O caso Sarkozy e como o MPF suiço, o americano e o brasileiro agiram contra o Brasil

Um mês depois, é preso o Almirante Othon, pai do programa nuclear brasileiro, com base em acusações frágeis, mas obtidas diretamente do Departamento de Justiça.

Em 2015, nosso colunista André Araújo denunciava a manobra da Lava Jato, atuando com o Departamento de Justiça americano contra a Petrobras e empreiteiras brasileiras

Atualização às 14h30 para correção de informação

A maneira como procuradores brasileiros, suiços e franceses atuaram contra os interesses do Brasil e da França deveria ser objeto de um estudo acadêmico. Principalmente para explicar a cegueira das Forças Armadas em relação aos interesses nacionais, a ponto de se transformarem nos maiores defensores da Lava Jato.

No seu terceiro livro de memórias, “O tempo de combates”, o ex-presidente francês Nikolas Sarkozy relata a maneira como os Estados Unidos reagiu ao acordo entre Brasil e França para desenvolvimento do submarino nuclear[1].

‘Eu transgredi as regras habituais e ignorei a oposição dos Estados Unidos, aceitando ajudar os brasileiros a adquirir submarinos com propulsão nuclear’’, conta ele,

Considerado de direita e pró-americano, em determinado trecho do livro:

‘Os americanos não aceitam bem a menor recusa de alinhamento sistemático, que é imediatamente percebida como uma traição’, escreve. Esse ex-presidente de uma potência média como a França exemplifica que ‘são os americanos’.

A prioridade de Sarkozy na relação que queria estabelecer com o Brasil na época de Lula visava a indústria de armamentos.

No artigo “Como o Departamento de Justiça dos EUA usou a Lava Jato contra a França”[2], contei parte desse caso, que teve como personagens centrais os procuradores da Lava Jato e oi procurador suíço Stefan Lenz, a contraparte da Lava Jato na Suíça. Nos diálogos da Spoofing, aparece Deltan Dallagnol comentando sobre a vinda de Lenz. Em determinado momento, Lenz decidiu prestar serviços a clientes brasileiros. O então Procurador Geral Rodrigo Janot chegou até em pensar em contratar Lenz como consultor da PGR..

Detalhei no caso no artiogo “Xadrez do submarino nuclear e do novo pré-sal brasileiro[3]

O mercado global de energia e turbinas é dominado por quatro empresas: Siemens, Mitsubishi, General Eletric e Alstom. A Alstom surgiu em 1922, com a criação da CFTH (Compagnie Française Thomson-Houston). A empresa começou fabricando locomotivas, evoluiu para metralhadoras e chegou à eletricidade.

Depois, entrou na área eletroeletrônica, desenvolvendo turbinas para geração nuclear. Em 2006,  chegou a um modelo revolucionário, o Arabelle, o que lhe deu enorme vantagem sobre os concorrentes. As turbinas Arabelle foram consideradas as mais confiáveis do mundo, garantindo um ciclo de vida de 60 anos para usinas nucleares.

Em novembro de 2007, a UniStar, americano, selecionou a Alstom para fornecer as turbinas Arabelle para novas usinas nucleares dos EUA. É a 125a da Fortune, com receita de US $19,3 bilhões em 2006, sendo a maior fornecedora competitiva de eletricidade do país para grandes clientes comerciais e industriais e a maior vendedora atacadista de energia do país. 

Em 1o de setembro de 2006, foi anunciado que a Alstom construiria  maior turbina a vapor da história, em parceria com a estatal EDF. 

A operação contra a Alstom antecedeu e foi copiada em tudo pela Lava Jato, até na parceria do DoJ com procuradores suíços. Em 24 de março de 2010, vários escritórios da empresa, no Reino Unido, foram invadidos por policiais, executando mandados de busca e apreensão a pedido da justiça federal suíça. 

Relatórios do Ministério Público suíço, de maio de 2008, mostram evidências de que a Alstom teria pago 20 milhões de euros, por meio de empresas de fachada, na Cingapura, Indonésia, Venezuela e Brasil. Os relatórios mencionam, pagamentos de 6,8 milhões de euros em contratos de 45 milhões de euros para o metrô de São Paulo e uma usina de energia brasileira.

As investigações começaram em 2008. Em novembro de 2011, o MPF Suíço encerrou as investigações, concluindo pela inocência da empresa.

Mas o assédio judicial não parou.

Em 2013, o executivo Frédéric Pierucci foi preso ao chegar no aeroporto JFK, de Nova York, por suposto caso de corrupção na Indonésia no início dos anos 2000. O promotor ofereceu um acordo a Pierucci: ele poderia ser libertado se concordasse em atuar como informante secreto do FBI dentro da Justiça. Pierucci se negou.

