Por que Raquel Dodge não defendeu a liberdade de imprensa, por Luis Nassif

Antes, o MPF competia com a Defensoria da União. Agora, até o TCU é obrigado a corrigir a ausência de atuação da PGR

Dois Procuradores Gerais da República, inimigos figadais, tão diferentes e, ao mesmo tempo, extremamente parecidos no exercício político do cargo, comprovam a maneira fácil com que o Ministério Público Federal é manipulado.

Um, Rodrigo Janot, fez carreira interna como burocrata, cuidando apenas dos micro-problemas da categoria. Não se conhece um caso relevante do qual tenha participado, nem temas jurídicos que tenha desenvolvido. Foi alçado ao cargo por eleição direta, como um político empenhado em administrar as demandas da categoria, e escolhido por trabalho de colegas, influentes junto ao PT.

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Outra, Raquel Dodge, com ampla folha de serviços prestadas, grande competência técnica e, aparentemente, defensora das boas causas. Entrou na lista tríplice pelo voto dos colegas, ficou em segundo, mas foi escolhida por Michel Temer devido às suas estreitas ligações com a banda tucana do impeachment.

Janot teve pela frente um governo sem a menor noção do exercício do poder. Raquel navegou por um governo do qual ela era aliada e, depois, por um governo truculento como um sargentão de infantaria.

Janot praticou toda sorte de patifarias processuais. Vazou informações, escondeu processos, como o de Aécio Neves na Operação Norbert, aliou-se à mídia, protegendo os aliados da mídia, autorizou a divulgação dos grampos ilegais das conversas entre uma presidente da República e seu antecessor, comandou equipe da Lava Jato que foi aos Estados Unidos levar provas contra a Petrobras. Considerou-se tão poderoso que investiu decididamente contra Michel Temer, no episódio JBS. Para aceitar a bomba que lhe ofereciam, precisou até sacrificar conterrâneos queridos, como Aécio Neves. Sem o álibi PT, deu-se conta, finalmente, de seus próprios limites.

Raquel reduziu o ímpeto acusatório da Lava Jato, os shows irresponsáveis, não se sabe, agora, se por convicção legalista ou pelo fato de, esgotado o veio PT, a gana agora se voltava contra seus antigos aliados. Atuou vingativamente, levantando denúncias de bate-pronto, contra qualquer político que ousasse questionar sua atuação. Aturou os abusos da Lava Jato até o momento em que percebeu que cessara o apoio unânime dos grupos de mídia. Depois investiu pesadamente contra o bom menino Deltan Dallagnoll, mas tão pesadamente que colheu críticas até dos críticos da Lava Jato.

Agora, tenta se aproximar de Bolsonaro, decidindo correr por fora das indicações da lista tríplice. Queimou-se  com todas as facções do Ministério Público, da ultradireita religiosa, aos defensores de direitos humanos. E consagra definitivamente sua anomia calando-se ante um abuso inominável ao direito de informação, a ordem de Sérgio Moro para que o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) investigasse Glenn Greenwald.

Coube ao Tribunal de Contas da União (!) interpelar o Ministério da Justiça sobre esse abuso. Antes, o MPF competia com a Defensoria da União. Agora, até o TCU é obrigado a corrigir a ausência de atuação da PGR.

Ao mesmo tempo, os três procuradores eleitos na lista tríplice, são obrigados a tapar o nariz e se aproximar de um presidente que estimula turismo sexual, trabalho infantil, armamento da população, está ligado às milícias e aos assassinos de Marielle Franco.

Mas, como diz o bravo guru dos jacobinos, Luis Roberto Barroso, é assim mesmo.

Os jovens turcos, os concurseiros, como passaram a ser chamados, que julgaram que poderiam colocar a República de joelhos, estão caindo na real, enquanto seus ídolos saem de cena relembrando a canção de Belchior.

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito
Tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

 

Luis Nassif

13 Comentários

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  1. objetivamente ? Porque esta cooptada pela estrutura de Poder.

