Ucrânia: fracassos fazem Zelensky despertar em realidade antecipada por Putin

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Depois da União Europeia, no Senado dos EUA não avança ajuda bilionária a Kiev. Otan e Pentágono admitem fracassos e saída diplomática

Foto: Sputnik/Governo Russo

“Eles estão literalmente obcecados com apenas uma coisa: defender seus interesses a qualquer custo. Se essa for a escolha deles, vamos ver o que acontece”, afirmou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em uma reunião do Clube de Discussão Valdai, no resort de Sochi, no Mar Negro, no último mês de outubro. A guerra ainda reservava esperanças de vitória aos ucranianos. 

Em Sochi, porém, Putin falava do Ocidente. Em uma rápida pesquisa, é possível verificar dezenas de posicionamentos públicos de Putin, mesmo antes da escalada do conflito, onde ele antecipa algo vivenciado agora pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky: as potências europeias e os Estados Unidos (EUA) não têm compromisso com a Ucrânia, senão com seus interesses. 

Zelensky não deu ouvidos, manteve-se atiçado contra a Rússia e seguiu se sentindo vigoroso com os incentivos dos amigos ocidentais, sobretudo após iniciada a guerra.

Hoje se mostra cansado e reclamando, a cada entrevista, da falta de ajuda das potências ocidentais que antes prometiam uma vitória gloriosa contra os russos. Internamente já se cogita negociar com o Kremlin, avaliando cenários do que pode ser cedido aos russos, e isso significa território, mesmo que Zelensky ainda insista que não seja o momento.

A guerra, para Putin, não é necessariamente contra a Ucrânia, mas contra os interesses militares e geopolíticos do Ocidente na região diretamente ligada à Rússia.

Em agosto, Putin declarou, durante reunião do Brics, que “alguns países promovem sua excepcionalidade hegemônica e suas políticas de colonialismo e neocolonialismo vigentes. Eu gostaria de apontar que a aspiração em preservar essa hegemonia no mundo provocou a profunda crise na Ucrânia, primeiramente pelo apoio do Ocidente a um golpe de Estado inconstitucional”.

O presidente russo fez referência às origens do atual conflito, referindo-se ao Euromaidan, entre 2013 e 2014, que derrubou o governo do ex-presidente Viktor Yanukovich, considerado pró-Rússia, abrindo caminho para o que desembocou no governo Zelensky e na postura de Kiev alinhada à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que desde a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, avança bases para as fronteiras da Rússia – contrariando os acordos internacionais.

Sem dinheiro, sem entendimento  

A emissora NBC revelou nesta segunda-feira (4) que os líderes republicanos do Senado dos EUA continuarão bloqueando a aprovação do pacote de segurança nacional do presidente Joe Biden, que inclui ajuda extra para Israel e Ucrânia, à medida que as negociações sobre as leis de imigração continuam a falhar.

Já o The Washington Post revelou que cálculos errôneos e profundas diferenças de opinião entre os governos da Ucrânia e dos Estados Unidos marcaram a preparação da contraofensiva que o país eslavo lançou no início de junho passado, um fracasso já admitido pelo alto-comando militar ucraniano e pelo Pentágono. 

O quadro induz a uma nova abordagem do conflito, não militar, mas de negociação diplomática e com possibilidades de que a única saída seja ceder à Rússia. No sábado (2), o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea dos EUA, Charles Brown Jr., comentou o futuro do conflito ucraniano, destacando que não é possível resolvê-lo apenas por meios militares.

“Qualquer conflito militar não é completamente resolvido por meios militares, termina com uma solução diplomática”, declarou Brown no Fórum de Defesa Nacional Reagan em Simi Valley, na Califórnia.

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Por sua vez, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, declarou no domingo (3) que acredita que a posição da Ucrânia na linha da frente poderá piorar se o Ocidente não aumentar o fornecimento de armas. 

Na sua opinião, Kiev encontra-se numa “situação crítica”, uma vez que os membros da Aliança Atlântica não conseguiram satisfazer a crescente procura de munições.

“Temos que nos preparar para as más notícias”, declarou Stoltenberg em entrevista ao canal de televisão alemão Das Erste. “Os conflitos desenvolvem-se por etapas. Mas devemos apoiar a Ucrânia tanto nos bons como nos maus momentos”, enfatizou.

Batata quente 

“Cada lado culpou o outro por erros ou erros de cálculo”, revelou o The Washington Post sobre os bastidores da contraofensiva ucraniana. Em particular, as opiniões entre ucranianos e estadunidenses divergiram sobre quando lançar a tão esperada contraofensiva. Washington insistiu que fosse lançada em abril, mas Kiev alegou que era prematuro fazê-lo na primavera, devido à falta de armas e treino.

O jornal explica, a partir de fontes ligadas ao conflito, que aproveitando este atraso, a Rússia reforçou as suas linhas e colocou inúmeras minas em diferentes áreas, o que, segundo os militares norte-americanos, dificultou significativamente o avanço das tropas ucranianas.

Outro ponto de discórdia eram as frentes onde as forças ucranianas deveriam se concentrar. O país norte-americano defendeu um ataque massivo na província de Zaporozhie, em direção a Melitopol, com o objetivo de cortar a rota terrestre da Rússia para a Crimeia, uma linha de abastecimento crítica. 

Por seu lado, Kiev insistiu em avançar em três frentes: na província de Zaporozhye, em direção a Melitopol, e também em direção a Berdyansk e na frente de Artyomovsk – cidade conhecida como Bakhmut na Ucrânia.

Durante os exercícios, criticados por militares ucranianos, salienta o jornal, os EUA alertaram Kiev sobre a sua estratégia nas três frentes da contraofensiva.

“Eu sei que eles realmente querem fazer isso, mas não vai funcionar”, disse um ex-funcionário dos EUA.

Bilhões para a contraofensiva 

No total, a Ucrânia recuperou apenas cerca de 200 quilômetros quadrados de território desde o início da contraofensiva, ao custo de milhares de mortos e feridos e de bilhões em ajuda militar.

Quando a contraofensiva começou, em 8 de junho, a 47.ª Brigada Mecanizada do exército ucraniano, conta o The Washington Post, treinada na Alemanha e equipada com armas ocidentais, esperava chegar à localidade de Rabótino nas primeiras 24 horas, para posteriormente avançar em direcção ao seu objectivo, Melitopol, controlado pelas tropas russas.

No entanto, foram necessárias 12 semanas para que as forças ucranianas chegassem a Rabótino, devido à presença de extensos campos minados e fortificações.

Além disso, de acordo com um comandante sênior da 47ª Brigada, ouvido pelo The Washington Posto, cerca de 70% dos soldados do batalhão não tinham qualquer experiência em campo de batalha. 

Alguns dos soldados salientaram que os militares americanos que os treinavam no país alemão não compreendiam a magnitude do conflito e não tinham em conta que haveria um grande número de drones, fortificações e campos minados. 

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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