
O papel do Estado no Brasil do Século XXI
por Adalmir Marqueti, Henrique Morrone e Alessandro Miebach
O crescimento da economia brasileira é reduzido desde 1980, a expansão média do PIB foi de 2,17% ao ano entre 1980 e 2024. Vivemos uma quase estagnação com desindustrialização, em contraste com o período 1930-1980, quando o País cresceu 6,47% ao ano e se industrializou.
O desempenho brasileiro é um enigma para as visões ortodoxas, que costumam enfatizar o papel das reformas liberais e da capacidade do livre mercado em promover o crescimento. Ao longo da história, o capitalismo tomou diferentes formatos institucionais, alguns capazes de gerar rápido crescimento, enquanto outros não.
Na visão ortodoxa, o investimento produtivo é atribuição do setor privado que acumula capital via os sinais oriundos do sistema de preços. A atuação do estado, ao interferir nesse mecanismo, é vista como contraproducente, gerando má alocação do investimento. Assim, as prescrições da ortodoxia consistem em dobrar as apostas nas reformas neoliberais. Elas rejeitam o papel do planejamento e da atuação estatal para induzir e realizar investimentos através das empresas públicas.
O capitalismo apresentou taxas maiores de crescimento quando o estado desempenhou papel ativo na acumulação de capital. A consolidação do capitalismo na Europa Ocidental, o desenvolvimento dos Estados Unidos, a recuperação do pós-Guerra, a industrialização latino-americana, os milagres do Leste Asiático e a grande expansão chinesas, são tributários do papel fundamental do Estado ao induzir investimentos produtivos, apoiar empresas estatais e promover inovações tecnológicas.
Após o agravamento da desigualdade nas últimas décadas, muitos economistas ortodoxos passaram a reconhecer o papel do Estado nas áreas sociais. Essa abordagem, enquanto necessária, é insuficiente para combinar maior crescimento econômico com distribuição de renda.
Em um livro recente, analisamos o desenvolvimento dos países do Sul Global em relação aos Estados Unidos. O Estado e as empresas públicas tiveram papel fundamental na acumulação de capital nos países capazes de se aproximar da produtividade do trabalho vigente nas nações desenvolvidas.
O debate sobre as estatais no Brasil é geralmente mal colocado. As empresas estatais existem para prover bens e serviços que o mercado não consegue oferecer a preços competitivos de modo rentável. Estatais criam externalidades positivas, associadas à provisão de infraestrutura e ao investimento em desenvolvimento tecnológico, assumindo riscos que o setor privado não tem condições de arcar. Por exemplo, o papel da Embrapa no desenvolvimento tecnológico do País.
De modo geral, são investimentos que exigem grandes mobilizações de capital e longo prazo para a geração de retorno. A conversão da economia brasileira para padrões ambientalmente sustentáveis se encaixa nesse cenário. Dada a magnitude e a complexidade dos investimentos necessários, a participação das estatais torna-se inevitável, seja ao realizar diretamente esses investimentos, seja ao induzir a ação da iniciativa privada.
O atual cenário de acirramento da competição internacional reforça a importância da ação do estado e de sua capacidade de mobilização de investimentos e recursos. Esse protagonismo é crucial para posicionar a economia nacional diante de um ambiente de maiores restrições, tanto nas atividades comerciais quanto no acesso a novas tecnologias.
É fundamental contestar a percepção, amplamente difundida na sociedade brasileira, de que a eliminação das estatais seria a solução para problemas como corrupção e ineficiência. Essa visão é equivocada. A simples ausência de estatais não erradica esses problemas, que, na verdade, só podem ser efetivamente enfrentados por meio da construção de instituições sólidas e de mecanismos de governança eficientes.
O exemplo histórico disso foi a capacidade demonstrada pelo país, na década de 1930, de fortalecer e modernizar seu setor público, criando as bases necessárias para impulsionar a industrialização e inserir a economia brasileira no ciclo tecnológico do século XX. Esse processo mostrou como a construção de instituições bem estruturadas pode transformar as estatais em ferramentas estratégicas de desenvolvimento.