    O 5o Poder sempre foi assim ..sempre dividiu ..uns apoiam, outros desconstroem ..e desta dicotomia, o potencial alvo de suas atenções, críticas, reportagens ou entrevistas, preferem ficar de fora, não sendo nem tão favoráveis, nem críticos como deveriam

    às favas a teoria e os princípios ..afinal, quem sabe, com certeza, o que lhes reserva o dia de amanhã ?

  2. ´Nassif, perfeito o desfecho do seu texto. Penso que muitos procuradores devem estar meio atônitos e desconfortáveis com tudo isso, porque na verdade, nos últimos seis anos o país entrou num abismo de paroxismos que cegou as pessoas, “parecia ser verdade” aquela febre do “O PT é o satanás do país, vamos combatê-lo….”.
    Mas a febre está passando, o organismo social está recobrando fragmentos de lucidez, e isso incomoda!
    A turma que é honesta, digna, tem que estar percebendo os excessos, os crimes, os absurdos….
    Mas provavelmente se calarão por medo.
    Só em um próximo governo as coisas talvez se normalizem um pouco.
    Os próximos meses serão de muito tumulto e paradoxos.

  3. é preciso muita rua e muitq luta pra revertermos
    esse equiíbrio caótioo – 33 por cento a favor, 33
    – contra, 33 em dúvida em relação a bolsonaro e lula….
    pode demorar um pouco, o dia virá,
    mas lula livre
    deveria ser mais rapído, gente.

  4. Tenho grandes afinidades com o senhor editor,apesar de umas rezingas aqui,outra acolá.Ao final do seu correto texto,onde chega perto,mas não evidenciar de maneira e forma peremptória os níveis assustadores das cretinices praticadas por Janot e Dodge,lança mão do final da antológica música de autoria do saudoso Antonio Fontenelle Fernandes Belchior,Como Nossos Pais,imortalizada por Elis Regina.É que o acima assinado,já fez uso deste expediente umas duas ou três vezes.O nosso arks,que agora equivocadamente se apresenta como Arks Brasil(podia ser Arks Vera Cruz),está com seus arquivos mais vivo do que nunca para não me deixar mentir.

    1. Retifico:O nome correto é Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes.Também vocês querem o que?Além de um nome grande desgraçado,o Marreco de Curitiba,anos luz mais novo do que eu,esqueceu-se da porra toda.

  5. A disputa com o “bom menino” foi exatamente porque foi falado que ele seria a indicação para PGR, e pelo poder que lhe seria concedido se a fundação bilionária da Lesa-Pátria fosse autorizada.
    Sobre o silêncio, há alguns motivos:
    1 – ela pertence ao grupo tucano que já apareceu nas mensagens e certamente aparecerá em episódios mais graves – como se a intervenção de FHC em relações internacionais, se juntando ao ministério público e a magistratura para cometer um ato de guerra institucional contra país soberano, não fosse escandaloso e grave; estamos perigosamente afrouxando todos os limites e perdendo a referência de gravidade para nos adaptar a uma realidade que torna o realismo fantástico previsível e sem imaginação…
    2 – ela também pode aparecer nas mensagens em especial no período Temer, pois que a operação fez de tudo para protegê-lo, até enfrentando Eduardo Cunha com a alegação do rábula de que ele estaria chantageando o presidente da república. Não se sabe até onde vão os interesses comuns dela com a gangue Lesa-Pátria e a partir de onde deixam de ser comuns e se tornam disputa interna de poder.
    3 – essas instituições se tornaram uma ameaça à democracia, e devem ser profundamente reformadas, o que inclui uma investigação corajosa sobre sua atuação a partir do Golpe. O MPF se tornou disfuncional e não há como negar que não é só pela turma de Curitiba e suas ações entre amigos. Mas parece que ninguém está muito preocupado em elaborar planos de recuperação das instituições para o período pós-Golpe. Infelizmente, ao contrário do que pensei, essa agonia vai se estender por algum tempo, porque a sociedade foi destruída, não há reação nem perspectiva de união dos progressistas. Estamos vivendo o pior momento desde 2016 e não tenho mais esperança a curto prazo, todo mundo se acomodou e numa estabilização perigosa da opinião pública diante da precarização da vida e do Estado nacional. É triste mas é necessário reconhecer a queda antes de pensar em como se levantar. E as esquerdas? Se tornarão definitivamente débeis e irrelevantes como têm se tornado na Europa?

