Governo Lula: uma crise de comando?
por Aldo Fornazieri
Não é novidade para ninguém a constatação de que o governo Lula não vai bem. Para quem olha de fora, o governo parece desorientado. As informações que vêm de dentro não são boas. A desorientação do governo aparece na explicitação pública de divergências acerca dos rumos a seguir. Tanto dentro do governo quanto em setores do PT são frequentes os ataques à condução da política econômica dirigida pelo Ministério da Fazenda. O próprio presidente Lula emite sinais ambíguos. Este é um ponto crucial: sem clareza na condução econômica do país, o risco de fracasso é enorme. Os agentes econômicos e os setores sociais ficam sem um horizonte de previsibilidade e de estabilidade para agir. Crescem as desconfianças.
Além da política econômica, divisões e confusões do governo que provocaram desgastes aparecem em outros pontos: na forma atabalhoada de como foi tratada a crise na Petrobrás, no tema do imposto sobre produtos importados de até 50 dólares, na desoneração da folha de pagamento para setores da economia. Nesses e em alguns outros temas votados no Congresso, setores do governo e da bancada petista preferiram ficar com a oposição, contra o Ministério da Fazenda. O esforço do ministro Haddad de onerar setores privilegiados que não pagam impostos é justo e visa reduzir as desigualdades. Qualquer pessoa de bom senso sabe que arrumar as contas nos dois primeiros anos de governo é crucial para evitar crises e para ter um bom desempenho nos dois últimos anos.
As informações que vêm de dentro do governo indicam a fragmentação política, a paralisia e as divisões entre e dentro dos ministérios. Existem grupos para todos os gostos: grupos dos ministros, grupos dos funcionários públicos e até os grupos da Janja. Diz-se que as opiniões da primeira dama constrange decisões de ministros. Claro que ela tem todo o direito de emitir opiniões. Mas as decisões do governo precisam pautar-se pelo interesse público e pelo interesse do Estado.
A perda de popularidade em setores sociais que votaram em Lula é o sintoma mais agudo de que o governo vive uma crise política. Tudo isso, como já se disse em outros artigos, é paradoxal porque na economia o governo não vai mal. Pelo contrário: os indicadores de crescimento, renda e emprego estão bem. É certo que há uma inflação de alimentos e de serviços, mas nada que fuja ao controle.
Na busca do equilíbrio entre a política fiscal e a política social faltam três coisas: 1) corte de gastos, principalmente nos privilégios; 2) uma política nacional de eficiência do gasto público; 3) bom senso para atender demandas de determinados setores. Exemplo de falta de bom senso foi a arrogância de como representantes do governo trataram a greve dos professores das universidades públicas. Essa arrogância produz desgarramento e desilusão de setores que sempre foram apoiadores de Lula.
O que está claro é que a crise do governo tem uma natureza essencialmente política. Os principais focos são: 1 ) a falta de um comando claro de rumos no governo; 2) as divisões no governo e no PT transformadas em disputas públicas; 3) os desastres na comunicação e na articulação política. Em várias pastas ministeriais existem bons resultados, mas o grande público não os conhecem. A articulação política do governo no Congresso, excetuando a pauta econômica, é um grande fracasso. O resultado de tudo isso são as derrotas no Congresso e a perda de apoio popular.
A crise política do governo, além de ser uma crise de direção, é também uma crise de sentido. Com a emergência da extrema-direita ocorre um acirramento de disputa pelas subjetividades, por valores. As esquerdas estão perdendo esta batalha para a extrema-direita, que avança empunhando bandeiras de valores conservadores e autoritarismo.
O governo Lula não consegue comunicar para a sociedade quais são as suas grandes causas, os seus valores. Não consegue sinalizar para onde quer conduzir o país. Não consegue sequer definir claramente de que lado está na batalha crucial do nosso tempo: a crise climática e a transição ecológica. Concede incentivos a projetos depredadores e intensivo em carbonização e quer explorar petróleo na foz do Amazonas.
Ao não travar a batalha pelas subjetividade, faz uma disputa de hegemonia manca, com uma só perna. Ao não ter uma narrativa coerente de sentido, não consegue dirigir a coalizão que montou. Quanto mais Lula e o governo perdem popularidade, mais ficam a mercê das chantagens do centrão e mais riscos de perda de controle correm.
