Eu estou pagando, tá okay?!
por Magali Romboli
Os brasileiros e brasileiras inventaram um novo fenômeno social a partir de uma distopia da ideologia neoliberal cuja locução virou o slogan: “eu estou pagando”. Esta continuidade de pagamento, abre espaço para um outro estudo no campo linguístico.
Nas escolas particulares de Educação Básica, estudantes pronunciam com eloquência que estão pagando os salários dos professores, quando contrariados por péssimos hábitos e por não respeitarem limites saudáveis da relação ensino-aprendizagem. Advertências brandas para os pagantes e expulsão dos mestres, de boa educação.
No ambiente familiar, têm pais que pagam reclamando por celulares, jogos, internet, escola, pagam até uma grana – a tal mesada – sem que o menino faça nada. Dizem que vivem o stylelife dos estadunidenses, mas lá, até filho de rico trabalha e também frequenta – em grande parte – a escola pública, por valorizarem seus impostos.
Nos shoppings, homens e mulheres desfilam cachorros que evacuam no piso de mármore, sem nenhum constrangimento. Nas praças de alimentação, teatro e cinemas é notório o rastro de deglutição. Os gerenciadores destes centros comerciais fazem vista grossa, afinal, são os clientes que pagam pelo estacionamento e ainda fazem o favor de gastar em suas lojas.
Nos botecos nota-se que este é um fenômeno intergeracional – jovens e idosos – estão pagando para beber e se fartar, mas se o serviço for de uma garçonete, o “estou pagando” pode embutir nos 10% uma conversinha fiada, com assédio moral e sexual.
Este fenômeno social atingiu todas as classes sociais, no ônibus e no metrô, mesmo que o aviso de proibição do uso de aparelhos sonoros, é usual escutar sermão sem ser crente, piada de baixo calão e áudios intermináveis de conversa no whatsapp. Há ainda quem diga que “tá pagando” até para encostar onde não deve.
“Eu estou pagando”, não funciona para os serviços privatizados: telefonia, energia elétrica, água e esgoto, TV a cabo e internet. A privatização apagou a memória de quem pagou por toda esta infraestrutura e as cidades de todo país ficaram perigosas e a feiúra da profusão de fios revela que o “gato” oficial paga o imposto sobre serviço, logo, a gestão pública faz vista grossa.
Diferentemente da aristocracia da Grécia Antiga, onde nobres e fidalgos eram aqueles que se destacavam por ter Educação, Cultura, Ética, Virtudes e valores atemporais, cujas palavras não eram ocas e as ações não eram privilégios, mas passíveis de serem admiradas.
O cidadão da pólis (cidade ou Estado) não era quem nela morava, mas sim quem dela era parte integrante, por ela agia em direitos e deveres, como se este seu lugar fosse uma extensão de sua própria vida, tal qual uma célula, em um corpo. O ideal era o da sabedoria, só um viver sábio era um viver pleno.
Viver sob a imposição da ideologia neoliberal não quer dizer que seja permitido a deseducação de berço, por mérito ou classe social, em nossa Constituição (1988), educação é tarefa da família, sociedade e do Estado.
Então, se quiserem me mandar ou mandar alguém para outro lugar e sem pagar nada, por favor nos mandem de volta para a Grécia Antiga, lá desde IV a.C. já existia a Paideia. Será perfeito se formos todos juntos – e isto não é uma provocação, é um ato de amor – para que juntos possamos desenvolver o domínio popular de uma democracia plena, espelho de quem se vê e age como cidadã e cidadão de boa educação, que não nos envergonha em casa, na rua ou em um aeroporto de Roma.
Magali Romboli, jornalista, especialista em controle social de políticas públicas e pesquisadora em Educação Básica, pela Universidade Nove de Julho.
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