    Sampa/SP, 08/07/2019 – 13:24

  6. Antonio Gramsci alertou há muito tempo que é fundamental a conquista dos corações e mentes. A superestrutura jurídico política, controlada pelas classes dominantes, teria que ser combatida para que se pudesse criar um outro consenso.
    É claro que o PT, e particularmente Lula e Dilma se eximiram desta luta. Não houve nenhuma intervenção na formação dos militares que manteve o modelo herdado da ditadura.
    Não combateram o monopólio da comunicação do PIG (Globo, Estadão, etc..). Tiraram Franklin Martins e entronizaram Paulo Plim-Plim Bernardo como Ministro das Comunicações.
    Enveredaram pelo ‘republicanismo’, omitindo-se na luta pela busca da hegemonia político ideológica no poder judiciário e policial.
    Por último, afastaram-se dos movimento populares.
    Para fechar tudo isso, Dilma assumiu a política neoliberal com Joaquim Levy.
    Agora gastaremos uns 20 anos para recuperar o tempo perdido.

  7. FORA DE PAUTA:

    Sobre a vitória da seleção feminina USamericana de futebol e o posicionamento político de suas atletas, destacadamente a premiada jogadora Megan Rapinoe, que está sacudindo o debate sobre igualdade de direitos e ganhos, contra a discriminação racial e sexual. Isso é o que nos USA os torna mais protegidos quando desgovernados por direitas, extremas (partido republicano) ou disfarçadas (partido democrata): têm uma forte sociedade civil e a cultura da luta transversal e multicultural por direitos – não são um país de tradição socialista ou de esquerda – tradicionalmente identificados com mobilização por direitos – mas politizados de maneira independente, arrojada e diversificada que supera qualquer desintegração institucional – lá o pensamento de esquerda não está em partidos oficiais (o democrata há muito não pode ser assim identificado) mas difundido na sociedade de modo estimulante e criativo, e que serve de inspiração para o mundo, ainda. No Brasil não temos isso, e quais as razões? Esse é um tema que deveríamos discutir e perguntar aos especialistas e ativistas que encontraram um caminho para superar essa tendência acomodada que toma o país desde, pelo menos, a redemocratização. O que houve durante este período que desdentou a sociedade civil, especialmente dos meios urbanos e de classe média? Será que, como disse em entrevista (abaixo) David Harvey, a esquerda mundial se neoliberalizou? Como sair dessa arapura? Como recuperar o espírito revolucionário que informa todos esses movimentos dos USA e que está presente com mais integridade no movimento ambiental mundial, especialmente na Europa (Fridays for future e Extinction Rebellion) e nos USA?
    Precisamos perder a vergonha de ter utopias, desburocratizar a vida e as relações, voltar a acreditar no potencial humano para brilhar – Caetano já cantou que “gente é pra brilhar e não pra morrer de fome”. Por que não?
    Este será o século da luta contra as desigualdades e pela revolução ambiental, ou não será. O que elas têm em comum – trocadilho involuntário – é o sentido de comunidade (ver Christian Laval e Pierre Dardot), de que sozinhos e individualmente (neoliberalismo como suprassumo da mentalidade capitalista) não se resolvem os problemas da humanidade, que inclui sua separação mortífera da Mãe Natureza, a primeira e última das entidades exploradas, e a que ainda não tem reconhecida sua primazia (ainda pretendo descobrir a ligação entre as principais ideias humanistas e iluministas e a visão de integração com a Natureza).