As pessoas que estão no governo são experientes. Mas são prisioneiras de uma solidez inconsequente de concepções e de métodos que não mais funcionam. Esquecem-se que a natureza da realidade é a mudança e que na Era da revolução digital a mudança ocorre com uma velocidade espantosa.
A mudança provoca continências de todo o tipo – objetivas e subjetivas. Com a solidez mental fixa no passado, não têm as capacidades necessárias para enfrentar os novos desafios, os rios furiosos do imprevisto. Os dirigentes políticos e operativos do governo não operam com o imperativo dos líderes virtuosos: estar preparados para as mudanças. Podem ser felizes com os seus cargos, mas serão infelizes com o resultado que produzirão: o fracasso.
Na felicidade e na arrogância de seus cargos, não se preparam para o ataque inimigo. Parecem acreditar que a detenção do poder é garantia da vitória. Relaxam as prontidões, descansam as armas da luta política. Perdem o senso dos riscos e da responsabilidade. Esquecem que o povo elegeu esse governo para livrar-se de um mal e por depositar esperanças em dias melhores.
O governo passa a imagem de que está cansado e envelhecido, entregue à própria indolência. Lula parece ter mais fidelidade a ministros e métodos que não funcionam do que aos objetivos estratégicos que informaram a sua vitória nas eleições. A principal lealdade que Lula deve ter é com os objetivos e os resultados que precisa entregar para o povo. Não entregará resultados se não for inovador e se não implementar mudanças reclamadas pela realidade social e econômica do país, dominada por injustiças e pelo particularismo dos grupos hegemônicos. Muitas das mudanças urgentes não dependem do Congresso.
O governo não pode ser autocomplacente com a ordem medíocre que domina Brasília e a política brasileira. Não pode ser autocomplacente com a suposição de que é prisioneiro de um fatalismo político decorrente de uma correlação de forças desfavorável. Este suposto é a antessala do desleixo, das desculpas esfarrapadas, da ruína.
Todos sabemos que adiar mudanças necessárias agrava os males de um corpo político adoentado. Lula precisa fazer as mudanças no governo agora. Fazê-las no ínício do ano que vem poderá resultar na gangrena do governo. As derrotas políticas e a perda de popularidade deveriam servir de alerta acerca da urgência de proceder mudanças. Afinal de contas, quanto mais se postergar mudanças e retificação de rumos, mais crescem os riscos de uma vitória da direita em 2026
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
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Bom dia.
Zapeando a TV esse fim de semana vi, de passagem, um programa na falecida tv cultura de SP.
Café filosófico.
Exceto pela pose cenográfica de casais dispostos em mesas, garrafas de vinho e taças às mãos, como se vinho fosse erudição, o conteúdo parecia promissor.
Parecia, até o rapaz da mesa se meter a espargir comentarios sobre uma fala de Bauman.
A dissociação de política e poder.
Que logo descambou, na interpretação rasa do moço, em questões simplistas como “autoritarismos” e etc
Não dá para resumir aqui.
O fato é que o próprio Bauman chegou um século atrasado.
Marx já entenderá como o capitalismo externou o controle político das sócio reproduções do controle econômico e das relações de produção contidas no universo capital versus trabalho, naquilo que chamou de superestrutura, mal compreendida até hoje, quase sempre sequestrada por determinismos (econômicos ou economicistas).
Sim, essa dissociação entre política e poder do controle das relações de produção (onde se estrutura o verdadeiro poder) não é nova, e sabemos, se celebra no Estado, como um ente “externo” de transferência e controle do conflito de classes, e da luta de classes que é inerente a tais conflitos
Esse arranjo é o que perdurou, até que o próprio capitalismo e suas sócio reproduções começassem a ruir, não pela luta de classes e pela superposição da classe trabalhadora ao capital, mas pela transformação do capital em anti capital (juros ou capital fictício).
O governo Lula é um exemplo acabado da incapacidade da intelectualidade de esquerda em entender essa transição.
Não são apenas estas cacofonias descritas, e bem descritas por Aldo, mas é mais.
Muito mais.
