Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
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Múcio é um representante do governo junto às três armas ou é um representante delas junto ao governo?, por Francisco Celso Calmon

A linha de raciocínio e argumentação do ministro é análoga aos que defenderam a interpretação capiciosa da lei da anistia

Marcelo Camargo – Agência Brasil

Múcio é um representante do governo junto às três armas ou é um representante delas junto ao governo?

por Francisco Celso Calmon

O ministro da Defesa,afirmou à CNN Brasil:

“É que a gente não vai conseguir esquecer o dia 8 tão cedo, e tomara que a gente demore muito, para que não se repita. Mas as relações estão absolutamente pacificadas. Hoje temos agendas proativas, tratando de outros assuntos. Nem tratamos mais do que passou”.

 “O que eu mais desejo é que esse país se pacifique. Às vezes a gente tem a impressão de que a gente está no terceiro turno das eleições.

 Não sei se é hora de se discutir isso. O [artigo] 142 dá margem a algumas interpretações, você pode interpretar. Mas você repara quando isso foi feito, quando foi escrito e agora nós estamos discutindo.

 Significa que durante esses anos todos esse 142 não atropelou. Evidentemente que o Legislativo tem toda a força para modificar, para mexer, para discutir.

 O que eu torço muito é que a gente deixe a poeira abaixar. A gente precisa pacificar esse país. O Brasil não dar certo, não vai servir nem aos vitoriosos e nem aos que não foram vitoriosos. A gente pode discutir o 142 e todos os outros temas, mas precisa deixar primeiro que as coisas aconteçam, pacifiquem, que o 8 de janeiro fique mais distante, para que a gente possa discutir sem emoção todos esses temas”.

A linha de raciocínio e argumentação do ministro é análoga aos que defenderam a interpretação capiciosa da lei da anistia e aos que defendem ainda hoje esquecer o passado, não mexer nisso, com intuito de ir protelando para que quando a dor, a emoção e a indignação diminuírem, continuarem a protelar.

No fundo é passar pano na intentona bolsonarista de 8 de janeiro, na qual os militares estão envolvidos do coturno ao quepe. E os militares de pijama do clube militar, agitadores da intentona, são cidadãos comuns, sujeitos aos mesmos processos e as mesmas penas dos civis bolsonaristas.

Múcio, vem sendo um mau conselheiro.

Não sendo ingênuo, é macaco velho na política, quer tratar as instituições políticas como ingênuas?

Os militares Braga Neto e Augusto Heleno, comandaram o comitê golpista em Brasília no fomento e articulação do 8 de janeiro. O ex-comandante do Exército, gal. Arruda, obstruiu a justiça e ainda peitou um ministro de Estado, propiciando naquele momento que os bolsonaristas golpistas se sentissem estimulados. 

E não esqueçamos do que afirmou Lula, de que a inteligência falhou, por ele não ter sido alertado. Ou deixou no ar: estava em conluio?

A denominada pacificação do ministro Múcio, pode ser um estratagema para a impunidade.

Primeiro, sugeriu ao presidente acionar a GLO, exatamente o planejado pelo esquemático do golpe, como a peça final para consolidá-lo. Segundo, vem afirmando uma inverdade: que as FFAA estão pacificadas. Provavelmente para atenuar a criminalização de todos os militares envolvidos com a intentona do dia da desonra.

Os militares são especialistas em camuflagens e ataques à democracia.

Enquanto não forem processados por atentado ao Estado democrático de direito e por omissão ao vandalismo predatório ao patrimônio público, não saberemos se estão obedientes à Carta Magna e às leis.

A quem interessa adiar a discussão do artigo 142 da CF?

Artigo mal redigido e incongruente. Como disse no meu texto anterior, afinal, como os outros poderes podem acionar a GLO se o presidente é o comandante supremo das Forças Armadas? 

Art. 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais” (retira o desnecessário e contraditórios final “e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”). 

A título de argumentação: se o Judiciário ou o Legislativo acionar a GLO, e o comandante em chefe der uma contra ordem, a quem o Exército, por exemplo, vai obedecer?

O país não está pacificado e nem as forças armadas estão. Os opostos estão vivos, e continuará ainda por muito tempo, desejemos ou não, a polarização entre a democracia e o golpismo. Esta afirmação não é um achismo, é a história.

A postura do avestruz não condiz com um governo democrático, empoderado pela soberania popular.

Lembremos a história recente do STF: foi atacado fisicamente e no verbo, subjugado pela lava jato e monitorado pelo PIG, ameaçado, xingado, ministros ofendidos, até que resolveram enfrentar, premidos pelo risco maior de uma autocracia bolsonarista e pela desonra histórica, anularam os processos contra o Lula e o redimiram; e surgiu a figura do xerife Xandão, enfrentado incontinenti os malfeitores bolsonaristas.

Diante da postura firme, assertiva e corajosa do Ministro Alexandre de Moraes, a horda foi sendo acuada pela justiça. Diga-se que algumas dessas atitudes se justificaram ante uma conjuntura excepcional; nesta retomada da construção do Estado de direito, o STF deve acautelar-se para não invadir terreno de outros poderes, sobretudo em decisões monocráticas.

Foram duas posturas nesses poucos anos: uma de recato e covardia, outra a de enfrentamento legal, corajoso e às vezes até extrapolativo. Qual a que deu resultados?

O ministro da defesa está desejando que tudo continue com dantes nos quarteis de Abrantes?

A mesma lógica foi usada quando do “pacto da lei da anistia”, pelos que foram e são contrários à justiça de transição, notadamente contra a Comissão Nacional da Verdade, corajosamente criada por Dilma Rousseff.  

O ministro Múcio precisa ler com urgência os relatórios da Comissao Nacional da Verdade, e se não tiver tempo de ler tudo, que leia as 29 recomendações da CNV.

“Se a justiça de transição não tivesse malogrado no Brasil, provavelmente não teríamos tido 2013, 2016 e 2018, [e o recente 8 de janeiro de 2023], não teríamos ainda hoje os que desconhecem o que foi a ditadura militar e pugnam por sua volta.  

Bolsonaro e o Estado policial não são consequências da Comissão Nacional da Verdade, mas, exatamente do contrário, por não ter havido a criminalização dos agentes da ditadura que cometeram as graves violações dos direitos humanos.” (Manifesto Pela Justiça de Transição da Rede Brasil – Memória, Verdade, Justiça e mais 22 entidades signatárias, em 7 de dezembro de 2022).

Vamos manter a bola no ataque e acuar os golpistas na defesa neste primeiro tempo do governo democrático.

A declaração do senador Marcos do Val compromete visceralmente o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, no atentado ao Estado democrático de direito, é a pá de cal para torná-lo indiciado.

O golpe do dia 8 foi debelado, mas não as causas. Onde houver responsáveis pela intentona bolsonarista deve haver uma varredura, para o Brasil se livrar de novas atentados à democracia.

Francisco Celso Calmon, coordenador do canal pororoca e ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça

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