Moro, o candidato, por Paulo Brondi

Ora, Moro, Doria, Mandetta e companhia bela da “third way” nada mais representam que a costela do bolsonarismo; era essa direita enfadonha, perdida em si mesma, insossa, sem ideias de país, que derramou votos em Jair Bolsonaro.

Moro, o candidato, por Paulo Brondi

O que quer Sérgio Moro? É candidato a quê?

Não se engane, inquisitivo leitor: eventual candidatura Moro à Presidência da República será o refúgio natural do bolsonarismo arrependido.

Gravitarão em torno dela lavajatistas da justiça, antipetistas e antiesquerdistas, a elite rastaquera que já abandonou o barco bolsonarista, a juventude protofascista do MBL e do Vem Pra Rua, a classe média alienada, os moralistas de botequim de sempre, boa parte da Faria Lima e um belo quinhão da imprensa – que o diga o Estadão.

Essa massa amorfa, que em 2018 apertou sem dó o botão da barbárie, da incivilidade, da bizarrice, da anticiência, da antipolítica, da falta de noção, mas que ainda conserva em si um pouco de decoro, é a que compreende o eleitorado cativo do ex-juiz.

É uma gente que deu de ombros ao histórico sombrio de Jair Messias Bolsonaro, de defesa intransigente da tortura e do terrorismo de Estado; é a mesma gente que ria de suas piadas homofóbicas, racistas e misóginas. Não venham dizer, portanto, que se reciclaram socialmente e agora preferem o “belo, recatado e do lar” Sérgio Moro.

Também se encontra nesse balaio a turma da Faria Lima que se decepcionou com Paulo Guedes, não porque este deixou de ser um liberal (como nos querem fazer crer), mas simplesmente porque não mais se tornou um palatável representante da burguesia do Mercado no governo monstruoso que ora nos envergonha.

A malta neoliberal, que apostou em 2018 todas as fichas em Jair Bolsonaro, vai aos poucos saltando do bonde e procurando abrigo na tal “terceira via” – uma invenção estúpida da imprensa paulista para querer dar outras cores a um candidato que lhe seja menos animalesco que o bolsonarismo, mas cuja política econômica satisfaça ao “Deus mercado”.

Noberto Bobbio não reconheceria essa “terceira via”. Se houve, aliás, uma terceira via na história do Brasil, como significado de ruptura à ordem liberal e de crítica à democracia, essa foi justamente a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018.

Falar em “terceira via”, como sinônimo de centro, é a propósito um sinal claro de ignorância da mídia comercial. Sérgio Moro e os demais da “terceira via” pretendem o que, afinal? São um pouco do bolsonarismo e do lulismo ou não querem nada de ambos, mas tão apenas “ir além”?

Ora, Moro, Doria, Mandetta e companhia bela da “third way” nada mais representam que a costela do bolsonarismo; era essa direita enfadonha, perdida em si mesma, insossa, sem ideias de país, que derramou votos em Jair Bolsonaro. Não se deslembre que Moro fora até o ano passado o Filinto Muller do bolsonarismo, encarregado de propor absurdos como a “excludente de ilicitude” a uma das polícias que mais mata no mundo e de requisitar inúmeros de inquéritos policiais contra artistas e jornalistas.

É esse agora o bom moço da “via liberal”? Ora, ora.

Norberto Bobbio já nos falara anos antes da aliança entre o protofascismo e a tal “direita moderada”, em sua obra “Direita e Esquerda”:

“[…] em determinadas circunstâncias de grave crise histórica, uma aliança entre extremistas e moderados de direita pode ter algum sucesso, como ocorreu nos regimes fascistas, quando as direitas moderadas, em estado de necessidade, aceitaram a supremacia da direita extrema”.

Essa aliança tupiniquim, verdade seja dita, nos legou o bolsonarismo e igualmente Kim Kataguiri, Joice Hasselmann, Fernando Holiday, Mamãe Falei, Marcel Van Hatten, dentre outras esquisitices que povoam nosso triste cenário.

A sarabanda dos mentecaptos que há anos aguardava sua apoteose teve sua vez há três anos, mas se desfez num átimo.

