O Homem das Cavernas no Mundo Digital, por Jorge Alberto Benitz

Os conceitos de Contrato Social e Estado de Natureza, que Hobbes e Rousseau trataram, podem ser a chave para entendermos o presente.

O Homem das Cavernas no Mundo Digital

por Jorge Alberto Benitz

Mesmo que digam que o único ensinamento da história é que não se aprende com os ensinamentos da história, acredito que, como todas as frases de efeito, esta pode ser questionada. O filósofo Peter Adamson, em resposta à pergunta sobre o fato de existirem escolas filosóficas contemporâneas que se arrogam a defender a tese de que livros velhos e filósofos mortos não importam, diz, “Entretanto, eu não consigo mesmo levar a sério quando as pessoas dispensam a história da filosofia como se ela fosse desinteressante. Tipo, como é sequer possível que você possa avaliar? Você já deu uma olhada, digamos, na epistemologia [da escola indiana] Nyaya ou na teoria da gradação da existência [do filósofo iraniano do século XVII] Mulla Sadra? Você sequer sabe do que eu estou falando? Se não, então como você sabe que não tem valor? Isso simplesmente soa como fanfarronice maquiando ignorância deliberada”. Parafraseando- o, penso que é lendo e aprendendo com livros velhos e escritores, filósofos, poetas, políticos do passado que podemos iluminar e entender o presente.

Por exemplo, os conceitos de Contrato Social e Estado de Natureza, que Hobbes e Rousseau trataram com profundidade, podem ser a chave para entendermos o presente. O sociólogo Marcos Nobre escrevendo sobre a política brasileira, em trecho, publicado na Revista Piauí, de seu livro “Limites da Democracia: De Junho de 2013 ao Governo Bolsonaro”, a ser lançado pela Editora Todavia, comenta in passant que “continuamos à espera do “contrato social” que irá nos retirar do “estado de natureza” digital”. Na sequência, ele complementa dizendo que “No mundo todo, a sociabilidade digital nasceu junto a fenômenos de enorme amplitude: a crise de 2008 e que até agora não encontrou solução ou perspectiva; a rápida expansão das grandes plataformas digitais; e as crises de representação dos sistemas democráticos, identificados como uma crise do conjunto das instituições políticas. ”

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Meu interesse principal está focado nos conceitos de contrato social e estado de natureza para leva-los além do uso que o sociólogo fez no referido texto. Penso que a aplicação deles pode funcionar como mais uma das senhas existentes para o entendimento do mundo digital. Por exemplo, se se entender que a selva da internet, o “estado de natureza” ali instaurado, é o habitat perfeito para a aplicação de uma pratica anterior ao contrato social. Por consequência, tem-se que os bárbaros de extrema direita e demais portadores de déficit civilizatório se sentem nela como “pinto no lixo”. Não por ac aso, cresceram e se fortaleceram se alimentando do lixo existente nas redes. Nunca estiveram tão gordos e tão faceiros como agora.

São seres que viviam desconfortáveis, ressentidos e constrangidos no mundo antes do advento da internet que, a despeito de todas as contradições e defeitos, exigia um mínimo de respeito e decoro ao contrato social e ao espírito republicano para quem se manifestava publicamente. Daí que este novo mundo que os permitiu se manifestarem de um jeito tosco, grosseiro e agressivo como nunca antes, foi a concretização de um sonho de vida destas hordas barbaras que até então viviam como maioria silenciosa nas cavernas. E um pesadelo para a civilização e para a democracia. 

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

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Redação

2 Comentários

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  1. Marcos Nobre é filósofo, não sociólogo. Quanto ao argumento, de acordo. O também filósofo (e poeta) alemão Hans-Magnus Enzensberger disse algo semelhante sobre o conceito de Zeitgeist: “Não há nada mais tacanho do que o Zeitgeist. Quem só conhece apenas fica estúpido/a”.

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