A resposta de Armínio Fraga, Tafner e Nery a Thomas Piketty e economistas da Unicamp

"Não apenas o caráter progressivo da reforma – provocando convergência de regras entre rico e pobre – é ignorado, como a descrição das medidas novamente é repleta de erros grosseiros", afirmam autores

Leia primeiro: Aumento da desigualdades, risco às aposentadorias atuais e mentiras sobre o déficit da Previdência

Por Pedro Fernando Nery, Paulo Tafner e Arminio Fraga

No Estadão

A lacroeconomia de Piketty

É sempre bem-vinda em nosso debate público a participação de alguém do peso do economista francês Thomas Piketty. No entanto, o artigo “A quem interessa aumentar a desigualdade?”, recém-publicado no Valor Econômico, é uma decepção para os que admiram o influente trabalho do autor de O Capital no Século XXI, no qual há precioso zelo por análises de séries históricas, muita contabilidade e pouca economia. Nesse best-seller, ele pautou o tema da desigualdade em diversos países ao longo de anos, exibindo incomum zelo na análise de séries históricas de dados. Mas isso não impediu o célebre pesquisador e seus coautores de publicar artigo contra a reforma da Previdência repleto de erros. Não se trata de questão ideológica, mas de equívocos factuais que beiram o constrangedor.

Publicado no dia seguinte à aprovação do relatório da reforma no Plenário da Câmara, o texto erra na partida: para criticar a reforma, começa descrevendo equivocadamente as regras atuais de aposentadoria. Para os autores, existe um critério de idade para a aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil. Como sabemos, não há, e boa parte do esforço da reforma reside nesse ponto.

A confusão é com a chamada fórmula 85/95, aprovada em 2015 no meio das iniciativas de pauta-bomba contra o governo Dilma Rousseff. Esses valores se referem à soma de idade e tempo de contribuição (85 para a mulher e 95 para o homem).

Mas a soma não é requisito de acesso à aposentadoria, e sim regra para determinação do valor do benefício. Em vez de controlar o gasto, postergando aposentadoria, o aumenta, permitindo aposentadorias precoces sem o fator previdenciário. É inclusive regressiva do ponto de vista da distribuição de renda, pois aumenta transferências de renda para grupos mais bem inseridos no mercado de trabalho – como observa ótimo estudo de Marcelo Caetano, Luis Paiva e coautores do Ipea. Os autores, desinformados, entendem que a regra é um requisito para aposentadoria. Se fosse, a reforma estaria endurecendo uma regra razoável – mas infelizmente uma regra que não existe.

Essa confusão é há muito difundida por economistas da Unicamp, inclusive na campanha presidencial – um deles, Pedro Zahluth, é coautor do texto (junto com Marc Morgan e Amory Gethin). Para eles e Piketty, a regra que não existe é a primeira alternativa para aposentadoria no Brasil, um erro crasso.

A principal modalidade de aposentadoria é na verdade a por idade: brasileiros mais pobres que não têm muito tempo de emprego formal, oscilando ao longo da vida entre o desemprego e a informalidade, já se aposentam com idade mínima. Piketty e colegas descrevem essa regra como uma regra residual, e erram feio quando dizem que sobre ela incide o fator previdenciário – reduzindo as aposentadorias. O fator previdenciário só se aplica à aposentadoria por tempo de contribuição, exatamente pelas idades precoces, não à aposentadoria por idade. Novamente, se descreve uma regra fictícia muito mais dura do que a existente, caso de desconto no valor de quem já se aposenta mais tarde.

Sobre essas regras já duras de aposentadoria, mas inexistentes, incidiria uma reforma da Previdência ainda mais draconiana. Mas a triste realidade ignorada por Piketty e coautores é que são os brasileiros mais instruídos, das ocupações mais produtivas e das regiões mais industrializadas que se aposentam muito mais cedo do que os demais. A empregada doméstica, o pedreiro ou o gari se aposentam 10 anos depois do patrão: possuem idade mínima de 65 anos, enquanto a média da aposentadoria por tempo de contribuição é de 55.

Não apenas o caráter progressivo da reforma – provocando convergência de regras entre rico e pobre – é ignorado, como a descrição das medidas novamente é repleta de erros grosseiros. Piketty e colegas relatam o fim das contribuições sociais recolhidas sobre o faturamento (Cofins) e lucro (CSLL), que deixariam de bancar o déficit da Previdência. É disparate tão alienígena em nosso debate que beira o delírio.

