A velha prática da conciliação, por Nathan Caixeta

Em outras palavras, os acionistas da Petrobras recolhem somas obscenas em dividendos, enquanto os trabalhadores têm seu rendimento consumido pela inflação.

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A velha prática da conciliação

por Nathan Caixeta

Luiz Nassif publicou uma série de artigos criticando os fundamentos do fundo de estabilização do preço dos combustíveis que percorreram as cavernas do debate econômico petista até se consolidar no Projeto de Lei apresentado pelo Senador Jean Paul Prates. O senador, segundo denúncia de Nassif, respondeu de forma áspera aos seus questionamentos, insuflado pela turma de economistas do PT.

Pretendo nesse artigo avaliar propostas sem tomar partido das contendas entre o jornalismo afiado de Nassif e as carteiradas da turma dos economistas com carteirinha partidária.

Na mesma semana que Nassif desferiu golpes certeiros contra os planos de Prates, orquestrado nas escuras por Aloísio Mercadante, a economista Julia Braga bailou sobre o terreno árido da tributação sobre as exportações de petróleo e outras commodities.

Julia Braga, em entrevista a José Paulo Kupfer, publicada no UOL, defende a criação de um imposto sobre a exportação do petróleo bruto responsável por constituir uma receita tributária capaz de estabilizar os impactos nocivos do repasse dos preços internacionais do petróleo ao conjunto de preços internos a eles associados. Como premissa, acertadamente, Braga vê como essencial a mudança na política de preços adotada por Pedro Parente quando presidiu a Petrobrás, a regra de paridade de preços de importação (PPI).

Na prática, a PPI exige que os países produtores de petróleo, ao necessitar importá-lo para saciar a demanda interna tenha que respeitar um único preço definido nas cisternas dos mercados financeiros globais.

A Petrobrás, assegura a economista da UFF, goza de uma sólida posição competitiva diante de seus concorrentes internacionais. O problema é que exportamos petróleo bruto produzido com uma estrutura de custo competitiva via Petrobrás, e importamos o petróleo refinado aos preços exuberantes definidos no mercado internacional.

Resultado: o diferencial entre o baixo custo de produção para exportação e a perseguição dos preços internacionais de importação realiza lucros extraordinários para a Petrobrás, repassados diretamente aos seus acionais (dentre os quais o governo federal). Por outro lado, o preço que chega na bomba dos combustíveis e nos demais setores para os quais o petróleo e o gás são insumos essenciais (correspondem à metade da oferta interna de energia do país), acaba por pressionar a inflação, pesando sobre o bolso dos trabalhadores.

Em outras palavras, os acionistas da Petrobras recolhem somas obscenas em dividendos, enquanto os trabalhadores têm seu rendimento consumido pela inflação. Constitui-se, portanto, concentração da riqueza financeira via concentração da renda, pois os trabalhadores perdem grana em termos reais (pelos impactos da inflação), enquanto os bolsos dos acionistas engolem os lucros da estatal, elevando seu patrimônio.

A proposta de Julia Braga é uma política industrial que rompa com a lógica financista da política de preços da Petrobrás, almejando no médio-longo prazo a substituição da importação do petróleo refinado pelo investimento no refino local. Esse processo, por si mesmo, tem repercussões positivas para a indústria de transformação que hoje se encontra na penúria. O imposto para exportação, nesse caso, é o pontapé inicial capaz de se reverberar no aproveitamento da capacidade competitiva da Petrobrás.

O Projeto do Senador Prates esculpiu o oposto de uma política industrial, preferindo validar a regra atual de repasse dos preços internacionais da Petrobrás com uma pequena distinção em relação ao modelo atual: o socorro a um Keynesianismo bastardo que repagina a proteção ao caráter financista adquirido pela Empresa Estatal desde Pedro Parente, vestindo-a com um demagógico esforço de distribuição de renda.

A ideia de Prates-Mercadante e outros, é criar um fundo de estabilização constituído dos dividendos da Petrobrás repassados ao Governo Federal, excluindo os dividendos pagos aos acionistas privados da jogada e incluindo um ínfimo imposto de exportação sem repercussão na arrecadação, tão pouco, no desincentivo à exportação de petróleo Bruto. Para piorar, o projeto sanciona a política de preços vigente na Petrobrás, toando sagrada a regra da PPI.

Em meio ao redemoinho, qual o efeito prático do fundo de estabilização proposto por Prates? A absorção pelo governo federal de todo ônus causado pela Paridade de Preços de Importação, preservando incólume os lucros extraordinários repassados aos acionistas privados.

Assim, o fundo “falso” de estabilização, exibe em sua tampa os flagelos ao orçamento público, enquanto protege os mais ricos. A proposta reprisa a premissa da conciliação dos governos Lula com o mercado financeiro: agir na distribuição de renda, contendo a inflação, fomentando, em contrapartida, a concentração da riqueza financeira.

Os economistas de carteirinha entendem de política, mas abraçados às suas posições de poder, ignoram, por tolice ou conveniência, de que a Economia capitalista é erguida por relações de poder impessoais para os quais os particularismos dos economistas são atos patéticos de justificação.

Nathan Caixeta, pós-graduando em desenvolvimento econômico no IE/UNICAMP e pesquisador do núcleo de estudos de conjuntura da FACAMP (NEC-FACAMP).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Redação

1 Comentário

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  1. “…nas cisternas dos mercados financeiros globais.” Perdoe-me o articulista; mas acho que o termo CAFUA, ao invés de cisternas seria mais apropriado.

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