Allan dos Santos e o limite objetivo do neoliberalismo jurídico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O abismo em que o blogueiro bolsonarista jogou a sociedade brasileira é grande o suficiente para conter qualquer um.

Allan dos Santos e o limite objetivo do neoliberalismo jurídico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN defendi a tese de que a popularização das Fake News levaram ao surgimento e consolidação da Fake Law e da Fake Justice [aqui] e [aqui].

Volto ao assunto por causa de um curioso episódio. Intimado pare prestar depoimento no Inquérito das Fake News, um blogueiro de extrema direita publicou o seguinte no Twitter:

Obrigado pela tag #AllanNoSTFNao! O STF terá seguir TODAS as leis vigentes, como qualquer instituição no Estado de Direito.

Esse cidadão se notabilizou espalhando Fake News para prejudicar a esquerda e para amplificar o poder da familícia Bolsonaro. Portanto, podemos dizer com alguma segurança que Allan dos Santos foi um dos responsáveis pela fragilização do Estado de Direito.

Intimado para prestar depoimento sigiloso num procedimento juridicamente discutível, o blogueiro bolsonarista parece acreditar que a difusão massiva de uma “tag” será suficiente para limitar ou conter o fenômeno da Fake Law e da Fake Justice. Não só isso, vítima de uma perseguição criminal que pode levá-lo para a prisão (inclusive e principalmente se ele ofender pessoalmente um Ministro do STF durante o depoimento), Allan dos Santos exige a aplicação das Leis vigentes.

Um dos princípios fundamentais do Direito foi enunciado pelos romanos da seguinte maneira “Nemo auditur propriam turpitudinem allegans” (Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza). Esse brocardo latino, que foi citado em inúmeras decisões do STF (vide por exemplo o Recurso Extraordinário com Agravo nº 997.064 originário do Distrito Federal relatado pelo Ministro Celso de Mello, voto proferido em 04/11/2016) ajusta-se de maneira perfeita ao caso do blogueiro apavorado.

Ao espalhar Fake News de maneira contumaz fragilizando o Estado de Direito, Allan dos Santos agiu de maneira torpe. Não pode ele agora querer deixar de ser vítima do Sistema de (in)Justiça que ele mesmo ajudou a criar. O monstro da injustiça que devora um homem injusto não deixa de ser uma espécie poética (ou mitológica) de Justiça.

Quando a Constituição Cidadã estava em vigor, todo poder emanava do povo e os juízes tinham obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir normas gerais e abstratas. O bloqueiro bolsonarista se insurgiu contra essa realidade. Agora que todo poder emana dos juízes ele ficou apavorado e inseguro.

Ninguém deveria ficar à mercê da discricionariedade de uma autoridade com poder absoluto para inventar o crime ao julgar o acusado ou de ignorar a Lei que o absolveria. O que ocorreu com Lula certamente pode ocorrer com qualquer inimigo do STF. O abismo em que o blogueiro bolsonarista jogou a sociedade brasileira é grande o suficiente para conter qualquer um.

Todos podem mentir e espalhar mentiras na internet, mas ninguém deveria ignorar uma verdade factual: Allan dos Santos é qualquer um. O abismo em que ele se jogou para ser julgado é profundo, escuro e ameaçador. Além disso, esse curioso episódio de justiça poética evidencia a fragilidade de uma “tag” reproduzida à exaustão no Twitter.

Assim como o ativismo em favor da legalidade não foi capaz de salvar Lula das garras imundas de um juiz parcial que conspirava para prejudicá-lo junto com o procurador do MPF, o blogueiro preferido de Eduardo Bolsonaro não será salvo em virtude da massificação da mensagem #AllanNoSTFNao. Os maiores juristas brasileiros e internacionais não foram capazes de convencer o Judiciário a tratar Lula de maneira honesta, imparcial e decente. Ao que tudo indica, centenas de militantes grosseiros secundados por milhares de robôs e perfis falsos no Twitter são impotentes diante da Fake Justice que ameaça destroçar Allan dos Santos.

De tudo o que foi dito podemos inferir com segurança um limite objetivo do neoliberalismo jurídico. Uma “tag” no Twitter pode até destruir a reputação eleitoral de alguém durante as eleições. Mas nem mesmo um tsunami de Twitters será suficiente para garantir a absolvição de uma pessoa. Allan dos Santos ajudou a destruir o Estado de Direito. Ele merece ser julgado por juízes com poderes ilimitados para tratar qualquer cidadão como um ninguém. Se fosse mais do que “um ninguém”, esse blogueiro teria se comportado de maneira diferente antes e depois de ajudar a popularizar a Fake Justice?

Não existe Lei brasileira que permita ao STF censurar quem quer que seja. Mas já que a existência ou não de Lei se tornou irrelevante, o caso de Allan dos Santos poderá ser resolvido de outra maneira. É inegável que ele conspirou contra o Estado de Direito, revoltou-se contra a democracia e instigou a dissenção e a divisão na sociedade brasileira. Portanto, no caso dele os Ministros do STF podem perfeitamente aplicar uma Lei aprovada em 450 a.C. pelos cidadãos de Téos (Jônia, Ásia Menor):

“Não vou conspirar ou revoltar-me ou instigar a dissensão e a divisão. Não vou perseguir ninguém ou confiscar o bem ou prender ou matar, a menos que a pessoa seja condenada por pelo menos duzentos cidadãos de Téos, de acordo com as leis…” (Leis da Grécia Antiga, Ilias Arnaoutoglou, Odysseus, São Paulo, 2003, p. 98)

Fábio de Oliveira Ribeiro

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