Nessa linha, vale notar também que o quintil mais pobre de brasileiros recebe apenas 11% do montante transferido pela União para cobertura do déficit da Previdência urbana e do funcionalismo federal.

É conhecido o fato de que a pobreza no Brasil se concentra em crianças com pais desempregados, enquanto a Previdência se concentra em pessoas mais velhas com emprego formal. Ela já consome 60% de nosso orçamento, apesar da demografia favorável, e praticamente 14% do PIB. O mesmo que países velhos como Alemanha ou Japão.

Há ainda um alarmismo descabido com a perda de cobertura entre idosos pobres, que perderiam o direito aos benefícios com a reforma. Ele é centrado na elevação de 15 para 20 anos do tempo mínimo de contribuição. Mas, desde o relatório da Comissão Especial, semanas atrás, a elevação não valeria para mulheres, grupo que representa a maioria das pessoas que se aposentam por idade. Continuou valendo para a minoria, os homens, mas a eles continuou permitido receber o BPC na mesma idade (65 anos) e no mesmo valor (1 salário mínimo). Saiba o leitor que na mesma quinta-feira da publicação do texto de Piketty e coautores, o tempo de contribuição exigido para homens também foi mantido.

O que sobra de pertinente no texto? Nada em relação à Previdência. A preocupação com a reforma tributária e tributação sobre os mais ricos é legítima e meritória – aliás, há muito defendida por nós –, mas ficou sem sentido em um texto terrivelmente desinformado.

Pesquisadores que seguem a metodologia de pesquisa de Piketty detectam de fato uma abissal desigualdade de renda no País, e reconhecem como antídoto tanto uma boa reforma da Previdência quanto uma tributária. Não falamos por eles, mas recomendamos ao leitor os importantes trabalhos de Marcelo Medeiros e Pedro Souza.

Na linguagem das polarizadas redes sociais, alguém “lacra” quando faz afirmações de efeito, que geram as curtidas fáceis de sua bolha, mas sem profundidade. A escolha por lacrar implica a renúncia à discussão séria. Piketty lacrou.

*PEDRO FERNANDO NERY É ECONOMISTA E CONSULTOR LEGISLATIVO

PAULO TAFNER É ECONOMISTA E PESQUISADOR DA FIPE/USP

ARMÍNIO FRAGA É ECONOMISTA E EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

 

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Redação

26 Comentários

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  1. Tafner foi o maior erro do Vanderlei Guilherme dos Santos. Nunca deveria ter orientado esse cara, que depois foi se aninhar no Instituto Milenium.

  2. LEITURA ERRÔNEA E TÍPICA DE CAPITALISTAS SELVAGENS, ONDE A VIDA HUMANA E O SENSO DE HUMANIDADE FICA EM ÚLTIMO PLANO OU SIMPLESMENTE INEXISTE, ALIÁS, ATÉ O PATROCINADOR E ADMIRADOR DE VOCÊS DE LÁ DO SEU “CALDEIRÃO GLOBAL” LUCIANO HUCK METEU SUA COLHER DE “PRATA”, PARA DEFENDER ESSA IGNOMÍNIA. ANTES TIVESSE FICADO CALADO NO SEU ABJETO PROGRAMETA, PARA DEFENDER ESSE FIM ABSURDO DA ULTIMA SALVAGUARDA QUE O POBRE TRABALHADOR, AGORA TRAVESTIDO DE ESCRAVO DE PATRÃO TINHA, O DIREITO A APOSENTADORIA QUE JÁ NÃO ERA JUSTA E SEUS FILHOS DOENTES, ALEIJADOS, ESPECIAS E VIÚVAS JÁ NÃO PODERÃO AFERIR. A PREVIDÊNCIA SOCIAL TRIPARTITE, ONDE “ULTRACONSERVADORES NEOLIBERAIS” ORIUNDOS DA “ELITE DO ATRASO”, COMO VOSSAS SENHORIAS, QUE CERTAMENTE NEM VIVEM NO BRASIL, NÃO LERAM,(O LIVRO BRILHANTE DO SOCIÓLOGO- JESSÉ DE SOUZA) NÃO CONHECEM, NEM FAZEM QUESTÃO DE CONHECER, POIS NÃO SOBREVIVERIAM UM DIA SEQUER, COMO MORADORES DE RUA E REVIRANDO JUNTO COM OS CÃES E GATOS, RESTOS DE COMIDA E A HUMILHAÇÃO DE PESSOAS TÃO PERVERSAS QUANTO VOCÊS. MINHA TRISTEZA É QUE VOCÊS JAMAIS LERÃO ESSE MANIFESTO DE UMA “MERA” CIDADÃ BRASILEIRA!