A segunda investida foi contra o presidente da Alstom, Patrick Kron. Pressionado, Kron anunciou planos para vender o negócio de energia – 75% da empresa – para a GE em meados de 2014. Três dias depois, o acordo no caso de suborno tirou o alto escalão da Alstom do inquérito. A decisão foi apoiada pelo então Ministro da Economia Emmanuel Macron. Segundo Pierucci, vários executivos da Alstom – incluindo o presidente – receberam bônus polpudos quando o acordo com a GE foi finalizado.

Com o apoio do então Ministro Macron, a França deixou de lado qualquer veleidade estratégica. Passou a depender da GE para atender quase metade das turbinas a vapor da sua frota e dos quatro submarinos de mísseis balísticos. A GE passou a deter o monopólio do fornecimento até para a marinha francesa. 

Em entrevista à BBC News, Pierucci dizia ter sido peão em três grandes batalhas geopolíticas.

A primeira, a briga entre a Justiça americana e a Alstom, “que resultou na rendição total da empresa francesa”.

A segunda batalha foi a compra da maior parte da Alstom pela GE.

A terceira batalha teria sido a grande guerra da geopolítica mundial. 

Pierre Laporte, um ex-advogado da GE que agora trabalha como sócio de Pierucci, observou que 70% das empresas visadas pela ação anticorrupção dos EUA eram estrangeiras – principalmente europeias. A FCPA e outras leis que se aplicam além das fronteiras dos EUA, diz Laporte, são “ferramentas de dominação econômica”. Tempos depois, Perucci lançou o livro “The American Trap”, com o jornalista Mathieu Aron, mostrando como a Justiça americana pressionou para inviabilizar o braço de energia da Alstom. No livro, Pierucci revela que quatro empresas foram adquiridas pela GE nas mesmas condições.

A venda do ramo de energia da Alstom para a GE foi quase um escândalo. Havia propostas de maior valor da Siemens e da Mitsubishi. Mas o CEO da Alstom, Patrick Kron deixou de lado o processo de oferta pública, aproveitando o temor da Alstom com as denúncias de corrupção.

Assim como na Lava Jato, gradativamente a opinião pública francesa foi acordando para o jogo de interesses geopolíticos. O apoio inicial à venda da Alstom transformou-se em críticas até cair a ficha sobre as perdas estratégicas do país. E o grande defensor da volta foi a já presidente Macron, o mesmo que, na condição de Ministro da Economia de Sarkozy, autorizara a venda da Alstom.

Em novembro de 2022, a estatal francesa EDF (Électricé de France) assinou acordo para adquirir as atividades nucleares da GE Steam Power. O acordo também incluiu tecnologia de turbinas a vapor para futuras usinas nucleares, como os reatores pressurizados europeus (EPR2) e pequenos reatores modulares (SMR).

Em fevereiro de 2015, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot encontra-se com Leslie Caldwell, procuradora-adjunta encarregada da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e, um pouco antes, advogada do maior escritório a trabalhar pela indústria nuclear norte-americana.

Um mês depois, é preso o Almirante Othon, pai do programa nuclear brasileiro, com base em acusações frágeis, mas obtidas diretamente do Departamento de Justiça.


[1] https://qrcd.org/3cyG

[2] https://qrcd.org/3cya

[3] https://qrcd.org/3cyc

Luis Nassif

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Cegueira das Forças Armadas em relação aos interesses nacionais. Hum…ou, talvez excesso de suscetibilidade a investidas pecuniárias alienígenas. Burrice ou cupidez. Vou pela segunda opção, a síndrome de Amaury Kruel.

  2. Possivelmente os dois. Mal formados, a maior parte dos milicos brasileiros não têm horizontes mais largos que os limites das rachadinhas nos quarteis.

  3. “Nikolas Sarkozy relata a maneira como a França reagiu ao acordo entre Brasil e Estados Unidos para desenvolvimento do submarino nuclear”

    Não seria a reação dos EUA ao acordo entre Brasil e França?

  4. Roma é Roma! Pouco importa se sob Júlio Cesar, Heliogábalo ou Adriano… é Roma. Mantida à agressividade permanente. No dia que parar de matar e roubar, acaba.

  5. Na verdade França e Alemanha, os dois países mais ricos da Europa, aceitaram tranquilamente o uso estratégico do Direito pelos norte-americanos como uma forma suja de ganhar vantagens econômicas injustas. Num futuro próximo o BRICS será obrigado a fazer os americanos engolirem o veneno que eles espalham. Ninguém deve ficar surpreso se franceses e alemães ficarem ao lado dos EUA quando os empresários norte-americanos começarem a ser vitimas de lawfare por causa da aplicação extraterritorial das leis dos países do BRICS.

  6. Mais uma decepção, mais uma omissão, mais uma traição, mais um atestado de incompetência, mais uma rendição sem guerra, mais uma imensa mancha que nunca sairá do brasão e dos uniformes dos limitados militares. Não dá para confiar, com toda as provas de entreguismo vergonhoso. E ainda querem se meter no governo? Sai pra lá azarão!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador