Bolsonaro é fascista?
por José Manoel Ferreira Gonçalves
Não, não é meramente fascista, é muito pior, Bolsonaro é perenialista! Em 2018 o bolsonarismo explodiu como uma barragem de rejeitos da Samarco, cuja lama, além da presidência da república, ocupou inúmeros governos estaduais, inclusive dos estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro e uma verdadeira horda de deputados estaduais e federais. Foi um fenômeno, sem dúvidas, mas na política não há fenômenos fortuitos.
Uma das razões que ajudaram a que esse fenômeno se tornasse incontrolável reside no fato de termos compreendido mal a base ideológica que o sustentou e, apressadamente termos carimbado de fascismo.
De fato, há muito do fascismo em Bolsonaro, notadamente na forma, mais exatamente na iconografia, centrada nas imitações diretas e farsescas do que criou Mussolini, como as motociatas e cenas nas praias, com barcos e jet-skis.
A ideologia que criou o mito e o sustenta, no entanto, é outra e tem nome, chama-se Perenialismo. Por alguma razão esse termo não tem circulado na imprensa nem tem sido abordado pelos analistas, mas é incontornável para que compreendamos o fenômeno bolsonarista, sob pena de termos de conviver com ele por muito mais tempo.
Para bem compreender são necessárias algumas rápidas pinceladas na história moderna, que começa exatamente na Revolução Francesa do final do século dezoito, alinhada, entre outras coisas, ao Iluminismo.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
Como qualquer outra ação, essa Revolução trouxe uma reação, no caso, o Conservadorismo, que no campo das ideias foi de algum modo capitaneado pelo filósofo, teórico político e orador irlandês Edmund Burke (1729–1797) que foi membro do parlamento londrino.
O Integralismo como base do fascismo e do perenialismo
Como um desdobramento do Conservadorismo de Burke, surge o Nacionalismo Integral, ou Integralismo, pelas mãos do poeta e jornalista monarquista francês Charles Maurras (1868–1952), que foi dirigente e principal fundador do jornal nacionalista e germanófobo Action Française.
O nacionalismo integral é um conjunto de conceitos teóricos e práticas políticas que visam uma ordem social e política absolutamente integrada, baseando-se na convergência de tradições políticas, culturais, religiosas e nacionais de um determinado Estado. Importa destacar que se propunha um movimento cívico-político-cultural de renovação moral e social.
Foi influenciado por Maurras que o teórico francês do sindicalismo revolucionário, Georges Eugène Sorel (1847–1922), que era um marxista, porém heterodoxo, fortemente influenciado pela ética de Proudhon, e ligado ao sindicalismo revolucionário, de extrema-esquerda, flertou por algum tempo com a extrema-direita, ao mesmo tempo que flertou com o pensamento revolucionário de Lênin (1918-1922).
Em seu livro Reflexões Sobre a Violência, destaca a importância e o caráter de força motriz do mito político. São três os conceitos que o livro traz. O primeiro, que pertence à psicologia coletiva e é tido frequentemente como a contribuição intelectual mais original de Sorel, é o do mito, entendido como uma representação coletiva mobilizadora. O segundo é a violência, mais precisamente o papel da violência nas relações entre classes e no desenvolvimento histórico. O terceiro é tomado das circunstâncias de seu tempo: a ideia de greve geral, como forma enfim descoberta de revolução popular e antiautoritária.
Foi influenciado por Maurras e por Sorel, que o jornalista, dramaturgo, escritor e teórico político nacionalista italiano Enrico Corradini (1865-1931) fundou, em 1910, a Associação Nacionalista Italiana, ainda que não tenha tardado em perder o controle político desta.
Foi pela ligação estreita com Corradini que Mussolini, após ter sido um comunista inflexível e, por vários anos, editor do jornal do Partido Socialista, o Avanti! (Que sob seu comando quintuplicou a tiragem e aumentou o número de adeptos no Partido Socialista Italiano) fundou e comandou o Partido Nacional fascista.
Até aqui vimos várias influências que têm ligação direta com o fenômeno bolsonarista, mas a influência mais direta, via Steve Bannon, Alexándr Dugin e Olavo de Carvalho, veio de Guénon.
De fato, foi sob a influência de todos os teóricos e líderes citados anteriormente que o intelectual esotérico francês René-Jean-Marie-Joseph Guénon (1886–1951) mais tarde autorrenomeado Abd al-Wāḥid Yaḥyá, escreveu sobre temas como crítica social, religiões comparadas, simbolismo e iniciação, pelo que ele é considerado o fundador do Perenialismo.
Guénon lidera a escola perenialista, que foi composta por um grupo de pensadores dos séculos XX e XXI que tentam expor ou reformular o que eles julgam ser uma filosofia perene, que remonta a ideias da Grécia antiga e do Antigo Egito.
Esta corrente também é caracterizada por uma rejeição fundamental de algumas das teses do Iluminismo, e do materialismo-dialético de Marx. Além de René Guénon, são fundadores desta corrente o cingalês Ananda Coomaraswamy e o suíço Frithjof Schuon.
O artista sueco convertido ao islamismo Ivan Aguéli foi uma figura chave no desenvolvimento do perenialismo, ao fundar o Al Akbariyya, uma sociedade secreta Sufi em Paris em 1911. Dentre os membros desta sociedade, estava René Guénon.
A Tariqa, à qual pertencia Olavo de Carvalho, era da ordem Sufi. Convertido ao islã, Olavo de Carvalho era chamado de Sidi Muhammad.
Esse voo sobre a história visa mostrar a gênese do fenômeno bolsonarista. Pelo que vimos até aqui, podemos dizer que o Conservadorismo de Burke substanciou o Integralismo de Maurras que, via Corradini deu no fascismo de Mussolini (que sob vertentes tomou conta de boa parte da Europa no na primeira metade do século XX) mas também foi base de Guenón para o Perenialismo, verdadeira corrente ideológica de sustentação do bolsonarismo, influenciando diretamente em a eleição de Bolsonaro, via Steve Bannon, e em seu governo, via Olavo de Carvalho, inclusive com indicação de ministros.
Ainda que o fascismo tenha mais tarde se juntado à Igreja Católica que antes negava, o fascismo jamais foi fundamentalista, ao contrário, era camaleônico. Tampouco o fascismo era baseado em valores de ordem moral. O que comungavam é o nacionalismo.
Como disse acima, Bolsonaro imita Mussolini em algumas ações e iconografia, mas a única semelhança ideológica repousa no nacionalismo, ainda assim, apenas na forma, na exaltação dos símbolos nacionais, já que na economia pratica um entreguismo desbragado.
Mesmo que Lula vença as eleições e governe, o bolsonarismo vai resistir e teremos de lutar contra ele e, nada mais perigoso numa luta que desconhecer o adversário. Ou, ainda pior, crer que o conhecemos, quando temos apenas uma pálida imagem do realmente ele é. No limite, corremos o risco de fortalecê-lo, enquanto atiramos para onde ele não está.
Para ficar em um exemplo, o perenialismo é profundamente fundamentalista, pode ser que o Bolsonaro não seja, não importa, mas acendeu o fundamentalismo em grande parte da população.
O invencível Aquiles foi facilmente derrotado quando se descobriu qual era seu ponto fraco. O calcanhar do bolsonarismo, entendo, só será identificado estudando essa base teórico-ideológica que o criou e sustenta. E, acredite, ele não resistirá a um ataque certeiro.
José Manoel Ferreira Gonçalves é Cientista político, Jornalista, Advogado, Engenheiro Civil e doutor em Engenharia da Produção.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].
Leia também:
A engenharia em transe, por José Manoel Ferreira Gonçalves
Senhor Engenheiro, por José Manoel Ferreira Gonçalves
O Desenvolvimento anda de trem, por José Manoel Ferreira Gonçalves
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.