As contradições não são apenas dele, o próprio Haddad, descrito por Fornazieri como um injustiçado pela base petista que preferiu aderir a desonerações da folha de pagamento, insiste em se omitir em tributar os ultra ricos, enquanto nós da classe média sustentamos os programas sociais com o confisco provido por 8 anos de congelamento da tabela do IRPF.
Mas, como dissemos, não é só isso.
O PT morreu.
A esquerda idem.
A teoria politica virou pó.
A capacidade de propor e encaminhar temas polêmicos inexiste.
Só há medo.
Lula está encurralado desde 2006.
Pior, desde 2003, quando assinou sua rendição, chamada de Carta aos Brasileiros.
Desde então, só enfeitou a me*da pós capitalista, com esmolas distributivas, e alguns programas pontuais.
Na crise de 2008, enviou quase U$ 10 bi de renúncia fiscal para GM e Ford, que depois que encheram os bolsos, fecharam fábricas pelo país.
Desde a Lei Kandir, o contribuinte brasileiro vende soja e etc para China com desconto, sem falar na água que vai de graça.
Enquanto matamos nossos biomas, chineses poupam o deles, comprando Pau Brasil por mixaria.
É isso, caro Aldo, é isso.
Mas não é só isso.
Por isso, vos digo, Fora Lula, Fora PT, enquanto é tempo.
Realmente não é só isso. Mas: “Fora Lula, Fora PT, enquanto é tempo”. Tempo para quê?… “Nós fingimos que fumos embora, mas vortemos… Ói nóis aqui outra veiz!”
“O governo não consegue comunicar quais são as suas grandes causas, os seus valores”.
Começo a desconfiar que Lula, hoje, não os tem, nem as causas, nem os valores.
Aproveitando um gancho do Nassif, eu diria que Lula, que passou a ser uma ideia no inconsciente coletivo da população pobre desse país (por baixo, uns 90% de nós), deixou de acreditar no poder mobilizador das ideias.
Porque a capacidade de mobilização das ideias está sujeito, evidentemente, às condições práticas e objetivas de tal mobilização. E essas condições não dependem dele nem da força de suas ideias, depende das condições externas para tanto. Nesse caso, o Congresso e seu patrocinador, a elite financeira, que quer manter tudo como está.
Lula já sabe disso. Sabe que o poder das ideias é absoluto apenas no plano ideal – saindo desse terreno, esse poder não tem força alguma. Não é um problema de comunicação, pois mesmo a comunicação da ideia Lula pode ser cooptada pelos meios de comunicação a seu favor. Como já faz a nossa querida Globo, por exemplo, com suas pautas de costumes avançadíssimas – o que gera prestígio inclusive entre as hostes progressistas e esquerdistas (sic) – e sua ideologia político-econômica ultraconservadora e direitista (fascista, em uma palavra) – o que passa inteiramente despercebido pelas massas (que sequer fazem ideia do que seja isso), seduzidos que estão pelo fascínio exibicionista das classes altas, e também pelas hostes progressistas e esquerdistas (sic), que parecem não fazer caso disso.
Na minha opinião, não é caso de não ter ideias ou causas, nem a incompetência para comunicá-las. É um problema da disparidade de forças entre a ação – o governo progressista – e a reação: o poder desmesurado do conglomerado de mídias conservadoras, o fascismo do Congresso e das Forças Armadas, e a força da inação da principal obra da Elite dominante nesses pouco mais de cinco séculos: a manutenção da massa da população na mais completa ignorância, e consequente ausência de senso crítico, de capacidade de entender e concatenar ideias – a ideia Lula inclusive.
