Militares, urnas e disrupção
por Marcus Atalla
Nesta semana, a viagem de Bolsonaro e sua comitiva de militares à Rússia gerou preocupação, pois a grande mídia semeou a informação de uma agenda oculta, a “cibersegurança” aplicada às eleições. Somasse a isso, Bolsonaro ter retornado ao discurso da urna inconfiável. O seu intuito seria a de conseguir a ajuda de hackers russos, de modo a fraudar as urnas eletrônicas e/ou poder controlar as redes sociais com desinformações, como em 2018.
As suspeitas da busca por ajuda de hacker não fazem sentido, a urna eletrônica tem problemas estruturais como revelaram dois auditores, Pedro Rezende e Diogo Aranha. Porém, a urna não pode ser fraudada via hackers. E as redes sociais já foram controladas pelos militares brasileiros há muito tempo. Para se entender os possíveis riscos de fraude às eleições, precisa-se retornar para antes de 2016.
A sociedade brasileira controlada por Psy Ops, operações psicológicas, pelos militares pátrios
Há uma hipervalorização do papel de Steve Bannon como um grande ideólogo do chamado ecossistema de desinformação, alguns comparam-no a um novo Goebbels. Ao se estudar as técnicas usadas por ele, é possível observar a similaridade com as da Guerra-Híbrida. O que Bannon fez foi adaptá-las ao sistema eleitoral com o uso de big data. A citação a Goebbels é equivocada, este desenvolvia técnica de propaganda, cujo objetivo é o convencimento, enquanto as técnicas da Guerra-Híbrida são muito mais avançadas, trata-se de técnicas militares de disrupção cognitiva, cujo intuito é a interferência e a quebra da cognição humana, causando um desnorteamento dos indivíduos e cisão na sociedade.
Desenvolvidas por militares norte-americanos e usadas nas revoluções coloridas, incluindo o Brasil a partir de 2014, essa doutrina da guerra Cognitiva/Cismogenética, visa atuar não apenas em forças militares inimigas, mas na sociedade. Também chamada Guerra Neocortical, pois o campo de batalha a ser conquistado, não são mais territórios, mas sim, a dominação da mente humana. Utilizam-se técnicas para desnortear a cognição humana, moldar o comportamento, influenciar a percepção, consciência e a vontade dos indivíduos. O que estamos passando não é uma polarização política, é uma cismogênese, a fim de causar uma luta fratricida na sociedade dividindo-a.
O antropólogo e pesquisador Piero Leirner, em seu livro: “O Brasil no Espectro de uma Guerra-Híbrida”, alerta sobre o papel dos militares brasileiros submetendo tais técnicas à população do país, pelo menos, desde 2014. Data em que lançaram a candidatura de Bolsonaro dentro da AMAN, o que ilegal até mesmo às normas internas da FFAA. A partir daí, transformaram um deputado obscuro num presidente da República. [Veja o vídeo].
Vem se usando como referência o golpe de 64, cuja estratégia foi a tomada de poder à força, com tanques nas ruas, enquanto o Partido Militar está empregando os métodos estratégicos de simulação atuais.
• Psy Ops – operações psicológicas pensadas para transmitir informações selecionadas ao público, para influenciar suas emoções, motivos e raciocínio objetivo.
• Decept Ops – operações de dissimulação, onde uma unidade militar obtém vantagem, induzindo em erro os tomadores de decisão do adversário, levando-os a ações prejudiciais a si mesmos. Oculta-se informações e intenções, ou fornece-se uma explicação alternativa plausível e falsa.
• Proxy War – guerra por procuração é um conflito onde dois países se utilizam de um terceiro, de forma a não lutarem diretamente entre si. (no caso brasileiro, Bolsonaro faz o papel do terceiro em conflito e os militares passam incólume como a ordem).
• Guerra de Espectro Total – o inimigo não é apenas o Estado, utiliza-se de elementos psicológicos, para afetar a capacidade cognitiva do governo e da população. Usa-se como arma comunicação em massa, audiovisual, jornais, rádios, internet etc.
Bolsonaro nunca controlou os militares, ele é um simples títere do Partido Militar. Há uma espécie de simbiose, os militares precisam dos votos do Bolsonaro e Bolsonaro precisa do poder dos militares, sempre que está em risco, brande as armas dos militares.