  3. Não precisa entrar nesses detalhes das regras de idades mínimas, tempos de contribuição mínimos, alíquotas e regras de transição. Em termos de resultados finais, cerca de 80% da economia será em reduções de transferências para trabalhadores do setor privado e cerca de 80% dos benefícios pagos ao setor privado são de até dois salários mínimos. Ainda teremos a decorrente redução de gastos com bens e serviços de consumo popular, que causarão desemprego, em geral de trabalhadores de baixa renda. Como podem esses autores negar a elevação das desigualdades?

  4. É uma incrível coleção de bobagens, utilizando a técnica do espantalho. Diz-se que o outro lado afirmou coisas que não afirmou, e em seguida trata-se de espancar o espantalho.
    Deve ser duro para eles que alguém como Piketty entre em nosso debate sobre desigualdade, que eles não têm coragem de negar, pois eles consideram, fazendo coro ao governo, que quem ganha dois ou três salários mínimos é privilegiado.
    A alfinetada na escola de Campinas, no artigo em referência ligada aos conhecidos pesquisadores do World Inequality Database, reflete apenas a pequenez de suas almas, o que fica evidente ao comentarem que a obra de Piketty, best seller mundial, trata de contabilidade e história, e nada de economia.
    Recomendo aos autores desse artigo-resposta o uso do emplastro Brás Cubas, aquele que alivia a nossa melancólica humanidade, em forma de cone, a fim de facilitar o encaixe no cotovelo.

  5. Não entendo como é possível que Armínio não esteja cumprindo hoje uma longa pena de prisão pelo sua responsabilidade nos crimes cometidos contra as economias dos países do leste asiático na crise asiática. Foi ele que montou o ataque especulativo que demoliu as economias desses paises, com conhecimento prévio das consequências. É caso para pena capital.

  6. Acredito no Piketty. Os questionadores são fanáticos ultraliberais já desmentidos pela realidade dos últimos 40 anos, como bem disse Joseph Stiglitz e Paul Krugmann.

  7. Bueno, bueno… tem gente que diz que é preciso ouvir – ou ler, no caso – ‘o outro lado’ pra formar uma boa opinião. Mas daí vejo que entre os autores está Armínio Fraga… ai, ai… Dispenso a perda de tempo e fecho com Pikkety sem gastar olhos.

    1. “É conhecido o fato de que a pobreza no Brasil se concentra em crianças com pais desempregados, enquanto a Previdência se concentra em pessoas mais velhas com emprego formal. Ela já consome 60% de nosso orçamento, apesar da demografia favorável, e praticamente 14% do PIB. O mesmo que países velhos como Alemanha ou Japão.”
      Um país de 200 milhões de habitantes em que uma aposentadoria irrisória de menos de U$ 250,00(mais de 80% dos aposentados recebem este valor) consome 14% do PIB e os FDP querem aviltá-la ainda mais(o que derrubará ainda mais o PIB).
      Porque estes FDP como este armínio praga não pensam em soluções para aumentar o PIB?
      Será porque é mais difícil e dá mais trabalho do que cortar aposentadoria de miseráveis e ignorantes?

      1. É que vale a máxima de sempre pra essa gente que vem ‘fazer o Brasil’ desde o Cinquecento: Maior lucro possível, no menor tempo exequível e com o mínimo esforço.

      2. É que vale a máxima de sempre pra essa gente que vem ‘fazer o Brasil’ desde o Cinquecento: Maior lucro possível, no menor tempo exequível e com o mínimo esforço.

      3. É que vale a máxima de sempre pra essa gente que vem ‘fazer o Brasil’ desde o Cinquecento: Maior lucro possível, no menor tempo exequível e com o mínimo esforço.

  8. No décimo parágrafo Armínio Fraga afirma: “Ela já consome 60% de nosso orçamento e 14% do PIB”.
    “Ela” quem ? A Previdência, a Pobreza ? De qual Orçamento ? Ou é apenas um chute sem base real ?
    Armínio Fraga é um especulador financeiro, um parasita social, que trabalhando para George Soros destruiu Economias para obter infames lucros financeiros. Armínio Fraga foi aquele presidente do Banco Central que elevou os juros a 45% a.a. e quebrou com FHC o país DUAS vezes.
    Esse é o sujeito que defende Bolsonaro e a Reforma da Previdência.