    U.S. Women’s Soccer Team Wins World Cup, Rebuking Pay Discrimination and President Trump (em tradução livre: “Time feminino USamericano de futebol vence a Copa do Mundo, rejeitando discriminação salarial e presidente Trump)
    https://www.youtube.com/watch?v=JuefAnTfAGs

    David Harvey: The Persistence of Neoliberalism Despite its Loss of Legitimacy (1/2) (em tradução livre: “David Harvey: a persistência do neoliberalismo apesar de sua perda de legitimidade”)
    https://www.youtube.com/watch?v=KvPNOp97x-k

    David Harvey: The Limits of Social Democracy and of the Welfare State (2/2) (em tradução livre: “David Harvey: os limites da social democracia e do estado de bem estar social”)
    https://www.youtube.com/watch?v=5w-Lu5czbk0

    Caetano Veloso – Gente (para todas as jogadoras de futebol, as vencedoras dos USA e as que brilharam com ou sem troféu, como a nossa Marta; o esporte não pode ser só um negócio!)
    https://www.youtube.com/watch?v=nrzYbc3rWzc

    Sampa/SP, 08/07/2019 – 14:32

    1. A chance de o Brasil ser sacudido da letargia: nossos colegas europeus, reconhecendo nossa importância cultural e ambiental para o mundo, nos estendem a mão, da Unesco homenageando a grandeza e universalidade de João Gilberto, aos movimentos políticos da Europa vendo em nós parceiros importantes para a revolução que se faz urgente. Abaixo, palestra de ativista europeu que menciona o Brasil (minuto 9:58) como país a ser contatado em busca de uma “solidariedade internacionalista”, e o grego Yanis Varoufakis que diz em seu vídeo de agradecimento pela eleição na Grécia que em breve haverá encontros dos Progressive International, do qual o Brasil faz parte com nosso Haddad. Se aqui estamos dispersos, a ajuda internacional pode nos ajudar a sair de nossa inércia cansada de guerra.

      An introduction to XR Internationalist Solidarity | Extinction Rebellion (em tradução livre: “uma introdução à Solidariedade Internacionalista do Extinction Rebellion”)
      https://www.youtube.com/watch?v=OZPp9Y60-zQ

      The results are in! Message from Yanis Varoufakis, newly elected Greek MP | DiEM25 (em tradução livre: “os resultados chegaram! Mensagem de Yanis Varoufakis, recém eleito Membro do Parlamento Grego”)
      https://www.youtube.com/watch?v=PuMbL_vXeFo

      Sampa/SP, 08/07/2019 – 16:18

      1. A redundância da “ajuda internacional que pode nos ajudar” é tanto falta de revisão quanto o ato falho do quanto estou sentindo que estamos abandonados, precisando de doses extras de apoio e de esperança de que não estamos sozinhos nessa guerra.
        A ajuda internacional pode acima de tudo recuperar nossa auto-estima, nos relembrar do que somos e do que representamos para o mundo, para ampliar nossos horizontes de ação conjunta e de apoio mútuo para sair do beco sem saída das esquerdas nacionais dispersas, nos vermos como parte de uma cenário maior tanto dos problemas quanto do esforço mundial a que podemos nos unir para vencer uma doença, a desumanização e a desnaturalização, que são uma questão existencial da humanidade, ainda que aqui seja agravada pela baixa imunidade cívica inoculada nos últimos anos, especialmente, por uma mídia criminosa, pervasiva e hipócrita. Para nos lembrar de que nunca estamos sozinhos.

        Sampa/SP, 08/07/2019 – 17:01

  8. Diante de todos o fatos comprovados, o que podemos podemos perguntar? : será que o próximo pleiteante ao cargo máximo do Executivo, em caso de ótimas chances – mostrada através das pesquisas preliminares – será ele a PRÓXIMA VÍTIMA, caso seja contrário em atitude e pensamento quanto aos que ora estão decidindo QUEM PODE e QUEM NÃO PODE?, eis uma questão que coloca em dúvida o verdadeiro sentido da DEMOCRACIA, digo como leigo que sou pq os verdadeiros GUARDIÕES da mesma parecem não se importar, claro que não são todos. É um fato que eu como brasileiro tenho que me preocupar, por isso com muita tristeza e contrariedade faço o desabafo! !!

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