A terceirização causará prejuízos à economia brasileira?

Não gosto de escrever sobre um assunto importante sob a pressão da necessidade. Há algum tempo fiz uma análise do PL 4330/2004 https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-pl-4330-2004-e-responsabilidade-por-acidentes-e-doencas-profissionais-dos-terceirizados . O foco da minha abordagem naquela oportunidade foi a responsabilidade do tomador dos serviços e da empresa que loca mão de obra em caso de acidente do trabalho ou doença profissional. Volto ao tema terceirização por causa das investidas do usurpador contra a CLT.

Muito tem se dito sobre a univesalização da terceirização. Os inimigos dela fazem discursos apaixonados sobre a revogação da Lei Áurea e sobre a redução da participação dos trabalhadores no PIB com evidentes prejuízos para o comércio varejista e para a arrecadação do INSS. Os defensores da revogação da CLT prometem o fim do desemprego e do trabalho sem registro, bem como um aumento de investimentos internacionais no país (apesar deles não serem donos dos recursos que supostamente serão investidos no Brasil). Como nos filmes de terror, o vampiro avança para a vítima tentando hipnotizá-la e a mesma vira o rosto e tenta esconder o pescoço porque sabe que a mordida será fatal.

Michel Temer faz pose de Estadista, mas ele não inovou. De fato, o usurpador apenas retomou a discussão iniciada com o PL 4330/2004 aprovado na Câmara dos Deputados. Dilma Rousseff lutou contra a aprovação do mesmo no Senado e prometeu vetar os artigos que autorizassem a terceirização nas atividades fins dos empregadores. A precarização do trabalho só produzirá quatro coisas: aumento da acumulação de capital à custa da superexploração de trabalhadores; redução do consumo no varejo e da arrecadação de contribuições do INSS; aumento dos processos trabalhistas visando a declaração da inconstitucionalidade da Lei que autoriza a terceirização em atividades fins e; explosão de conflitos coletivos do trabalho, que tenderão a se tornar mais e mais violentos caso sejam violentamente reprimidos pelas PMs.

O alargamento das hipóteses de terceirização não solucionará a crise de desemprego, que foi agravada pela rápida destruição das políticas públicas implementadas pelos governos petistas. Muito pelo contrário. Novos problemas irão surgir. Um fenômeno parecido ao que ocorreu quando da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural. Em um estudo de caso feito na década de 1970 a pesquisadora Maria Conceição D’Incao relata que:

“Um caso bastante revelador disto, pela simplicidade com que ele se manifesta, é o da fazenda de café situada na área periférica de uma das cidades da Alta Sorocabana. O sistema de contratação dos trabalhadores era o tradicionalmente usado entre os cafeicultores: o sistema de colonato. Trinta e cinco colonos residiam com suas famílias na fazenda. Com o aparecimento do Estatuto do Trabalhador Rural, a solução adotada deixou de ser vantajosa para o fazendeiro. O registro dos trabalhadores lhe acarretaria um ônus grande, em termos da necessidade de pagar salário fixado em lei, além do salário-família e demais compromissos fixados. Os referidos colonos recebiam salários ínfimos, em razão das casas que lhes eram cedidas para residirem com suas famílias.

A solução encontrada pelo fazendeiro foi no sentido de remunerar os trabalhadores como diaristas – Cr$ 6,40 por dia em 1973 – e desfazer-se de maiores vínculos com os mesmos, cobrando-lhes aluguel da casa e o preço da lenha por eles utilizada. Este aluguel, assim como o preço da lenha, são descontados ao final de cada mês, da soma dos dias de serviço devidos a cada trabalhador. Algumas famílias, descontentes com a solução, mudaram-se da fazenda. Outras, entretanto, apareceram para substituí-las. A possibilidade de trabalho, mesmo como diarista, garantido para a maior parte do ano, somada à proximidade da cidade, que lhes permite empregar os filhos e trabalhar nas colheitas de algodão e de amendoim, sempre que não há trabalho na fazenda, aparece como um grande atrativo para esta população carente de melhores oportunidades de trabalho.

A totalidade destes trabalhadores tem plena consciência de que está sendo lesada nos seus direitos. Não desenvolve, entretanto, uma ação eficaz no sentido da conquista dos mesmos. Até agora as suas reivindicações junto ao ‘patrão’ só tem aparecido por ocasião de alguma doença em família, fazendo-o encarregar-se dos gastos com hospital e farmácia, sob pressão da alegação dos seus direitos frustrados. Pelo que tudo indica, uma das variáveis que os vêm impedido de fazer reivindicações mais eficazes é o receio de piores condições de trabalho e de vida, no caso de serem despedidos. Os mais novos na fazenda ainda vêem  na situação uma boa solução, dado o fato de terem vivenciado recentemente grandes dificuldades na busca de trabalho. Os mais antigos são os menos conformados, e falam em ser registrados, no recebimento dos atrasados, na aposentadoria e no direito a atendimento médico pelo respectivo Instituto de Previdência Social.

