Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Primeiro turno: urnas eletrônicas, anomalias e o buzz “tem caroço nesse angu”, por Wilson Ferreira

Em síntese: o resultado foi um paradoxo que tem muito a dizer sobre a natureza da guerra híbrida, baseada na criação de cismogêneses

Primeiro turno: urnas eletrônicas, anomalias e o buzz “tem caroço nesse angu”

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Ocorreram nas eleições de domingo, por assim dizer, “anomalias” que foram um verdadeiro jato de água fria na esquerda. Para começar, discrepâncias entre a realidade e os números dos institutos de pesquisa. Meio timidamente (afinal, temem ser confundidos com o discurso da extrema-direita) perfis progressistas nas redes sociais e artigos na mídia alternativa começaram a demonstrar a estranheza diante dos resultados. “Tem caroço nesse angu”, era uma expressão que começou a pipocar aqui e ali. Surpreendentemente, Bolsonaro parecia ter recebido bem as apurações do TSE, agora voltando seu ceticismo contra as pesquisas “mentirosas”. Como se espera da lógica semiótica alt-right, assim que percebeu o “buzz” nas redes progressistas, imediatamente voltou a atacar as apurações, comparando-as às de 2014 que deram vitória a Dilma Rousseff. Antes que a esquerda avançasse o sinal, tratou de voltar a se apropriar da pauta. O que há por trás dessa estratégia semiótica? 

O resultado das urnas eletrônicas do último domingo parecia ter deixado Bolsonaro satisfeito. “Entendo que é uma vontade de mudar por parte da população… temos um segundo tempo pela frente, onde tudo passa a ser igual, o tempo de cada lado passa a ser igual…”, disse o chefe do Executivo. Uauuu! Nenhum arroubo ou bravata contra as urnas eletrônicas?

Cadê a “apuração paralela” que seria feita pelos militares. Onde está o relatório final dessa apuração? Também perece que o Comando do Exército ficou satisfeito com o mapa dos resultados do TSE.

Finalmente a encarnação democrática do Bozo? Não. Apenas uma mudança de foco. Dessa vez, voltou seus canhões semióticos para os institutos de pesquisas: “… nós vencemos a mentira no dia de hoje. Que estava no DataFolha dando 51% a trinta e poucos, então vencemos a mentira”.

É inquestionável que os resultados das urnas foram um verdadeiro jato de água fria jogado na esquerda. Todos aguardavam uma “onda vermelha” no último instante, que acabasse a eleição já no primeiro turno. Afinal, todos estavam confiantes após mais de 700 pesquisas para presidente realizadas esse ano – em mais de 90% delas, Bolsonaro estava com menos de 37%.

E todo um cenário distópico se materializou: o vice general Mourão venceu no Rio Grande do Sul, com viagra e tudo; Pazzuello foi o campeão de votos no Rio mesmo depois de calculadamente, quando ministro da Saúde, sabotar as ações de combate à pandemia; o ex-juiz Moro ganhou cadeira no Senado, mesmo após o escândalo da Vaza Jato e a sua suspeição decidida pelo STF. E mais: um destruidor de florestas (Ricardo Salles) e um astronauta que voltou para a Terra para ajudar a destruir o Sistema Nacional de Tecnologia e Inovação (Marcos Pontes) também foram recompensados pelas urnas. E para fechar o pesadelo, um “poste” do Capitão-Mito superou Haddad em São Paulo.

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Em síntese: o resultado foi um paradoxo que tem muito a dizer sobre a natureza da guerra híbrida, baseada na criação de cismogêneses: de um lado, temos um Congresso mais renovado das últimas décadas – mais jovens, mais mulheres, negros, parlamentares conectados a redes sociais e senadores e deputados com maior grau de instrução.

Mas de outro, ganhamos o Congresso mais conservador dos últimos quarenta anos! 

Lentamente começou à esquerda do espectro político uma envergonhada estranheza diante dos resultados das urnas eletrônicas. Uma estranheza ocultada por camadas de tergiversações e malabarismos de argumentação, temerosa de ser confundida com o negacionismo de extrema-direita.

Um exemplo é o cientista político Fernando Horta: “Tem caroço nesse angu”, fecha de forma enigmática o seu artigo “O Que Aconteceu?” – clique aqui.

Horta aponta para os “candidatos fantasma” que se materializam de última hora como vencedores: 

Em 2018, Dilma, Suplicy e mesmo Olívio Dutra eram considerados pelas pesquisas como favoritos ao senado. Abertas as urnas e candidatos que estavam em terceiro ou quarto lugar apareceram como vencedores. Ocorreu novamente. O astronauta Marcos Pontes (em São Paulo), literalmente caiu de paraquedas e Hamilton Mourão – fazendo campanha nos quartéis – é outro exemplo. Apenas candidatos de extrema direita gozam deste “milagre” repentino. 

