração de empresas, segundo informações da plataforma Lattes. No currículo, ele também afirma ter sido assessor de gestão e planejamento estratégico no Hospital Militar de Área de Porto Alegre.

No Twitter, o militar endossa mensagens contrárias à Organização Mundial da Saúde (OMS) e críticas à Coronavac, candidata à vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo. Nos últimos meses, o governador João Doria e o Bolsonaro têm travado conflitos em torno do imunizante.

Cabe à Anvisa liberar o registro do produto para que possa ser distribuído quando a eficácia for comprovada. A gerência a cargo de medicamentos e vacinas é atualmente comanda por Alessandra Bastos Soares, mas a Anvisa afirma que a análise é feita por comitês técnicos. Também é comum haver uma redistribuição das áreas após a posse de diretores.

Nas redes sociais, Kormann mostra ainda apoio a publicações do escritor Olavo de Carvalho, ídolo bolsonarista. De acordo com o Jornal Nacional, o militar enviou em junho um vídeo do empresário Luciano Hang para um grupo de servidores do ministério em que Hang questiona informações do próprio Ministério da Saúde sobre as mortes provocadas pela covid-19.

Quem é Alessandra Bastos Soares

Na sabatina na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, em novembro de 2017,  um dos pontos questionados sobre a indicação de Soares foi sua falta de experiência de gestão na área pública. Na época, a indicada no governo de Michel Temer afirmou que tinha o intuito de “ventilar o olhar da Agência, uma leitura mais ágil nos procedimentos, principalmente daqueles que requerem mais celeridade neste momento”, mas sem comprometer a segurança.

Nos 20 anos de carreira, Soares atuou dentro de hospitais públicos e privados, trabalhando para planos de saúde e empresas que comercializam medicamentos e produtos. A diretora é graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba e trabalho em empresas como Gross, Promédica Produtos Hospitalares, Leister Comércio e Importação de Produtos Hospitalares e Nutoth Pharma Indústria e Comércio.

Em entrevista ao ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico), Soares comentou o fato de ser a primeira diretora da Agência que veio do setor privado. “Eu me sinto, sim, uma farmacêutica de sucesso, por conseguir ver esse sonho de criar esta interface dentro da nossa Agência. Isso é maravilhoso”, disse.

Antes de trabalhar na Anvisa, a farmacêutica atuou no “controle de qualidade, estabilidade dentro das fábricas” e “em logística, com alguns produtos de uso hospitalar – que eram kits para diagnóstico, biologia molecular”.

Em 2019, Soares tomou posse como diretora de Coordenação e Articulação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária dentro da Anvisa. O diretor-presidente da agência na época, Jarbas Barbosa, ressaltou a importância da representatividade na cúpula da instituição. “Quando a gente olha aquela parede dos diretores da Agência, a gente observa apenas duas fotos de mulheres penduradas, e eu não acredito que efetivamente nós não tenhamos mulheres com qualificação técnica, como a Alessandra, com representatividade, capazes de serem membros da Diretoria Colegiada”, disse.

Os outros diretores da Anvisa

Além da vaga de Soares, que deverá ser ocupada por Kormann, a cúpula da Anvisa é composta por outros 3 diretores. O presidente é Antonio Barra Torres, também militar. Ele ingressou na Marinha em 1987 e chegou ao posto de contra-almirante, o terceiro mais alto da corporação, em 2015. Foi diretor do Centro de Perícias Médicas da Marinha e do Centro Médico Assistencial da Marinha.

Formado pela Escola de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, no Rio de Janeiro, Torres fez residência médica em Cirurgia Vascular no Hospital Naval Marcílio Dias e curso de gestão em saúde no Instituto Coppead de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele também foi instrutor na Santa Casa de Misericórdia do Rio.

Na sabatina na Comissão de Assuntos Sociais, em julho 2019, Barra Torres disse ser contrário a uma ampla liberação do uso medicinal da Cannabis. “Na medida em que os estudos vão sendo aprofundados, a aplicação [médica] poderia ser autorizada. Me causaria preocupação uma autorização geral para [a Cannabis sativa] ser plantada, pois não seria possível fiscalizar”, disse.

O militar se mostrou alinhado a Bolsonaro no início da pandemia, sobre o isolamento social. Em março, compareceu a um ato de apoiadores do governo ao lado do presidente no Palácio do Planalto. Recentemente, ele tem negado atuação política da Anvisa. No episódio mais recente, a agência interrompeu os testes da Coronavac após a morte de um dos voluntários. A pesquisa foi retomada após ficar esclarecido que o óbito não tinha relação com o imunizante.

Junto a Barra Torres, está Alex Machado Campos, Cristiane Rose Jourdan Gomes e Meiruze Freitas. Todos nomes foram aprovados pelo Senado em outubro.

Formado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, servidor efetivo da Câmara dos deputados e ex-chefe de gabinete de Mandetta, Alex Machado Campos é apontado como uma indicação do chamado centrão, bloco alinhado ao governo.

Já Cristiane Rose Jourdan Gomes é endocrinologista e graduada em direito. Foi diretora do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Nas redes sociais, há publicações críticas à imprensa, ao movimento Antifas e ao Supremo Tribunal Federal. Ela também tem publicado links para artigos em defesa do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Não há comprovação científica da eficácia do medicamento para combater  o novo coronavírus.

O perfil de Meiruze Freitas destoa dos colegas. É a única servidora de carreira da Anvisa aprovada como diretora. Formada em farmácia com especialização em tecnologia farmacêutica, Freitas atua na agência desde 2007. Ela já foi diretora-adjunta e, desde abril deste ano, atua como diretora substituta.

Redação

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