A busca por desenvolvimento social e econômico na nova realidade do século XXI, em que o nacionalismo volta a ocupar um papel-chave nas políticas públicas, exige que a sociedade brasileira supere a velha dicotomia entre estado mínimo e estado máximo. Cabe ao Estado o papel de indutor do crescimento econômico, sendo necessário definir novos padrões de governança, capazes de promover maior eficiência e incentivar a inovação tecnológica, respondendo aos desafios da emergência climática e da transição demográfica.
Esse cenário exige estruturas estatais aprimoradas, que possam atender de forma eficiente às necessidades do país. É fundamental superar os excessos e ineficiências do setor público, assim como abandonar concepções fantasiosas de desmantelamento da estrutura estatal, que em nada contribuem para a promoção a prosperidade da sociedade brasileira.
Para o desenvolvimento sustentável e inclusivo, será imprescindível uma atuação forte e estratégica do Estado brasileiro, apoiado em instituições democráticas. Somente com a participação ativa e contínua da sociedade civil o Estado poderá exercer seu papel, promovendo o crescimento econômico, a distribuição de riquezas e a construção de uma verdadeira justiça social.
Adalmir Marqueti (PUCRS)
Henrique Morrone (UFRGS)
Alessandro Miebach (UFRGS)
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Com exceção da China talvez, o principal papel do Estado agora em todos os continentes é o mesmo: subsidiar o consumo de luxo de um povo do mercado global e desnacionalizado que ficou viciado em acumular a riqueza financeira oriunda de taxas de juros extorsivas (que ele mesmo tem poder de fixar, aliás) sem investir quase nada na economia real. O papel secundário do Estado é gastar o máximo possível de recursos com forças armadas e indústrias privadas de armamentos preparando a carnificina que eliminará o excedente populacional considerado desprezível e perigoso. Neoliberalismo e genocídio não são duas coisas incompatíveis. Eles são complementares, como ficou evidente no caso de Gaza. Ordem internacional baseada no respeito a Lei? Esqueçam. Direitos humanos para todas as pessoas em todos os lugares com a mesma eficácia? Esqueçam também.
Não se pode dizer que a sociedade civil não pensa Brasil como nação, acontece que as elites não querem, basta-lhes um país reprimido socialmente, e, apoiado no estado patrimonialista, altamente produtivo economicamente onde o sistema capitalista lhes beneficia.
Esse texto está uns…digamos, 40, 50 anos atrasado, e talvez, fora do lugar?
Acho que sim.
A desindustrialização é a rotina do eixo Europa/EUA, e seus satélites, desde 1975…um pouco antes.
Na verdade, o eixo da acumulação primitiva se desligou da produção, melhor dizendo, deixou de ter essa relação de causa e efeito, desde aquela época, por uma dupla causa:
O crescimento da competitividade global, que empurrou os centros industriais na busca pelo incremento tecnológico e busca por locais de mão de obra intensiva barata, e sabemos, pouca renda remunerando o trabalho não (re)insere renda na estrutura produtiva, logo, temos menos valor e menos mais valor, que encurta a participação da produção no PIB mundial.
Com menos renda, houve o avanço do crédito para responder a ausência de demandas por produtos.
Mais crédito, mais dívidas, mais alavancagem e mais dinheiro “falso”.
Onde faltava para produção e investimentos em bens de capitais e infraestrutura, sobrou nos caixas das bancas.
Esses excedentes aumentaram a importância dos mercados financeiros nas arbitragens das assimetrias entre países, o que sugou a renda produtiva para o mundo fictício do dinheiro que gera dinheiro, ao mesmo tempo que o rompimento das fronteiras físicas de transferências, rompidas pelas novas redes digitais, agiu como gasolina no fogo, e vice versa, obedecendo a uma lógica dialeticamente perversa.
Daí para o círculo (na verdade espiral, dada a sua dimensão exponencial de expansão) foi um pulo.
E pronto, aqui estamos.
Bem, agora sobre capitalismo e Estado.
Falaram o óbvio.
Quanto mais periférico o país, mais necessário o papel do estado como indutor de acumulação.
A questão, como disse acima, que a acumulação agora não é mais de valor e mais valor (derivados da produção) mas de anti valor (juros).
E nesse aspecto, o Estado brasileiro é bem atuante para induzir essa acumulação rentista, com 10 por cento, aproximadamente, de juros reais, como não?