Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Chapa Dilma-Temer. Guerra do Mestre das Águas contra Boitatá, por Armando Coelho Neto

Chapa Dilma-Temer. Guerra do Mestre das Águas contra Boitatá

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Por curtíssimo período fui aluno do Herman Benjamin, na Escola Superior do Ministério Público, em São Paulo, durante breve pós-graduação. Li as primeiras páginas de sua obra Direito, Água e Vida, mas dei a ela melhor destino, quando a dei de presente a um estudante de Direito. Há tempos perdi a fé nos tribunais. Entre o Direito e a Justiça tenho preferido esta última. Perdi a fé no Direito e nas águas, sem demérito ao ilustre representante de Catolé do Rocha/PB, meu quase conterrâneo. Desconfiar dos tribunais é postura inexorável numa sociedade de R$ 1,99, Moros, Marinhos e Malafaias. Com propriedade, Marilena Chauí a trata como “aberração cognitiva” – e pouco importa o que ela queira dizer com isso!

Quando falo de fé, não me refiro às porandubas religiosas dos barnabés da Farsa Jato. Falo da perda na crença no pacto social de vida escrito na Constituição Federal. Obviamente, o espetáculo do tal “Mensalão” não foi o único fato determinante para perder a fé. Mas, foi definitivo para a percepção formal do casuísmo e contradições no caos jurídico do País (sob toque de mídia). Foi ali que o ex-ministro Joaquim Barbosa, içado à galeria dos heróis, abraçou a “Teoria do Domínio do Fato” para condenar ( sem provas) o ex-ministro José Dirceu. Ali e pelo menos ali, não havia provas contra Dirceu. Mas, predominou o domínio do fato sem que sequer se provasse o fato (troca de apoio, não se sabe a que).

A Teoria do Domínio do Fato surgiu em 1939 com o alemão Hans Welzel, depois foi trabalhada por seu patrício Claus Roxin, o qual, em 2012, disse para o jornal Folha de S. Paulo que a tal teoria, no Brasil, teve publicidade excessiva sem comprovação dos fatos. Ou seja, o domínio do fato precisa de prova e não teve. Houve contorcionismo jurídico explícito para atender aos obscuros interesses do real poder. Leia-se, o poder real, pois o PT nunca chegou ao poder, apenas ganhou eleições. Tio Sam e as empreiteiras que o digam.

Não seria aquele o único contorcionismo. Neste GGN publicamos um texto irônico sobre como a Farsa Jato criou o “crime do “IA”. Um promotor escolhido pela Veja pediu a prisão de Lula, que “IA” comprar um apartamento. Não se sabe se ”IA” comprar pelo preço normal, mas o barnabé da Veja achou que “IA” ser superfaturado. Disseram que Lulinha (ex-dono da Friboi) “IA” ser intermediário. Como Lula “IA” morar lá, o prédio seria valorizado e como não foi, muita gente que “IA” comprar não comprou. Mas, como Lula não era dono, o imóvel “IA” ser dado em garantia de dívidas da empreiteira OAS, enquanto Léo Pinheiro ”IA” fazer isso e aquilo… Por conta disso, Lula quase “IA” preso pelo “crime do IA”.

Já no texto “Michel Iscariotes”, também neste GGN, enumeramos as crassas mudanças do pensamento jurídico a serviço do golpe. Entre os exemplos de contorcionismos jurídicos aparecem os casos Dirceu X Azeredo; Eduardo Cunha X Delcídio Amaral. Mais recentemente, Gilmar Mendes decidiu que Lula não poderia ser ministro de Dilma na Casa Civil, pois caracterizaria “tentativa de obstrução à Justiça”. Entretanto, Moreira Franco, acusado de receber R$ 3 milhões em propinas em 2014, teve sua nomeação acolhida pelo ex-stf (minúsculas de protesto). Sem contar o “Convite Coercitivo” – a mais brilhante criação do juiz Sérgio Moro, que concorre ao Óscar com a tese da “Convicção sem Provas”.

Também com nossa assinatura, este portal veiculou “A farsa, a forma e o conteúdo… Temer, US$ 345”, com uma lista de contradições nas operações da PF batizadas pelos nomes de Boi Barrica, Midas, Castelo de Areia e Satiagraha. Nesta última, o delegado federal Protógenes Queiroz foi demitido por suposto vazamento de informações sigilosas – um crime praticado de forma contumaz por oficiantes da Farsa Jato. Naqueles casos, atendendo conveniências de golpistas, ora prevaleceram o aspecto formal ou o conteúdo, mas sempre muito bem fundamentados para ganhar ares de seriedade.

Entre tantos contorcionismos jurídicos, não foi surpresa que a toque de mídia, tenha entrado em cena a tese do ilustre mestre Herman Benjamin. De tão estranha dividiu os julgadores da chapa Dilma-Temer, ainda que os nomeados por Dilma tenham votado contra ela, enquanto os de Temer (fora!) tenham sido a favor dele.

