Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O golpismo e o limite da tolerância, por Aldo Fornazieri

Os democratas e as esquerdas perderam várias oportunidades de derrotar politicamente o bolsonarismo e o golpismo desde a posse de Lula.

Valter Campanato – Agência Brasil

O golpismo e o limite da tolerância, por Aldo Fornazieri

Todo o Brasil já sabia que Bolsonaro e a cúpula bolsonarista haviam conspirado para dar um golpe para permanecer no poder e evitar a posse de Lula. A preparação desse caminho foi longa: começou com discursos e atos golpistas desde o início do governo Bolsonaro e culminou com o 8 de janeiro, quando as sedes dos três poderes foram invadidas e depredadas. Ataque às eleições, motociatas, manifestações, reuniões, convocação de embaixadores, bloqueios de estradas e ruas, acampamentos em frente a quarteis do exército foram momentos articulados de incitação permanente ao golpe. Dois dias se destacam nesse processo: o dia 12 de dezembro de 2022, com a diplomação de Lula, quando distúrbios e tentativas de atentados sacudiram Brasília, e o dia 15 de dezembro, quando os golpistas planejaram desfechar atos violentos contra Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, com a subsequente instalação de um gabinete de gestão de crise golpista.

Esse último episódio, no qual se revelou o planejamento do assassinato do presidente, do vice e do ministro do STF, só veio à tona na última semana, alguns dias após o atentado contra o STF perpetrado por Francisco Wanderlei Luiz. Pelo que foi divulgado até agora, a Polícia Federal fez um trabalho de investigação muito consistente, com fartas provas materiais, para denunciar Bolsonaro e mais 36 integrantes da cúpula golpista, incluindo os generais Braga Neto e Augusto Heleno.

A cúpula golpista foi denunciada por três crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e participação em organização criminosa. A soma total das penas pode chegar a 28 anos de prisão. Passado o espanto inicial das revelações sobre o plano golpista, o assunto caiu numa certa normalidade. Nenhuma grande mobilização ocorreu. As manifestações de repúdio também não fugiram muito à normalidade.

Os democratas e as esquerdas perderam várias oportunidades de derrotar politicamente o bolsonarismo e o golpismo desde a posse de Lula. O 8 de janeiro foi a mais efusiva e evidente. Por incrível que pareça, os progressistas e as esquerdas escolheram permanecer numa pacata posição de defensiva, assumindo a retórica da normalidade democrática, quando não da necessidade de pacificação, numa circunstância histórica em que a extrema-direita move uma guerra permanente contra o governo e contra tudo o que é progressista.

O defensivismo resultou numa estrondosa derrota nas eleições municipais. Que Lula, como presidente e como chefe de Estado, promova o discurso da paz, da concórdia, da civilidade democrática e da união, tudo certo. Mas ele não pode se esquecer nunca do paradoxo de Maquiavel: “o príncipe guerreiro em incrédulo deve proclamar a paz e a fé”. Proclamar a paz e a fé não significa deixar de fazer a guerra. E Lula deveria instruir o seu estado-maior, os seus “exércitos”, a promoverem a guerra política contra o bolsonarismo, contra o golpismo e contra o extremismo de direita.

Ocorre que estado-maior (o comando das esquerdas) não é constituído por “generais” de campo, mas por “generais” de gabinete. Parafraseando Júlio César: são generais sem exércitos e os grupos militantes e ativistas são exércitos sem generais.

O fato é que há bastante tempo, as esquerdas e os progressistas delegaram a tarefa de combater o golpismo ao STF, ao TSE e, agora, à Polícia Federal. Que as instituições do Estado Democrático façam sua parte e cumpram a Constituição, é louvável. Que as esquerdas e os progressistas se furtem de impor uma derrota política ao bolsonarismo e ao golpismo, é criticável.

Este é o momento de derrotar o golpismo. A derrota precisa abranger três aspectos: o jurídico, o político e o moral. O jurídico implica no julgamento e na condenação dos golpistas. O político significa numa forte ofensiva política para desnaturalizar o discurso golpista, que se manifesta em várias narrativas e expressões retóricas. O moral implica na denúncia permanente do caráter criminoso do golpismo e em ações e manifestações que visem deslegitimar não só o golpismo, mas a natureza fascista, antipopular e anti-direitos do bolsonarismo golpista.