O jornalismo como fonte retransmissora da Psy Ops
Outra característica das chamadas Guerras-Híbridas é camuflar seus operadores e usar os meios de comunicação de massa como retransmissores da dissimulação e desta forma causar o imobilismo na população que fica perdida. Os militares plantam notícias falsas, através da imprensa.
Um exemplo foi a não punição do Gen. Pazuello e a notícia plantada de que houve brigas entre o alto comando, se o puniria ou não.
• Bolsonaro privilegia a atuação da ala ideológica e expõe militares a vexames públicos. -IstoÉ
• Para evitar crise com Bolsonaro, Exército deve apenas repreende Pazuello – Estado de S. Paulo
O General Ramos, no dia 21/07, deu uma entrevista dizendo estar pasmo por ser despedido por Bolsonaro. Vários jornalistas acreditaram que Ramos havia sido humilhado. Porém, uma semana depois, foi realizada uma live por Bolsonaro, sobre a urna fraudável. Dias após a suposta humilhação de Ramos, soube-se que havia sido o próprio Ramos, quem organizou o evento.
• Fui atropelado por um trem’, diz Ramos sobre demissão da Casa Civil – 21/07/21
• General Luiz Eduardo Ramos foi o “produtor” da Live sobre “fraude” de Bolsonaro – 01/08/21
Desde 2014, o partido militar vem se vendendo como a ordem, no Governo Temer, com o escândalo do grampo de Joesley Batista (JBS) e a narrativa antipolítica. Com Bolsonaro eles seriam o impedimento do louco varrido dar um golpe. Há uma simulação de haver uma dissidência nas forças armadas, ora se apresentaram como uma ala racional versus uma “olavista”, quando a narrativa se esgotou, surgiu a ala legalista versus a ala bolsonarista. Nada comprova que essa tal dissidência tenha ocorrido ou tenha sido forte o suficiente para causar uma ruptura. Os militares continuam em seus cargos no governo e dando sustentação ao Bolsonaro. É o que denuncia o Coronel da Reserva Marcelo Pimentel há um bom tempo.
Os militares já controlam as redes sociais, não precisam de russos
Em entrevista ao Deutsche Welle, Piero Leirner lembra que o general Rego Barros afirmou: “coube ao Exército mergulhar de cabeça no submundo das mídias sociais e se tornar o órgão público com maior influência no mundo digital no Brasil” , declaração dada em sua despedida do Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX) em 2019, órgão responsável pelas relações-públicas das Forças Armadas e o que era repassado à imprensa.
Mais tarde, o general Villas Bôas, em sua bibliografia; “General Villas Bôas: Conversa com o Comandante”, confessa a participação dos militares nas mobilizações desde 2016.
“Nessa altura já se havia estabelecido uma espécie de válvula de escape: as manifestações de rua, sempre pacíficas, das quais o pessoal da reserva e uma parcela importante da família militar tomava parte.”
Às vésperas do segundo turno das eleições no Uruguai em 2019, houve disparos de ameaças contra aqueles que não votassem em Lacalle Pou, candidato da direita. Essas mensagens vieram do Brasil, cujas localizações eram da região de São Luiz no Maranhão, Fortaleza, Ceará e da área que são das cidades de Angra dos Reis, Areal, Barra do Piraí e Barra Mansa, no Rio de Janeiro. Por essas mensagens terem conteúdo bíblico e linguagem militar, levantaram suspeitas no jornalista Jeferson Miola, autor da reportagem, de haver interferência dos militares brasileiros nas eleições no país vizinho. [Aqui] e [Aqui].
A urna eletrônica não pode ser hackeada por elementos externos ao processo
A urna eletrônica não entra em conexão em rede, portanto, não pode ser hackeada de forma externa. Porém, Pedro Rezende, prof. do Departamento de Ciências da Computação na UNB, e Diego Aranha, prof. da UNICAMP especialista na área de Criptografia e Segurança Computacional, realizaram oficialmente auditoria na urna eletrônica. A principal fragilidade é a impossibilidade de se fazer uma auditoria dos votos na urna. Segundo ambos, tanto o arquivo de contagem de votos, como o de recontagem, são arquivos espelhos, originados a partir de um mesmo arquivo, aquele que contém a programação. [relatos Pedro Rezende] e [relatos Diego Aranha].