  9. Armínio tem razão quando diz que o artigo de Piketty erra em afirmar que o fator previdenciário entra no cálculo da aposentadoria por idade. No entanto, esse erro não influi nos argumentos de Piketty que seguem após essa afirmação.
    Armínio na sua argumentação esquece um fato importante no cálculo da aposentadoria por idade que é a alíquota de 70%: sobre o resultado do cálculo da média das contribuições é aplicado o fator de 70%, somando-se 1% para cada ano de contribuição. Exemplo, um homem que se aposente com 65 anos e 15 anos de contribuição receberá 85% da média das suas contribuições.
    Se Piketty errou ao dizer que o “fator previdenciário” entra no cálculo da aposentadoria por idade, Armínio erra feio duas vezes:
    -a primeira em esquecer que no cálculo da aposentadoria por idade também entra um fator que depende do tempo de contribuição
    -a segunda em não reconhecer que o artigo de Piketty faz o seu argumento sobre o cálculo correto da aposentadoria por idade.

  10. Quando começam com falso elogio e logo partem pra desqualificação sarcástica, é sinal que se doeram .

    Assacaram o argumento baseado na “aposentadoria por idade” . Ora, a regra 85/95 foi instituída POR CAUSA do FATO contábil. Muito “triste” ver planilheiros em estado de negação da aritmética…

    Ainda por cima com sardônica…

    Perderam!

  11. Em quem acreditar? Em economistas experientes, inteligentes e renomados como Piketty e economistas da unicamp ou em economistas contratados e que recebem muito bem para desenvolver e defender um sistema, cada vez mais, perverso, escancarando a cultura extremamente classista brasileira…

  12. Eu pouco entendo de Economia, mas me vem a pergunta: e a capitalização da previdência? Parece-me que será um desastre o Estado deixar de garantir os benefícios de aposentados e deixar isso nas mãos de especuladores e de entidades privadas que podem até falir e deixar todos a ver navios.

  13. O Tafner é especialista em previdencia. Foi o responsável por esse tema no Ipea durante muitos anos. Concordo com eles em sua réplica. Na verdade o que está acontecendo e que as regras ficaram mais duras para quem tem maior renda e mais estabilidade de emprego. Por volta de 40% dos brasileiros percebem salário inferior ao mínimo durante toda sua vida laboral, quando se aposenta passa a receber um salário mínimo. Para a maior parte da população, nada mudou de fato. Infelizmente somos um país pobre, e R$3.000 faz de você um membro da abastada classe média.

  14. impressionante: são inacapazes (art. 1 a 5 do Código Civil) de nos instruir quais os regulamentos q regem a previdência atual, sem considerar q sequer apontam os arts. da Carta Magna q serão /ops! e talvez!/ modificados com a malfadao PEC(@do). esse é nosso jornalismo “econômico”… rs

  15. Sobre a contestação do Armínio Fraga ao artigo escrito pelo Thomas Piketty só tenho a dizer o seguinte:
    Como levar a sério alguém, que teve o desplante de afirmar que o valor do salário mínimo no Brasil está muito alto (sic)?

  16. Defendendo mentiras chegamos a extremos como falar que a terra é plana. Parem de usar o povo pobre para enriquecimento próprio. Sintam-se envergonhados, eu duvido que seus pais tenham lhe ensinado a mentir e roubar para viver.

  17. Armínio Fraga: dono de fundo de investimento deve estar bravo pois a capetização ficou de fora da tão decantada reforma desse des-governo. Quanto ao tema da desigualdade é óbvio que banqueiro não tem cidadania e pátria. A eles interessa o lucro pelo lucro, a comissão pela comissão. Vamos sim discutir uma das principais chagas de temos em nosso país. Fraga não merece ouvidos.

  18. Em todo esse debate ainda não entendi: em que essa reforma altera o desempenho de empresas de forma que a esperada retomada do crescimento apareça?
    Quero dados, números. Pelo que sei, altera porra nenhuma.

  19. Armínio Fraga diz que é disparate e beira o delírio, Piketty trazer a hipótese do fim da CSLL e COFINS , mas vejam uma matéria de hoje da revista Exame (Reforma Tributária pode reduzir alíquota máxima do Imposto de Renda), em que o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, considera como opção a transferência da CSLL para o novo Imposto sobre Pagamentos, que seria aplicado a qualquer transação.

    https://exame.abril.com.br/economia/reforma-tributaria-pode-reduzir-aliquota-maxima-do-imposto-de-renda/

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