
O indiciamento de Jair projeta sua condenação pela tentativa de golpe no final de seu (trágico) mandato presidencial.
As evidências de que as tramas golpistas foram comandadas por ele e por seu círculo íntimo são abundantes e irrefutáveis.
Nem ele disfarça o cinismo quando afirma sua própria inocência. De fato, sua aposta não é em uma absolvição – que atestaria sua inocência diante da Justiça. Sua aposta é em uma anistia com motivação política.
Não custa lembrar que Lula, quando preso injustamente, recusou qualquer tratativa para conseguir uma diminuição de pena. Só aceitava a anulação dos julgamentos farsescos de Moro & acólitos.
Verifica-se aí uma, entre tantas, diferenças entre as duas personagens.
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A direita faz um esforço para comover a opinião pública com o drama de bagrinhos presos pelo 8 de janeiro. Gente teleguiada pelo discurso de ódio, inocentes úteis, em geral não tão inocentes, que receberam penas elevadas por atos aparentemente desprovidos de maior gravidade, como pichar uma estátua.
Mas é claro que para Bolsonaro e os seus, essa gente não tem importância. Querem usá-los uma vez mais, como desde sempre os usaram para ameaçar a democracia, para obter o que lhes interessa: a impunidade dos chefes.
Essa é a verdadeira batalha da anistia.
Caso o Brasil permita que gente, tanto civil quanto fardada, que tentou impedir a posse de um presidente eleito permaneça sem condenação, sem sequer reconhecerem seus crimes – daí podemos dizer adeus a qualquer esperança de democracia.
Não se trata das eleições do ano que vem. O que está em jogo é a possibilidade de reconstrução de um ambiente de disputa política minimamente são.
Por isso, cabe ao governo Lula cobrar de todos os seus aliados de ocasião uma postura cristalina em favor da punição de Bolsonaro e seus cúmplices. Não dá para ficar em cima do muro: é uma questão que não permite tergiversação.
Está em jogo um dos compromissos fundantes do governo, a restauração da ordem constitucional fraturada com o golpe de 2016 e emporcalhada ao longo dos governos de Temer e de Bolsonaro.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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No Caminho, com Maiakóvski
(Eduardo Alves da Costa
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.