Se houvesse fraude, não viria por elementos externos ao processo, só poderia ser realizada no TSE, na formulação do programa da urna realizada pelos técnicos do órgão. O Ministro Barroso relatou em entrevista ao Grupo prerrogativas, que os partidos podem enviar seus próprios técnicos para examinar o programa, sendo aprovado por todos, assinasse um termo e faz-se a lacração do programa que é enviado aos TREs para inseri-los nas urnas manualmente. [Veja Aqui].
Sendo assim, hackers russos não têm serventia nenhuma para fraudar a urna. Antes das eleições em 2018, o General Mourão deu uma declaração à imprensa dizendo que os militares poderiam não aceitar o resultado das eleições, pois as urnas não eram auditáveis. O que demonstrou que as forças armadas têm conhecimento da falha relatada por Pedro Rezende e Diego Aranha, e não do que se é dito pelo senso comum, a possibilidade de fraude por hackeamento.
Bomba-semiótica e o governo de transição para “restabelecer a ordem”
Wilson Ferreira, especialista em semiótica e autor do livro:” Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira”, cunhou o termo observando os acontecimentos de 2016, segundo ele: “Bomba semiótica é uma engenharia de opinião pública, um fenômeno de ocupação e intervenção política nova, em sintonia com a cultura midiática viral: ela não visa a propaganda doutrinária, mas a contaminação viral pelo pânico, boatos, rumor, fake news e assim por diante.”
É isso que Bolsonaro vem preparando, durante o seu governo ele nunca se empenhou para reformular a urna, sua escolha para pautar o tema no Congresso, foi a Deputada obscura Bias Kicis. Bolsonaro de tempos em tempos retorna com a narrativa da fraude na urna, sempre com explicações e acusações estapafúrdias. No entanto, é o suficiente para que toda a imprensa repercuta, seja contestando e as redes sociais concordando. O importante para ele Bolsonaro não são os argumentos, mas manter sempre no imaginário da população a possível fraude na urna.
Assim, se derrotado nas eleições pode reviver seu álibi, para os seus eleitores será verdade, para os eleitores do outro candidato será falso. Dessa maneira, aumentará os conflitos, causará uma cizânia na população e um caos social (cismogênese). Uma espécie de invasão do Capitólio tupiniquim.
Segundo Jaqueline Muniz, especialista em Segurança Pública, Bolsonaro não consegue dar um golpe, em um país continental como o Brasil não basta ocupar territórios, é preciso mantê-los ocupados, o que exigiria uma avançada coordenação, estratégia e logística, o que não é barato.
Diferente do propagado, as milícias estão concentradas apenas no Rio de Janeiro, as outras organizações criminosas pelo país, como PCC etc. são de outro tipo, de outra estrutura e outros interesses, não formam um Estado dentro das forças de segurança pública como as milícias do Rio de Janeiro. Sem dizer que tem interesses e disputas econômicas e mercados conflitantes.
No Brasil, o único grupo com a capacidade descrita são as Forças Armadas Brasileiras, porém não haveria vantagem eles darem um golpe para manter Bolsonaro. Pelas estratégias de dissimulação, um caos durante as eleições, abriria a possibilidade do que está sendo plantando há muito tempo, os militares como os garantidores da lei e da ordem. Seja causado por contestação da urna ou por grupos armados bolsonaristas, facilitados pelo descontrole na venda de armas permitidas pelos militares.
No mês passado, o exército anunciou que realizará uma pesquisa pública em cinco regiões do país, para ditar os rumos das Forças Armadas. Pelo histórico do exército brasileiro, eles nunca permitiram nenhuma interferência externa, quanto mais uma democrática. É bem provável que a pesquisa seja para avaliar se a população brasileira mantém confiança suficiente para aceitar um governo militar de “transição” para restabelecer a lei e a ordem.
Uma característica de Bolsonaro é criar narrativas de álibis futuros e sirvam em simultâneo, para tirar o foco de coisas essenciais. Dessa maneira ele captura a pauta na imprensa. Foi assim que ele atuou com o kit cloroquina, se a cloroquina mostrasse eficácia, ele se declararia um herói impedido de salvar o povo pelo sistema.
Quando os governadores anunciaram o lockdown, ele aproveitou para culpá-los pela crise econômica que já era certa, mas causada pela política de Paulo Guedes. É bem provável que essa nova narrativa de hackers russos tenha sido plantada como preparação às eleições.
Marcus Atalla – Graduação em Imagem e Som – UFSCAR, graduação em Direito – USF. Especialização em Jornalismo – FDA, especialização em Jornalismo Investigativo – FMU
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