É possível que a tese do Mestre das Águas tenha sofrido o impacto do cheiro de podre dos tenebrosos subterrâneos da República. Com ela, quis limpar a parte que lhe coube, com um explícito grito de Fora Temer. Mas, convenhamos! Inovar a peça acusatória durante o julgamento é incompatível com o Estado de Democrático e de Direito. Sobretudo com fatos sujeitos a recurso. Como resultado, mais uma vez o Brasil esteve diante do conflito real entre a lei e a moral, entre a forma e o conteúdo. Veio o empate e o pior – coube a Gilmar Mendes, namorado da “Tese Boitatá”, o voto decisivo. A lenda do Boitatá é contada Brasil afora de várias maneiras. Entre elas a de que seria um monstro de olhos de fogo, cego de dia, mas que à noite enxerga bem…

Nos primórdios do golpe Gilmar queria a qualquer custo a cassação da chapa Dilma/Temer. Depois flertou com a ideia de cassar só Dilma e livrar Temer. Finalmente, com seu voto não cassou ninguém e prevaleceu o interesse do golpe. Por tabela, mesmo sem querer, fez justiça à legitima presidenta Dilma Rousseff (Fora Temer), pois o brasileiro médio nunca mesmo soube o que é pedalada fiscal. Entretanto, o povão tem a exata ideia das suspeitas de crime lançadas contra o governo impostor, sem necessidade de qualquer contorcionismo jurídico.

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

8 Comentários

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  1. Tapetão

    Muitas das teorias acima descritas e aplicadas contundentemente contra o PT, devem-se ao fato de que a defesa é competente e inteligente demais, além dos aspectos políticos e sociais envolvidos em ações que o andar de cima quer criminalizar. Por incompetência ou preguiça, a equipe acusadora apela para esse tipo de ação, com a finalidade de ganhar o jogo de qualquer jeito, abdicando do seu trabalho de investigar e de juntar provas efetivas contra o eventual acusado.

    Juristas vaidosos enchem de palavras bonitas o seu voto, com fraquíssimo fundamento nos fatos.

    O assunto chegou a um ponto tão exagerado que o Lula está sendo culpado por ter sido Presidente, apenas isso!

  2. Decisão do TSE

    A decisão do TSE foi acertada mesmo sabendo que foi somente para salvar o Temer.

    Quem votou pela cassação está muito errado.

     

     P.S.: No próximo governo progressista  esses procuradores que só procuram o que quer e esses juízes que desrespeitam a constituição continuamente devem ser investigados. A entrada de novos ministros nos tribunais superiores devem ser muito mais rigorosas.

    A Policia brasileira deve ser proibida de fazer qualquer tipo de treinamento no exterior.

     

  3. Sempre deleitosa leitura

    Ler as argutas e contundentes análises é sempre um deleite. Armando Coelho Neto vai direto ao ponto, sem firulas. Em poucos parágrafos ele mostra que o chamado “mensalão do PT”, foi uma fraude jurídico-política, a maior aberração jurídica pré-Fraude a Jato. ACN coloca o capitão-do-mato no devido lugar.

  4. Tenho maior apreço pelo Armando.

    A tese que ele cita (inovar a peça acusatória durante o julgamento) faz todo o sentido quando se trata do Estado-acusador processando um cidadão ou o Estado-juiz arbitrando uma causa entre dois particulares mas aqui é o caso do Estado árbitro de um pleito eleitoral onde um juiz, ainda que pudesse solicitar de ofício a produção de provas, simplesmente deu andamento a um pedido de outro juiz, por sinal o presidente da corte eleitoral. Este juiz eleitoral tem o dever de perseguir a “verdade real” em nome do bem a ser tutelado: a lisura das eleições.

    Além do que a produção de provas está no NCPC e já foi julgada constitucional.

    Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

  5. Esfarraparam a República

    Excelente! Mais uma vez desnuda-se a teoria do fato e os fatos da teoria. Parabéns Armando, uma voz constante a incriminar com fatos e teorias os golpistas encastelados no colo de nossa esfarrapada República, manipuladores contumazes de leis, cargos, propinas! O manipulador-mor da teoria do fato, fantasiado de capitão do mato com apoio de colegas muitos dos quais representantes dos verdadeiross senhores de escravos e que deu início a toda farsa para destruir o  PT e o e país, agora anuncia quer chegar lá onde o dinheiro rola pelas rampas pois o ap que comprou alhures está pequeno.

  6. Um Judiciario para chamar de meu

    Eu acho que em breve teremos juristas do mundo todo vindo ao Brasil para entender como é o jeitinho-juridico à brasileira. A justiça feita sob medida. Certamente, à exceção dos totalitarismos, não existe correspondência no mundo.

  7. “ACORDÃO”: COMEÇA O FIM DA LAVA JATO (“TOO BIG TO FAIL”)

    “ACORDÃO”: COMEÇA O FIM DA LAVA JATO (“TOO BIG TO FAIL”, ESTÚPIDO!)

    Por Romulus & Núcleo Duro

    – A Medida Provisória que permite ao Banco Central celebrar acordos de leniência – secretos! – com os Bancos muda o jogo.

    – Esvazia sobremaneira o poder de chantagem da Força Tarefa da Lava a Jato – e de Palocci! – sobre o Mercado: a “bomba atômica” está em vias de virar uma…

    – … biribinha (!)

    – Esse fato – tomado isoladamente – é ruim para o PT. E para Lula (!)

    – Mas…

    – Sempre se pode contar com a estupidez dos Procuradores de Curitiba. Eles que – até agora! – ainda não entenderam que o Acordão é…

    – … I-NE-VI-TÁ-VEL!

    – Por quê?

    – Ora, “é o too big to fail, estúpido!”.

    – No caso, literalmente “estúpidos” M E S M O.

     

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