Instabilidade e medo da extensão do isolamento: um retrato das periferias

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Sob quarentena, comerciantes em comunidades de São Paulo lidam com o medo da fome em meio à pandemia

Foto: Ana Gabriela Salles

Jornal GGN – Era sábado, 21 de março, quando o governador do Estado de São Paulo, João Doria, anunciava o decreto de isolamento social como medida de contenção contra a transmissão do novo coronavírus. A ação passou a valer dois dias depois, quando a cabeleireira Tânia Aparecida tirava de dentro do seu salão de beleza, no extremo sul da capital, as ferramentas de trabalho e entregava ao dono do local a chave de seu sustento.

“Tivemos que entregar o ponto porque a gente pagava aluguel e não tinha mais como ficar, sendo que foi proibido [o funcionamento] por causa do isolamento social”, explicou a autônoma, mãe de três filhos e sem renda alternativa para driblar as contas na quarentena.

O decreto de quarentena, que agora se estende até 22 de abril, impede o funcionamento de bares, baladas, hotéis, academias, shoppings, buffets de eventos, cabeleireiros, restaurantes com atendimento presencial e escolas públicas e privadas. A medida, necessária para achatar a curva do contágio, muitas vezes não é compreendida por aqueles que dependem de seus pequenos negócios para colocar comida sobre a mesa.

Tânia Aparecida é moradora do Jardim Jangadeiro, comunidade entre a periferia do Capão Redondo e Jardim Ângela, na zona sul da cidade. No bairro, o fantasma da fome não é novidade e há anos causa mais medo que qualquer vírus. Sem perspectiva e sem renda, alguns comerciantes abrem as portas, outros esperam a ajuda do poder público.

“Sem trabalhar, o faturamento zerou e estamos lutando pra vê se conseguimos alguma renda alternativa. A única esperança que a gente tá tendo ainda é esse auxílio do governo. Eu fiz o cadastro e sou MEI, mas pediram pra aguardar cinco dias. Minha única esperança ainda é essa, outra alternativa não tenho”, completou a cabeleireira.

O auxílio do governo federal, pago em três parcelas de R$ 600,00 a partir de maio, visa amparar beneficiários do Bolsa Família, trabalhadores informais, microempreendimentos individuais (MEI) e famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Mães que criam os filhos sozinhas têm direito ao dobro do benefício.

Críticos consideram a renda básica emergencial atrasada (outros países já iniciaram o pagamento por aplicativos) e insuficiente porque exclui pessoas que ficarão em situação vulnerável na pandemia, apenas porque não preenchem os requisitos do programa.

Um autônomo que tenha faturado mais que 28,5 mil reais em 2018 (ou 2,3 mil reais por mês), por exemplo, não será selecionado. O Sebrae calcula que mais da metade dos MEIs não serão respaldados pelo programa.

“Tem que trabalhar, não tem jeito”

“Serviços de alimentação, como restaurantes, bares, cafés, deverão ser suspensos e transformados em serviços de delivery”. A indicação de Doria aos donos desses tipos de estabelecimentos foi vista como uma luz no fim do túnel para Francisco Moreira, que comanda uma pizzaria localizada em uma das avenidas mais movimentadas do Capão Redondo.

Há dez anos, o sistema de entregas da pizzaria é o ponto forte do negócio, mas Francisco admite que as cadeiras em cima das mesas, que deveriam estar ocupadas por clientes, afetou 40% do faturamento em março.

“O movimento caiu 40%. Mesmo com bastante entrega. Nós só estamos com o delivery e reduzimos o número de funcionários. Eram 10, agora estamos só com seis pessoas trabalhando.”

Mas apesar de não servir os clientes no local, Francisco admite que a retirada de pizzas no balcão continua. “Bastante gente acaba vindo”, contou.

Questionado pela reportagem sobre a aglomeração de pessoas no salão, o proprietário da pizzaria esclareceu que mesmo com medo da Covid-19, mas sem outra opção de renda para sustentar a família, “tem que trabalhar, não tem jeito.”

Nesta quinta-feira (9/4), Doria afirmou que não pretende relaxar as restrições sobre comércios e serviços não essenciais. Segundo ele, é preciso atingir, antes, um índice de isolamento social que abranja 70% da população. Atualmente, essa taxa está em 50%. Se a meta não for alcançada, os preparos relacionados ao aumento de leitos hospitalares serão insuficientes durante o pico da pandemia, alegou o governador.

Leia também: Como São Paulo enfrenta o coronavírus nas grandes favelas

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

3 Comentários

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  1. Olha, não é fácil para os dois lados. Como que o cara vai ficar em casa com o armário vazio de comida? Se os cornos não demorassem tanto para colocar os 600 paus na mão das pessoas.. É pouco, mas dá para fazer um armazém pelo menos por 1 mês, dependendo do tamanho da família. Dia desse o porteiro aqui do meu prédio comenta comigo: “seo Ale sou totalmente favorável a quarentena, mas meu emprego aqui no prédio por enquanto está garantido. Mas veja meu irmão. Lá na comunidade no Jaçanã ele tem uma quitandinha. É com ela que ele sustenta a mulher, 3 crianças e a sogra que moram numa casa de 3 cômodos. Paga 600 reais de aluguel na casa e 400 reais no ponto. Mas até não ter esse problema do corona ele conseguia tocar a vida. As crianças estudavam, tinham merenda… E agora?”

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