Também questiona os malabarismos para explicar essa realidade, como “poder do capital”, “controle da grande mídia”, “disparos em massa no zap” etc. Horta dispara: “se você realmente acredita que eles viraram 9 milhões de votos em 48 horas (a diferença real foi de 6,1 milhões) talvez o cenário para o segundo turno seja ainda mais desesperador”.

No Twitter, Horta faz uma interessante observação: “Vocês notaram que todas as pessoas “estranhas” que se elegeram e tiveram um acréscimo de 20% dos seus votos (se comparado com as pesquisas) são do círculo mais íntimo de Bolsonaro? Damares, Tarcísio, o astronauta, Ricardo Salles etc.? Perceberam que figuras periféricas do Bolsonarismo fracassaram? Adrilles, Joyce etc.”.

Esta mesma inquietação começou a circular nas redes sociais progressistas – é bom lembrar que, antes de ser abduzida pela extrema-direita, a pauta sobre dúvidas em relação às urnas eletrônicas estava presente na mídia alternativa em 2014, como pode ser visto aqui aqui.

Coincidentemente, não é que, depois da calma e satisfação demonstrados após os resultados do domingo, Bolsonaro volta ao modus operandi? Nessa quarta-feira, o chefe do Executivo voltou a atacar o sistema eleitoral e questionar a apuração do primeiro turno – ele comparou a apuração do domingo com a das eleições de 2014, quando Dilma Rousseff se reelegeu por uma pequena margem de votos. Bolsonaro afirma que Aécio Neves venceu o pleito – clique aqui.

Conhecendo-se a estratégia alt-right desenvolvida pelo PMiG (o Partido Militar Golpista apropria-se de pautas que, no passado eram da esquerda para criar uma “paralisia estratégica” no inimigo – temerosa de ser confundido com a extrema-direita, a esquerda começa a se deslocar cada vez mais ao “Centro”, tornando-se institucional, parlamentar e jurídica) parece ser sintomática essa guinada ao modus operandi: antes que a esquerda comece avançar o sinal, Bolsonaro tenta reforçar que o tema “urnas eletrônicas” e seu e de mais ninguém!

Este Cinegnose já discorreu sobre esse tema, procurando sair do âmbito das teorias conspiratórias (urnas não auditáveis etc.) para o campo das dúvidas justificáveis: como o processo eleitoral brasileiro pode estar nas mãos de empresas com óbvios problemas de conflitos de interesse (Kryptus, Positivo e Oracle – clique aqui.) criptografe, fabrique e forneça o supercomputador que armazena e faz a contagem dos votos?

Somente a partir desses conflitos, o sistema eleitoral deveria ser colocado sob suspeita. Ou, como coloca o professor especialista em software livre da Universidade Federal do ABC (UFABC), Sérgio Amadeu, que defende o uso de tecnologias nacionais em código aberto, e que a Oracle seja substituída: “isso aumentaria a transparência e a autonomia nacional”, diz.

Se não, por que Bolsonaro mantém uma estranha bipolaridade? De um lado, preocupa-se com medidas “populistas” como o Auxílio Brasil, permitida pela PEC Eleitoral ou “Vale-Tudo”, ao arrepio da legislação eleitoral. E, do outro, corta remédios do Farmácia Popular e das universidades federais em pleno segundo turno. E ofende o eleitor nordestino ao associar o analfabetismo aos votos para Lula na região – justamente no momento, segundo a grande mídia, em que a estratégia da campanha de Bolsonaro passou a ser justamente a de tentar conquistar votos no Nordeste.

Bolsonaro parece não ter a menor preocupação em conquistar novos eleitores, principalmente numa disputa tão acirrada de segundo turno… De onde será que vem esse misto de autoconfiança e displicência em relação a busca de novos eleitores?

Continue lendo no Cinegnose.

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1 Comentário

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  1. Dia 30, vencerá a originalidade; quem não tem medo de vencer; quem fala a língua da maioria. Almofadinhas não passarão. Discutidores do sexo dos anjos… não passarão! É preto branco ou branco no preto (como no primeiro quadro de giz em que escrevi). Blá-blá-blá filosófico, em geral anti-pragmático é perda de votos. Como várias vezes já disse Lula: É PRECISO PRIMEIRO GANHAR AS ELEIÇÕES!

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