Por fim, algo de que sempre senti falta nas análises da esquerda (sic) brasileira: o poder estrangeiro. O Brasil é, por assim dizer, um país monitorado; toda vez que algum governo brasileiro se movimentou numa direção progressista (progresso industrial, principal e quase que exclusivamente), a força desse monitoramento se fez sentir: Getúlio, JK, Jango, dentre outros. Às vezes, parece que conduzir o Brasil para o futuro é tão simples como fazer cinema independente nos anos 60: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Não é bem assim. A transformação da natureza para produzir bens e com isso lucrar, foi uma ideia patenteada pelos ingleses e assumida posteriormente por americanos. Qualquer um que tente se apropriar dessa ideia e com isso prosperar, terá que enfrentar o poder dessa reação. Somos exportadores de matéria-prima barata e compradores de produtos acabados caros – e assim eles nos querem. É possível escapar dessa arapuca? O futuro de russos e indianos nos dirá, e a postura que a China vier a tomar em anos próximos. Seria bom embarcarmos nesse trem, junto deles; mas, para isso, não bastam ideias, é preciso coragem. Por enquanto, permanecemos como pingentes nesse trem, ou como os surfistas ferroviários do meu tempo no Rio de Janeiro, já lá se vão mais de trinta anos. Vez por outra, um desses infelizes viravam notícia, mortos ao longo da ferrovia. O Brasil…
Pois é!… Sempre essas benditas condições externas!… Sempre essa bendita precisão de coragem!…
TENHO UMA ALMA EMPENADA
QUE NO MUNDO NÃO SE ENCAIXA
EM QUASE NADA…
E TENHO UMA FÉ MEIO EMPERRADA
QUE NA VIDA AVANÇA…
QUASE DESESPERADA!
“O esforço do ministro Haddad de onerar setores privilegiados que não pagam impostos é justo e visa reduzir as desigualdades”.
O mau é que não consigo visualizar ações de Haddad no sentido de reduzir as desigualdades. Nada além de discursar sobre a taxação dos super-ricos.
Ao invés disso, concretamente, defende o arcabouço fiscal, taxa ainda mais consumo (pessoa física). E, do outro lado, concede desonerações que beneficiam a burguesia empresarial brasileira.
Não estou a conseguir diferenciá-lo de um economista neoliberal em diversos aspectos.
Sem contar a promessa de Lula sobre abrasileiramento do preço dos combustíveis, não concretizada. Recua do que dissera e dividendos extraordinários são pagos, em benefício de acionistas privados.
Não quer conversar com professores de universidades federais, mas interage bem com Lira e Ometto.
De modo que a imagem que estou a criar de Lula III também não é muito positiva. Durante a campanha, posicionou-se à esquerda até mais do que costumava fazer, foram admiráveis discursos.
Foi eleito pois desejávamos mudanças mais profundas.
Quando se posiciona à direita do espectro político durante mandato ou assume postura derrotista perante o legislativo, a decepção aumenta.
Sei que o governo ainda está em vigor. Oxalá eu esteja enganado sobre ele ou considerem críticas como as tuas e mesmo as minhas, provenientes de um mísero cidadão comum, para ajustar seu rumo.
De fora da administração a visão, no cômputo geral, não é boa, repito. Exceto para alguns petistas mais apaixonados de meu convívio.
E provavelmente para aqueles cujos privilégios seguem garantidos, em detrimento da maioria dos brasileiros.
CADÊ MEU COMENTÁRIO?NÃO HOUVE OFENSAS !!!
Parabéns ao Aldo pela clareza, equilíbrio e precisão na análise da fragilidade desse governo.
Eu, particularmente, estou chocado com a falta de energia, a incompetência, a falta de comando, algo que vem sendo falado há tempos. Parece que o lema é o seguinte: cada um por si !! Não há cobranças, não há correção de rumos, nada. Espera-se, agora, as eleições municipais. Depois, o que mais?
O Aldo toca em um ponto da maior importância: a fidelidade de Lula não é com Camilo, Costa, Padilha, etc, é com o povão. A estrada para a vitória da extrema-direita em 2026 está construída e pavimentada. Até quando persistirá essa apatia de Lula?
Fora Lula! Fora PT!…
E “Dentro” o quê?
Discutimos muito os “quês” e desprezamos os ‘comos”.
Política é o jogo dos interesses POSSÍVEIS, debatidos e negociados. Se for um lado só, nem precisa debater e negociar. Mas não é.
O resto é roubo, traição porrada, revolução.
Aí vale tudo!
O governo não vai mal. A comunicação vai mal, muito mal. Bozo não fez nada durante 4 anos mas comunicava (e ainda comunica) muito bem. A esquerda precisa de gente “agressiva” que atropelem bozonaristas como Janones, Boulos, o Flavio Dino fazia, até Haddad fez e Silvio Almeida etc