Contudo, aqui também não se engane obsequioso leitor: o divórcio entre fiéis e arrependidos apenas se deu porque a economia já desde 2019 aparentava ir para o beleléu, como de fato está indo.

Por óbvio, o neoliberalismo, para sobreviver, como um parasita, demanda outro corpo hospedeiro, haja vista que o de Jair Bolsonaro já se encontra putrefato – rápido demais, para desilusão dos neoliberais, que em verdade gostam mesmo é de chumbo no lombo do povão, conforme nos ensinaram os anos Pinochet no Chile, o primeiro laboratório neoliberal nas Américas. Nada de liberal há nisso, pois sua resposta é sempre reacionária e violenta quando está no poder algum partido ou governante popular que represente verdadeiramente as massas desvalidas.

Para Rubens Casara (Estado Pós-Democrático):

“[…] Pós-Democrático é o Estado compatível com o neoliberalismo, com a transformação de tudo em mercadoria. Um Estado que, para atender ao ultraliberalismo econômico, necessita assumir a feição de um Estado Penal, de um Estado cada vez mais forte no campo do controle social e voltado à consecução dos fins desejados pelos detentores do poder econômico”.

O Estado neoliberal é o ente omisso na regulação da financeirização da economia, no entanto fortemente presente no controle social – controle dos corpos, das populações periféricas e marginalizadas, das minorias, enfim, das gentes indesejadas pelo Mercado, que apenas aspira a uma finalidade: o lucro incessante.

Procura o neoliberalismo, portanto, um nome à “terceira via”. Parece, agora, enamorado de Sérgio Moro, como já esteve de Luciano Huck – que preferiu ganhar mais dinheiro na Globo.

Moro, sabemos, é um monumento à ignorância. Inculto e um tanto provinciano, já pouco sabia dos assuntos jurídicos, escreve e fala muito mal, é péssimo leitor; de apoucada cultura geral, como de costume são os workaholic, será curioso saber o que pensa sobre educação, meio ambiente, saúde, moradia, saneamento básico. Sobre economia, já está aprendendo a repetir o mantra neoliberal, embora nunca tenho lido um básico manual para iniciantes no tema.

Não faltará, evidentemente, o costumeiro rococó anticorrupção, que na visão miúda de Sérgio Moro sobre o mundo é o que há de mais urgente. Ele também sabe que tal embuste – como modo de acobertar problemas reais e candentes – é o que embala parte da classe média idiotizada que lhe dará votos.

Bem ensina o grande Jessé Souza (A Elite do Atraso):

“O imbecil perfeito é criado quando ele, o cidadão espoliado, passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos [empresas estatais e riquezas do subsolo] a agentes privados imaginando que assim se evita a corrupção estatal […] Cria-se aí a corrupção dos tolos […] O cidadão, devidamente imbecilizado pela repetição do veneno midiático, pensa consigo: ‘É melhor entregar a Petrobrás aos estrangeiros do que ela ficar na mão de nossos políticos corruptos’. Tudo como se a suprema corrupção não fosse entregar a uma meia dúzia a riqueza de todos […]”.

O neoliberalismo buscou sempre disfarçar suas (segundas) intenções. O velho papo da ineficiência do Estado e da corrupção não por acaso são seus temas preferidos. Busca, agora, alguém que lhe possa servir aos interesses sem titubear. Moro nunca foi nem é parte da elite dominante; todavia, comportou-se sempre como seu fiel serviçal. Inesquecíveis são suas fotos de black tie nos rapapés empresariais Brasil afora, ainda no auge da malfadada “Lava Jato”.

Pouco instruído, falta-lhe, por exemplo, a leitura essencial de Erik Reinert, que no seu “Como os países ricos ficaram ricos… e por que os países pobres continuam pobres” afirmou:

“A raça era conveniente para explicar a pobreza das colônias […] Os africanos não eram pobres porque foram proibidos de industrializar seus países: eram pobres porque eram negros. Atualmente, quando enfatizamos o papel da corrupção na criação da pobreza, somos um pouco mais politicamente corretos. Os africanos já não são pobres porque são negros: são pobres porque os negros são corruptos. Em última análise, a diferença é marginal”.

