O Iluminismo, Lula e as eleições, por Franklin Frederick

Representantes acompanham a situação do Brasil, conscientes de que as próximas eleições serão fundamentais para o futuro do iluminismo

Por Franklin Frederick

O iluminismo é um movimento de emancipação intelectual que tem contribuído de maneira decisiva para a erradicação de dogmas, superstições e narrativas fake que legitimam as hierarquias impostas e  as mais diversas formas de exploração.

Este movimento se expande vigorosamente em toda a América Latina, mas no Brasil do Presidente Bolsonaro há uma inquestionável aversão e uma hostilidade profunda ao iluminismo.   O  golpe de estado contra a presidente Dilma Rousseff foi a primeira vitória  das forças anti-iluministas que se organizaram politicamente no Brasil para impor sua agenda. Por isso, vários dos representantes mais conhecidos deste movimento acompanham com muita atenção a situação política de nosso país, conscientes de que as próximas eleições serão fundamentais para o futuro do iluminismo no Brasil. 

O iluminista francês Montesquieu, em sua recente obra O Espírito das Leis, dedica todo um capítulo ao estudo da burguesia brasileira e de seu descaso pelo Brasil. Neste livro, Montesquieu mostra com clareza como esta burguesia, cuja capital espiritual é Miami, se organizou para derrubar a presidente Dilma Rousseff e em seguida elegeu Jair Bolsonaro. Montesquieu ainda aponta como esta mesma burguesia orquestrou a recente venda da Eletrobrás. Montesquieu retrata do seguinte modo um  típico representante desta  burguesia brasileira:

“Primeiramente este homem sente que pode ser feliz, grande e glorioso sem sua pátria; e logo depois que ele só  pode ser grande nas ruínas de sua pátria.”

O abade Raynal,outro iluminista francês, fez uma denúncia contundente do genocídio dos povos indígenas da Amazônia no governo Bolsonaro em seu importante livro História das duas Índias,  Sobre Bolsonaro e seu governo o abade Raynal comenta:

“A corrupção atinge o seu ápice  quando o poder enobrece o que é vil.”

Dentre os iluministas é Denis Diderot  quem , sem nenhuma dúvida, mais tem escrito sobre o Brasil.  Diderot foi o primeiro na França a denunciar as ilegalidades da Operação Lava Jato e a perseguição contra o ex-presidente Lula  na sua Carta sobre os Cegos.  Diderot também denunciou o apoio  da grande imprensa  às  manobras do ex- juiz parcial  na Carta sobre os Surdos.

Diderot  foi o primeiro na França e talvez na Europa a alertar para o perigo de certas igrejas evangélicas brasileiras, expondo o virulento reacionarismo e a fúria anti-iluminista destas. Não é por acaso que Diderot tenha escrito a primeira biografia crítica da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, com o título A Religiosa. A Pastora Ministra, aliás, é uma celebridade na Europa: os inquisidores alemães Heinrich Kramer e James Sprenger dedicaram  a ela sua influente obra Maleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras, desejando sucesso e continuidade ao seu trabalho. Kramer e Sprenger também já anunciaram publicamente seu apoio à reeleição de Bolsonaro.

Voltaire é outro iluminista francês preocupado com a ascenção ao poder e o fanatismo de certos evangélicos:

“Uma vez que o fanatismo tenha gangrenado um cérebro, a doença é quase incurável”, afirmou este autor. E em uma de suas peças de teatro  uma personagem diz:

“Nossos sacerdotes não são o que um povo vaidoso pensa,

Nossa credulidade é toda a ciência deles.”

A  crescente intolerância religiosa no Brasil sob  Bolsonaro , com sua concomitante violência,  levou Voltaire a escrever  o seu já imprenscidível Tratado sobre a Tolerância. Diderot, por outro lado, publicou na Enciclopédia o artigo  ‘Intolerância’, onde se dirige explicitamente a algumas seitas evangélicas:

“Quando você odeia seu irmão e prega o ódio ao próximo, é o espírito de Deus que o inspira?

Cristo disse: meu reino não é deste mundo; e você, seu discípulo, quer tiranizar este mundo!”

Por fim,  Jean-Jacques Rousseau, alarmado  com a situação dos pobres no Brasil, lembrou que:

“O que é mais necessário e talvez mais difícil em um governo, é uma rigorosa integridade para fazer justiça a todos, e especialmente para proteger os pobres da tirania dos ricos.”

E em referência às tragédias com as enchentes em Petrópolis e Recife, Rousseau alertou:

“Outro ponto não menos importante é que as perdas dos pobres são muito menos reparáveis do que as dos ricos, e que a dificuldade de aquisição aumenta sempre com a necessidade.”

Montesquieu, Raynal, Diderot, Voltaire – e muitos outros – declararam seu apoio à eleição de Lula. Entre os iluministas franceses Choderlos de Laclos é o único a discordar do  voto em Lula no primeiro turno. Para este autor, ter Alckimim como vice-presidente é um erro que terá consequências graves. Laclos tornou público seu pensamento  sobre a chapa Lula-Alckimim  em seu livro As Relações Perigosas, uma advertência que não pode ser ignorada.

Da Alemanha também vieram manifestações de apoio à eleição de Lula. Georg Lichtenberg, um dos mais conhecidos representantes do iluminismo neste país, enviou ao ex-Presidente  uma mensagem simples e muito tocante por  ocasião de seu recente casamento:

“Caro Lula,

Deve-se viver em Fatrimônio.”

E Lichtenberg também informou ao ex-Presidente estar seguro de sua reeleição, pois:

“Um ser humano pode elogiar algo ruim e condenar algo bom, mas a humanidade não pode.”

É esta humanidade que, contra a ignorância, a destruição, o descaso e a intolerância,  tantos esperam ver triunfar nas próximas eleições no Brasil.

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O Espírito das Leis  de Montesquieu (1689-17559), uma das mais importantes obras do iluminismo, foi publicado em Genebra em 1748 e em 1751 foi colocado no índice de livros proibidos pela Igreja Católica. A citação de Montesquieu que eu utilizei é mesmo deste livro.

A História das duas Índias – Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des Européens dans les deux Indes – título original em francês –  do abade Guillaume-Thomas Raynal ( 1713-1796), publicada em 1770 e proibida em 1772, republicada alguns anos depois, é uma contundente e enciclopédica denúncia dos crimes cometidos pelo colonialismo. A citação utilizada é da obra L’esprit et le génie de M. l’abbé Raynal.

Denis Diderot ( 1713-1784) é um dos mais relevantes escritores do iluminismo e teve um papel fundamental na elaboração da ‘Enciclopédia’, tendo contribuído também na elaboração da História das duas Índias, A Carta sobre os Cegos foi publicada em 1749 e levou Diderot a ser preso pela censura. A Carta sobre os Surdos é de 1751.

O romance  A Religiosa foi escrito por volta de 1780, mas só foi publicado em 1792.

A citação de Voltaire (1694-1778) se encontra no artigo ‘Fanatismo’ em seu Dicionário Filosófico. A peça de teatro mencionada é o Édipo e as palavras são ditas pela personagem Jocasta.

As citações que utilizei de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) são do Discurso sobre a Economia Política, de 1755.

O romance de  Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803) As Relações Perigosas foi publicado em 1782 e é considerado uma das  melhores obras da literatura francesa do século XVIII. Laclos foi também  um defensor da educação e da autonomia da mulher.

Georg Christophe Lichtenberg (1742-1799) foi um escritor, físico, matemático e naturalista e um dos principais nomes do iluminismo na Alemanha. Suas citações foram retiradas dos seus Aforismos.

A herança literária e filosófica do iluminismo ainda é uma importante fonte de inspiração e  de alimento para nosso pensamento. E o iluminismo ainda é um aliado imprescidível nas tantas e tão necessárias lutas de nosso tempo. 

A intolerância religiosa, o racismo, as violências de gênero e a degradação ambiental são sinais  de um passado que persiste apenas porque interessa à ordem econômica dominante e à sua exploração do ser humano e do planeta.

Assim como os iluministas combateram  os dogmas religiosos de sua época, cabe a nós combater hoje os dogmas da religião neoliberal, da infalibilidade do mercado, da santidade das privatizações e da salvação pelo capitalismo.

                                                                                   Franklin Frederick

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