Espionagem na Abin vira pauta de ação no STF e pedido de CPI na Câmara dos Deputados

Segundo investigações, agência monitorou até mesmo promotora do caso Marielle Franco

Foto: Abin/Reprodução

do Brasil de Fato

Espionagem na Abin vira pauta de ação no STF e pedido de CPI na Câmara dos Deputados

por Caroline Oliveira, de São Paulo (SP)

O grupo Prerrogativas, formado por profissionais do direito, protocolou, nesta quinta-feira (25), uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a publicização dos nomes que supostamente foram espionados ilegalmente pela Agência de Inteligência Brasileira (Abin) durante a gestão do delegado Alexandre Ramagem, do governo de Jair Bolsonaro (PL).  

No documento, o grupo classificou como “estarrecedora” a notícia de espionagem feita pela Abin. “É evidente que a intimidade, a vida privada e a proteção de dados são direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal”, afirma o grupo. “Portanto, a violação ao sigilo telefônico, telemático e de dados pessoais de uma pessoa deve ser excepcional, apenas para casos previsto em lei, com todos os requisitos legais demonstrados, e desde que haja indícios suficientes de atos ilícitos. Em regra, a violação do sigilo deve passar pelo controle de legalidade pelo Poder Judiciário, como consequência do sistema de pesos e contrapesos do Estado democrático de direito.”

O presidente do Prerrogativas, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, afirmou que há suspeitas “fundadas” de que inclusive advogados do grupo teriam sido alvo dessa “escandalosa espionagem”. “Vamos tomar todas as providências necessárias. Inclusive vamos pedir para que os funcionários que eventualmente ainda estejam no governo e, ao que parece, existem alguns, sejam mandados embora do serviço público”, disse ao Brasil de Fato.

“Nós só temos um paralelo no período mais tenebroso da nossa história, os chamados anos de chumbo da ditadura militar, com os aparelhos repressivos”, afirma Carvalho. “Talvez agora seja um dos episódios mais graves do país. O governo anterior instrumentalizou as funções de Estado, os órgãos de Estado, a serviço de interesse pessoais. É uma vergonha, é muito grave.”

CPI da Abin

Um dia antes da petição do Prerrogativas, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) incluiu no sistema interno da Câmara dos Deputados um pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. O parlamentar pretende recolher as 171 assinaturas necessárias para que o pedido seja protocolado, ou seja, um terço total dos deputados. Até o momento, 16 congressistas assinaram a solicitação.

Alencar afirmou que a Abin é um “órgão sobre o qual pairam recorrentes suspeitas de manter práticas da ditadura. As denúncias que a PF apura são graves. Uma CPI poderia elucidar tudo e propor novo modelo de atuação da Abin: em defesa do Estado Democrático de Direito, da soberania nacional e do interesse público, e não do governante de ocasião”, disse em seu perfil no X, antigo Twitter.

Na mesma linha, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) informou que irá requisitar a íntegra do “gravíssimo” inquérito sobre a espionagem que resultou na operação da PF desta quinta-feira. “Na posse como presidente da CRE [Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado], alertei que o Brasil nunca teve um órgão de inteligência a serviço do Estado e da democracia. Sempre foi um pântano de arapongagem política. (…) São muitos os responsáveis”, escreveu também em seu perfil no X.

Operação Vigilância Aproximada 

Nesta quinta-feira (25), a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da Operação Vigilância Aproximada para apurar a espionagem ilegal. O ministro do STF Alexandre de Moraes, que autorizou as diligências, afirmou que a promotora do Rio de Janeiro responsável pela apuração das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi monitorada.

“Ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes”, escreveu Moraes na decisão que autorizou a operação.

Ainda no documento, o ministro informa que a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou um resumo sobre a promotora com a “mesma ausência de identidade visual nos moldes dos Relatórios apócrifos da estrutura paralela” da Abin. Tais relatórios, de acordo com a investigação, teriam sido criados por uma “estrutura paralela infiltrada” na Abin para divulgar “narrativas falsas”.

Além da promotora, teriam sido monitorados funcionários do STF, advogados, policiais, jornalistas e os próprios ministros durante meses. As investigações apontam para um total de 33 mil acessos ilegais à rede de telefonia brasileira com o uso de um sistema de geolocalização da Abin adquirido com recursos públicos em dezembro de 2018.

A operação desta quinta-feira foi uma continuação das investigações da Operação Última Milha, deflagrada em outubro do ano passado. Na época, a PF publicou uma nota na qual afirmou que “as provas obtidas a partir das diligências à época indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações”.

Na mesma época, a Abin informou que instaurou uma sindicância investigativa em 21 de março de 2023, logo depois que a Corregedoria-Geral da agência concluiu Correição Extraordinária para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização. Desde então, a Abin “vem cumprindo as decisões judiciais”. “A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da Abin reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito.”

A ferramenta inteligência First Mile permite o monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de conhecimento por parte das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial.

Segundo a PF, os investigados podem responder pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

No total, até o momento, foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão, além de medidas cautelares de prisão, incluindo a suspensão imediata do exercício das funções públicas de sete policiais federais. As diligências de busca e apreensão ocorrem em Brasília/DF (18), Juiz de Fora/MG (1), São João Del Rei/MG (1) e Rio de Janeiro/RJ (1).

Edição: Nicolau Soares

Leia também:

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador