O ‘Supremo’ e a repercussão geral: menos democracia no planejamento e no controle social! Por Marcelo Arno Nerling 

A democracia e a forma de organizar a participação popular na fase do planejamento e para o controle dos recursos públicos estão em jogo, e ganhou o menos, não o mais

Foto: Nelson Jr./SCO/ST

O ‘Supremo’ e a repercussão geral: menos democracia no planejamento e no controle social!

por Marcelo Arno Nerling

Em decisão recente (25/03/19) o STF deu “repercussão geral” para restringir a democracia direta na centralidade político-jurídica nacional.  A decisão repercute nas esferas de participação voltadas ao planejamento e ao controle social dos gastos públicos.

Em sede do recurso extraordinário se buscava definir “se é harmônico, ou não,” com o princípio da separação dos poderes, as “leis de iniciativa parlamentar [que] criarem Conselhos de representantes da sociedade civil, não integrantes da estrutura da Administração Pública direta ou autárquica,” com atribuição de “participar do planejamento municipal, fiscalizar a respectiva execução e opinar sobre questões consideradas relevantes”.

O fato é que o “extraordinário” não foi admitido, e mantido o acórdão que declarou inconstitucional a norma paulistana, atacada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, pai do acórdão exarado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo MP e “proclamou violadores da Constituição Estadual os artigos 54 e 55 da Lei Orgânica do Município de São Paulo e a Lei municipal nº 13.881/2004”. A abrangência dessa decisão ainda suscitará questionamentos. Mas é, desde já, assustador pensar que não apenas a lei municipal fosse atacada para ser declarada em todo inconstitucional, mas os próprios artigos 54 e 55 da Lei Orgânica, que versaram sobre a criação, a composição, as atribuições e o funcionamento do Conselho de Representantes no Município de São Paulo.

A conclusão dos que falam pelo judiciário foi de que existe um vício de iniciativa pelo Legislativo, que, ao criar esses órgãos consultivos invade os podres próprios do Chefe do Poder Executivo, afrontando assim ao princípio da harmonia e independência dos poderes. Se o âmbito da decisão ficar por aqui, concordamos, mas se ela fulmina a própria ideia de participação popular, restringindo-a ao referendo, plebiscito e iniciativa popular, penso que não se pode calar.

A tese dos procuradores legislativos foi tímida e perderam prazos processuais. Ela exaltou “mecanismo de controle externo da Administração Pública” e referio à “democracia direta”, vendo o Conselho como um “mecanismo viabilizador do controle participativo e de fiscalização previstos na Constituição de 1988”. Cita boa doutrina alusiva à democracia direta apta a conferir maior concretude à representação política. Destaque para a ponderação da defesa: “não estar o colegiado instituído incluso na estrutura organizacional do Poder Executivo, nem seu a membros exercem função pública em sentido estrito”. Nem o próprio criador sabe ou parece conhecer a formosa criatura.

O Ministério Público, guardião da leitura de uma Constituição cuja interpretação resulta em menos democracia direta, mantendo a democracia capturada. O Patrono da ação, nas contrarrazões sustentou a tese de inconstitucionalidade porque é “iniciativa reservada ao Chefe do Executivo a criação e definição de atribuições de órgão público municipal responsável por apoiar e assessorar a Administração. Sublinhou inexistir previsão constitucional a respaldar criação de colegiados populares a fiscalizar ações do Governo”. Deve imaginar que do povo só importa o “auxílio tributário” e não o “conselho planejado”. Mas não importa entrar no mérito doutrinário.

O recurso ocorreu antes da entrada em vigor do sistema de repercussão geral, mesmo assim, reforçaram menos democracia, ou que essa se limite à representação, mesmo em matéria de planejamento e controle sobre a aplicação dos recursos públicos.

A repercussão geral é uma ferramenta pelo qual o Supremo Tribunal Federal seleciona os Recursos Extraordinários que irá analisar de acordo com uma tópica que pondera a repercussão jurídica, política, social e econômica da matéria. O STF considerou e julgou a existência de questão relevante do ponto de vista político, social e jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. A democracia e a forma de organizar a participação popular na fase do planejamento e para o controle dos recursos públicos estão em jogo, e ganhou o menos, não o mais.

A decisão repercute sobre os conselhos de representantes e conselhos de participação na gestão de políticas públicas, de todos os tipos, em todo o país! Como o Supremo analisou o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores em casos idênticos. É tempo de prestar atenção e formular novas experiências.

Marcelo Arno Nerling é professor de direito constitucional no curso de Gestão de políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. 

Redação

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