Em que pese a perspectiva da cúpula golpista ser presa, há, contudo, um grande risco. Se os democratas e as esquerdas não fizerem sua parte, a extrema-direita pode assumir uma nova ofensiva pela anistia e pela libertação dos presos, com todo tipo de argumento mentiroso

Impor uma derrota política e moral ao golpismo significa deslegitimar o discurso de que o 8 de janeiro não passou de uma depredação de prédios públicos. Significa denunciar a bandeira da anistia como uma bandeira de estímulo ao golpe, à violência e à impunidade. Significa não aceitar a minimização dos atos de 12 de dezembro de 2022 e o recente atentado contra o STF. Significa denunciar os acampamentos diante dos quartéis como apelo e incitação golpista aos militares. Significa desmascarar os bloqueios das estradas e de ruas como atos atentatórios ao Estado de Direito. Significa imputar os golpistas a qualificação de terroristas por terem cometido atos violentos e por planejarem o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. As narrativas golpistas precisam ser deslegitimadas no Congresso, nas redes e nas ruas.

Os progressistas e as esquerdas precisam ser tolerantes apenas com aqueles que são tolerantes, que querem dialogar, buscar consensos a partir do reconhecimento das diferenças. Com os intolerantes não se pode ser tolerante. Convém lembrar o paradoxo da tolerância de Carl Popper: “tolerância ilimitada levará ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância até àqueles que são intolerantes, se não estamos prontos para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância”.

Popper não está dizendo que se saia por aí a brandir ideias intolerantes. Mas cobra uma ação combativa quando os intolerantes agem para destruir a tolerância, a democracia, a liberdade, os direitos e o Estado de Direito. Se for necessário é preciso usar a força do Estado de Direito para coibir a intolerância. Não há meio termo nisso: ou a intolerância é combatida ou ela destruirá a tolerância.

Ele acrescenta: “Devemos afirmar que qualquer movimento que prega a intolerância está fora da lei, e considerar criminoso o incitamento à intolerância e perseguição, da mesma forma que é criminoso o incitamento ao homicídio, ao rapto e ao reavivar da escravatura”. Falta essa clareza e essa firmeza aos progressistas e às esquerdas.

Bolsonaro e os bolsonatistas, Nicolas Ferreira, Pablo Marçal, Bruno Engler e tantos ouros precisam ser combatidos como intolerantes. Não se pode aceitar as teses, discursos e práticas fascistas e golpistas desses segmentos como algo legítimo e normal na democracia.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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4 Comentários

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  1. A Rataria tentou dar um golpe e não obteve êxito por circunstâncias alheias à sua vontade. Confira-se:

    “O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comité. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a RATARIA. Tem que debater o que vai ser feito”.

    As Ratazanas não queriam largar o osso, não. Esses Ratos já devem ter abandonado o navio golpista

  2. Perfeita análise do professor Aldo.
    As chamadas forças progressistas estão paralisadas há anos.Um estado catatônico, misto de comodismo, preguiça, falta de energia, passividade. Até quando?

  3. Impor limites é prerrogativa de quem detém o poder; e quando esse limite é para a tolerância, isso é ainda mais verdadeiro. Há muito tempo digo que Lula governa entre os estreitos limites em que lhe é permitido mover-se. Não há limites a impor quando o próprio governo é, apenas e tão somente, tolerado. Lula nunca impôs nada a ninguém; sua recompensa foram 580 dias na masmorra. Dilma tentou tocar em tabus como a Petrobrás, e os juros; impeachment nela. Quem tem limites é a intolerância, e isso é apanágio deles. E eu ainda desconfio que Lula não descartará a possibilidade de anistiar esses golpistas.

  4. Esses análistas se chafurdão tanto no lamaçal de notícias e idéias que perdem-se no emaranhado de acontecimentos e noticiosos, “os democratas”, “a esquerda ” !!??
    Bolsonaro apoia Israel, a esquerda também, Zoonaro apoia e processa chargistas e produtores de festival de música, a esquerda também e processa opiniões nos meios de comunicação, ZoOnaro tem diz que a história é mentirosa e que não houve ditadura militar, a esquerda diz que D. Pedro 1 não existiu, Zoonaro bate continência para a bandeira de outro país, a esquerda recebe dinheiro de ongs de outro país para aplicar “políticas”, a esquerda está tentando dizer que o nosso idioma não é o português, Zoonaro diz que judaísmo é superior moralmente, a esquerda diz que os mulçumanos são reacionários e por isso não apoiam a Palestina…

    Não sei quem consegue ver alguma esquerda e algum democrata nessa porcaria toda, e esses analistas estão mais perdidos que cego em uma guerra genocida, similar atual guerra na Palestina …

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