Outro argumento a ser usado contra esta supervalorização do instrumento legal, na determinação da opção pelo trabalhador ‘boia-fria’ na Região, por parte dos fazendeiros, refere-se ao fato de ser este trabalhador mais frequentemente usado em substituição ao arrendatário e ao parceiro, que são, em última análise assalariados disfarçados.

Foi visto que, embora contratados nos termos legais do contrato de sociedade, na prática, os parceiros e arrendatários nada mais são do que vendedores de sua força de trabalho. O que se observa, portanto, e mais frequentemente, no aproveitamento da força de trabalho do ‘boia-fria’ é a substituição de um sistema de exploração da força de trabalho, que permite ao empregador furtar-se aos compromissos trabalhistas – arrendamento e parceria -, por outro que também lhe oferece esta possibilidade. Aliás, diga-se de passagem que  a contratação do trabalhador diarista – ‘boia-fria’ – não isenta o empregador de todo e qualquer compromisso trabalhista. A lei prevê que a contratação do trabalhador diarista se faça por tempo determinado, o que garante ao trabalhador o salário mínimo diário, assistência médica durante o período de duração do contrato, pagamento de horas extras, descanso semanal remunerado e indenização no caso de dispensa antes do término do contrato, além do tempo para aposentadoria ser contado.

Na prática, entretanto, isto não ocorre, conforme se viu no Capítulo VIII. Nestas circunstâncias, a exploração da força de trabalho, através do arrendamento e da parceria ofereceria menor risco do ponto de vista legal, para o empregador, do que a exploração do trabalho ‘boia-fria’.

A explicação da opção do empresário rural, pela mão-de-bra ‘boia-fria’, deve então ser buscada no próprio comportamento empresarial, isto é, deve ser entendida como o resultado de uma articulação racional de meios e fins, baseada no cálculo do custo dos sistemas de exploração da força de trabalho, possíveis na região.” (O BOIA FRIA – ACUMULAÇÃO E MISÉRIA, Maria Conceição D’Incao, editora Vozes, Petrópolis, 1979, p. 117-119)

Um pouco mais adiante, a pesquisadora afirma que:

“Os entrevistados, grandes empresários da lavoura, afirmaram entretanto não ser vantajosa a mecanização da colheita, justamente em razão da facilidade de arregimentação e do baixo custo do trabalho ‘boia-fria’.

Informaram também que, no caso da mão-de-obra para a colheita tornar-se escassa, mais vantajoso seria mudar de ramo (amendoim e algodão), do que mecanizar a colheita. Provavelmente, a melhor solução seria no caso, a pecuária, por não exigir grande quantidade de mão de obra.

Nestas circunstâncias, o ‘boia-fria’ aparece como um entrave à própria mecanização da lavoura e como um fator importante na manutenção dos grandes proprietários no setor da agricultura.” (O BOIA FRIA – ACUMULAÇÃO E MISÉRIA, Maria Conceição D’Incao, editora Vozes, Petrópolis, 1979, p. 123)

Duas coisas são reveladas pelo estudo citado. A primeira e mais evidente é que a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural não melhorou a situação dos trabalhadores. Em alguns casos a situação deles piorou. Os que eram colonos foram revertidos à condição de ‘boias-frias’ e tiveram que começar a pagar o aluguel das casas em que moravam com suas famílias sem ser registrados e remunerados na forma daquela Lei. Enganam-se, portanto, aqueles que afirmam que a universalização da terceirização reduzirá o trabalho informal. O mais provável é que surjam novas modalidades de superexploração dos trabalhadores, principalmente no campo (cujas relações de trabalho ganharam um formato mais humanitário com CF/88).

A aprovação da proposta de Michel Temer poderá acarretar distorções inenarráveis no campo se os próprios produtores rurais se tornarem donos de empresas de locação de mão de obra. Caso isto venha a ocorrer um produtor rural poderá locar trabalhadores a outros produtores rurais, contratando terceirizados para trabalhar na sua própria fazenda. Se o locador desta mão de obra for ele mesmo dono de uma empresa de locação de mão de obra o resultado será um acordo de cavalheiros para maximizar os lucros dos proprietários rurais em detrimento da força de trabalho que rapidamente seria revertida à condição do antigo “boia fria” e do escravo.

É fato: a precarização do trabalho durante a vigência do Estatuto do Trabalhador Rural não estimulou a modernização da produção agrícola. O mesmo fenômeno poderá voltar a ocorrer caso Michel Temer consiga revogar a CF/88 e a CLT. A redução dos salários no campo e a intensa competição entre trabalhadores terceirizados, com evidente concentração de renda e poder nas mãos dos proprietários rurais que criarem empresas de locação de mão de obra, será um incentivo à utilização de mais mão de obra humana barata e menos investimento em equipamentos caros que exigem manutenção especializada. O resultado será um desastre econômico de difícil reparação. 

Não é isto o que desejamos. Não é isto o que as modernas lideranças ruralistas desejam. A Senadora Katia Abreu é contra a universalização da terceirização. É preciso prestar atenção no que ela tem a dizer sobre o assunto.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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