De olho em 2022, Doria mantém subsídio a setores privilegiados

No plano econômico, não há nada mais parecido com o guedismo do que a administração tucana em São Paulo

Foto: Wilson Dias/EBC

da Carta Capital

por Ana Flávia Gussen 

Aliado por conveniência de Jair Bolsonaro em 2018, o governador paulista João Doria tornou-se em pouco tempo um adversário figadal do ex-capitão. Pesaram as ambições eleitorais – Doria sonha em ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2023 – e a completa dissonância na chamada “guerra das vacinas”. Neste quesito, os dois estão em lados opostos. Apesar de exagerar no marketing, o governador mostra-se empenhado em oferecer uma vacina contra a Covid-19 o mais rápido possível e nunca negou a ciência, enquanto Bolsonaro boicota o plano de imunização e receita cloroquina.

As diferenças acabam aí. No plano econômico, não há nada mais parecido com o guedismo do que a administração tucana em São Paulo. O pacote de medidas do governo Doria, anunciado recentemente, prevê corte expressivo nos investimentos em saúde, ciência e tecnologia e assistência social. Em contrapartida, os gastos com publicidade subirão 69% e setores influentes, entre eles o agronegócio, manterão intactos os subsídios. Um levantamento obtido por CartaCapital detalha o resultado dessas mudanças: a saúde perderá quase 1 bilhão de reais. Só o repasse às Santas Casas, instituições filantrópicas e prefeituras foi reduzido em 12%, o equivalente a 80 milhões de reais a menos. Segundo a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo, o corte vai afetar diretamente mais de 180 instituições. Em alguns casos, a perda chega a 1 milhão de reais por unidade.

Edson Rogatti, presidente da entidade, teme um colapso em diversas cidades que dependem do atendimento. “O governo, sem nenhuma negociação, no apagar das luzes de 2020, promoveu esse corte. Mas temos de pensar que leito não vai só para Covid. As pessoas ainda sofrem enfartes e acidentes. No fim do ano, ele havia aprovado uma redução no orçamento da saúde, aí somos surpreendidos agora com mais esta.”

Em nota, o governo informou que foram repassados 2,5 bilhões de reais em convênios firmados pela pasta com Santas Casas, entidades filantrópicas e serviços que integram o SUS em 2020. O valor, diz a administração estadual, é 65% superior ao total de recursos destinados pela pasta exclusivamente ao combate à pandemia. Os cortes, acrescenta a nota, “não representam prejuízo aos pacientes da rede pública de saúde, sendo prerrogativa dos gestores atuar para o uso adequado dos recursos públicos”.

Rogatti responde: “Sempre apoiamos o governo. Tanto que praticamente fechamos nossas contas no vermelho e ainda assim atendemos todas as solicitações”. A federação promete recorrer à Justiça contra a redução dos repasses, além de tentar derrubar a medida na Assembleia Legislativa de São Paulo.

O facão passa por outros setores. A segurança pública, um dos temas preferidos de Doria na campanha eleitoral de 2018, perdeu 3,2 bilhões de reais. Embora se alinhe aos críticos da boçalidade e do viés anticientífico do governo Bolsonaro, o tucano pretende tirar 1,2 bilhão de reais da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Ao mesmo tempo, a previsão de benefícios e isenções fiscais soma 40,9 bilhões de reais de ICMS, principal tributo estadual, e 2 bilhões de IPVA.

Alguém terá de pagar a conta. Adivinhe quem? Depois de uma pequena disputa judicial, o governo do estado, em parceria com a prefeitura da capital, administrada por outro tucano, Bruno Covas, conseguiu impor o fim da gratuidade no transporte público para usuários entre 60 e 64 anos. Quase 200 mil paulistanos perderão o benefício, pois, segundo o secretário de Projetos, Mauro Ricardo, quem está nesta faixa etária é considerado jovem e não precisa do apoio. Doria pretendia ainda tirar 39 milhões do programa Viva Leite, que distribui 2 milhões de litros a famílias carentes, mas a pressão popular impediu que o corte fosse incorporado ao orçamento deste ano.

FONTE: PLOA 2021

O tucano reservou, no entanto, mais dinheiro para promover o seu mandato. A verba de publicidade saltou de 90,7 milhões para 153,2 milhões de reais,­ um robusto aditivo para quem precisa fortalecer a imagem até as eleições presidenciais de 2022. O governo alega que os gastos com comunicação “são primordiais para o enfrentamento dos desafios que virão”, principalmente nos informes à população sobre a campanha de vacinação contra o Coronavírus. Mas é difícil separar, nestes casos, o interesse público da promoção pessoal.­ O mote da campanha da CoronaVac, o imunizante chinês a ser distribuído pelo Butantan, é a “vacina do Brasil”. O governador, pela propaganda oficial, desponta como um herói nacional.

Doria tentou mexer em um vespeiro, ressalte-se, mas se viu obrigado a recuar.­ No plano havia a intenção de reduzir os subsídios ao agronegócio, um setor aliado de Bolsonaro. Produtores e sindicatos rurais marcaram tratoraços em 200 municípios contra as medidas e antes que eles acontecessem, na primeira semana de janeiro, o governador mudou de ideia. Ainda assim, agricultores de três cidades do interior passearam pelas ruas para marcar posição. Por tabela, os medicamentos genéricos também acabaram poupados. Uma força-tarefa, informa o Palácio dos Bandeirantes, foi criada “para aplicar a determinação do governador João Doria para revogar as mudanças no ICMS de insumos agropecuários para a produção de alimentos e de medicamentos genéricos. Serão feitas as alterações necessárias para acomodar as mudanças nas medidas de redução de benefícios fiscais”.

A oposição critica. “Falta, na minha opinião, coragem ao governo para enfrentar a reforma tributária e tirar dos grandes e dos ricos. Deixa de arrecadar mais mexendo nas grandes fortunas ou tornando o imposto de transmissão de causa mortis progressivo, por exemplo. Ele podia dar isenção para os pobres e cobrar os bilionários”, defende o deputado estadual­ Paulo Fiorilo, do PT. Esta não é, porém, a praia de Doria. Mais fácil, como sempre, é avançar sobre o bolso de quem precisa e não reclama. Quanto aos ricos e poderosos, nada que uma boa conversa em Miami não resolva.

Publicado na edição n.º 1140 de CartaCapital, de 15 de janeiro de 2021

Redação

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