De cabeça colonizada, assim como a elite à qual serviu e pretende continuar servindo, Moro imagina que a corrupção é o mal maior da nação. O que tem ele a dizer, no entanto, sobre a orgia financeira que promove o Mercado todos os dias? O que tem ele a dizer sobre a concentração da grande imprensa nas mãos de poucas famílias? O que tem a falar sobre a farra das privatizações, em que o patrimônio de todos é repassado a preço obsceno para as mãos do capital privado?

Walfrido Warde, em “O espetáculo da corrupção”, ensinaria a Moro que:

“[…] não vale dizer que tudo é culpa dos corruptos. A corrupção não prescinde da política e do mercado […] A corrupção gera ineficiência, iniquidade e pobreza, mas não é óbice ao crescimento econômico[…] O problema não é a corrupção em si, mas o fato de que a corrupção – essa corrupção do Estado pelo capital – é um fenômeno ínsito ao capitalismo, dele indissociável […]”.

Não se esqueça, paciencioso leitor, que Moro e Bolsonaro eram “uma coisa só”, dizia sua “conje” Rosângela. Portanto, saiba que sua pauta em muito pouco será distinta da de Jair Messias no que tange a valores conservadores e política econômica neoliberal.

Não li nem ouvi, mas imagino qual tenha sido o discurso de Moro como pré-candidato a alguma coisa: um rosário de alegorias para agradar uma plateia vazia de ideias e arrecadar alguns aplausos entre sorrisos amarelos e falsos desejos de boa sorte.

Moro não é um personagem público confiável. Burlava a lei às ocultas enquanto jurava sorridente ser seu fiel cumpridor; divulgou sem pudor conversas privadas de dois Presidentes da República; traiu antigos aliados a olhos vistos. Tampouco é um personagem carismático. Esforça-se, com sua voz pouco simpática, para atrair solicitudes e afinidades, mas não convence. É homem de gabinete, burocrata, não é político; muito menos é homem da vida.

Imagine-se o que deve ser meia hora de conversa com uma ruína dessas.

O mundo político, da esquerda à direita, odeia Sérgio Moro. Trata-se de figura aceita apenas por neófitos ou por vigaristas que pretendem somente passar (falso) recibo de boa conduta.

Honorè de Balzac – que Moro “Édith Piá” não sabe quem é – delineou o arquétipo morista assim (A mulher de trinta anos):

“Não se encontra um grande número de homens cuja nulidade profunda é um mistério para a maioria das pessoas que o conhecem? Um posto elevado, uma origem ilustre, funções importantes, um certo veniz de polidez, uma grande reserva na conduta, são para eles como guardas que impedem às críticas de penetrar-lhes a vida íntima […] Essas criaturas de méritos fictícios interrogam em vez de falar, possuem a arte de colocar os outros em cena para evitar representar diante deles […] por mais habilidade que esses usurpadores empreguem na defesa de seus flancos vulneráveis, é-lhes muito difícil enganar as esposas, as mães, os filhos ou o amigo da casa; mas essas pessoas sempre guardam segredo sobre uma coisa que, de certo modo, diz respeito à honra comum, e muitas vezes até os ajudam a iludir a sociedade”.

Há algo de falso em tudo o que gira em torno de Sérgio Moro, um imenso faz-de-conta, incluindo seu “desejo” de combater a corrupção. Nada surpreendente, porém, dado que se trata de figura pública fabricada ao gosto da mídia comercial, da elite venal e da classe média capadócia.

Moro, ao se jogar de corpo e alma na política, pode acertar seu alvo ou pode enterrar de vez sua lacônica, inacabada e mambembe biografia. Compreende-se que toda sua desmedida ambição “andava cansada de bater asas, sem poder abrir voo”. Ontem se fez sua filiação ao Podemos, legenda de reputação duvidosa e de desimportante história. Almeja ele voo alto e cargo de grande valia. Ainda não é tarde para rever suas ideias.

Que a noite lhe tenha dado bons conselhos.

Paulo Brondi é promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás e membro do Coletivo Transforma MP.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

2 Comentários

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  1. Na verdade Moro busca a impunidade que um cargo político possa lhe dar. Precisa urgente de abrigo pois sabe que vai acabar na cadeia que é lugar de vigarista.

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