Relação íntima entre Barroso e Lava Jato pode motivar suspeição no caso Hardt

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Juristas consultados pelo GGN acreditam que proximidade poderia ensejar o impedimento de Barroso

Quem assistiu à retomada do julgamento da juíza Gabriela Hardt no dia 20 de fevereiro, no Conselho Nacional de Justiça, pôde notar a defesa intransigente que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, fez na tentativa de convencer seus colegas a arquivarem uma reclamação disciplinar contra a magistrada. Se a posição de Barroso prevalecer, outras investigações envolvendo o papel de Hardt na famigerada Fundação Lava Jato podem ser prejudicadas, alertou o ministro Luís Felipe Salomão.

Nesse primeiro embate no CNJ – que será retomado no dia 5 de março – Barroso chamou Hardt de “moça”, pediu “empatia” com a juíza, defendeu sua honra e seu direito de praticar “atos jurisdicionais” sem sofrer “represálias”; falou também que a magistrada é vítima de “vingança” e demonstrou preocupação com a “exposição midiática” que Hardt sofre em virtude de sua atuação na Lava Jato.

“O presidente do CNJ fez uma defesa apaixonada da parte que estava sendo julgada, a juíza Gabriela Hardt, o que se coaduna com a lealdade que sempre manteve em relação aos procuradores da Lava Jato, especialmente Deltan Dallagnol”, disse ao GGN um jurista que prefere manter o nome preservado.

A boa vontade de Barroso com a Lava Jato não é nenhuma novidade. A relação de proximidade entre o ministro do Supremo Tribunal Federal e expoentes da Lava Jato já foi revelada em reportagens publicadas em diversos veículos. O site The Intercept Brasil mostrou, por exemplo, que o ex-procurador Deltan Dallagnol e ex-juiz Sergio Moro foram convidados para um jantar intimista na casa de Barroso.

Vários diálogos apreendidos na Operação Spoofing retratam Barroso como um aliado da Lava Jato no Supremo. Dallagnol, em uma das mensagens de Telegram que foram hackeadas por Walter Delgatti, disse que Barroso contava com os procuradores como sua “tropa auxiliar” para embates no Supremo.

Em 2023, a partir de um lote inédito de mensagens da Spoofing, este GGN mostrou que, segundo Deltan Dallagnol, Barroso respondia suas ligações e mensagens para tratar dos interesses da Lava Jato no Supremo.

Então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol teria recebido orientações de Barroso sobre como proceder em ações que chegariam ao Supremo. Deltan teria procurado Barroso também para evitar que Gilmar Mendes ou Dias Toffoli – ministros mais críticos da Lava Jato – tivessem influência sobre distribuição de processos e nomeação de conselheiros no CNJ e Conselho Nacional do Ministério Público.

Barroso tem afirmado que não comenta o mérito e nem considera em seus julgamentos as conversas da Vaza Jato, as quais considera fruto de “ação criminosa”.

A possível suspeição de Barroso

A lei 9.784/99, em seu artigo 18º, diz que é impedido de atuar em processo administrativo federal o servidor ou autoridade que “tenha interesse direto ou indireto na matéria”.

Juristas consultados pelo GGN acreditam que a relação de Barroso com a Lava Jato poderia ensejar um pedido de suspeição e eventual afastamento do ministro.

“A mera proximidade, eventual manifestação de apoio ou apreço ao trabalho realizado [pela Lava Jato] não seria um motivo para fundamentar um pedido de suspeição para impedi-lo de julgar reclamações envolvendo figuras da Lava Jato, desde que essas manifestações fiquem dentro do aceitável ou razoável. Se, entretanto, as conversas revelassem uma adesão acrítica ao trabalho desenvolvido e implicassem num ‘conte comigo, ‘estamos juntos’, ‘vamos impedir qualquer tentativa de atrapalhar o trabalho de vocês’, claro que, nesse contexto, o ministro não seria imparcial para julgar os membros da Lava Jato no CNJ”, disse uma fonte consultada pela reportagem em caráter reservado.

Por outro lado, a mesma fonte ressalvou que nas conversas protagonizadas por Deltan Dallagnol, “são poucas as mensagens do ministro para ele. A referência a Barroso é sempre indireta (‘falei com ele’, ‘ele disse que…’). Para configurar uma causa robusta de suspeição, teria que haver conversas do ministro com eles”.

À reportagem, a advogada Tânia Mandarino, do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, avaliou que existem, sim, fundamentos para provocar um pedido de suspeição de Barroso no caso Hardt. Porém, ela explicou que há um obstáculo a ser considerado.

“Têm legitimados para pedir essa suspeição. No caso, teria de ser manejado numa peça que se chama incidente de suspeição. No CNJ, quem pode manejar o incidente são os autores da representação [disciplinar contra Hardt] – Gleisi Hoffmann e os parlamentares do PT. Acontece que existe na lei o prazo de 15 dias depois que tomou conhecimento de um fato para arguir a suspeição. Senão, os juízes alegam que é intempestivo. (…) Acho que não tem mais tempestividade, mas penso que Gleisi e demais parlamentares deveriam, sim, arguir“, disse Mandarino.

O processo contra Hardt

O CNJ retoma na próxima terça (5/3) o julgamento da reclamação disciplinar que questiona a conduta imprópria de Gabriela Hardt, na condição de juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, ao homologar um acordo posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

O acordo foi assinado entre os procuradores de Curitiba e a Petrobras, dando vida à chamada “Fundação Lava Jato”, usando recursos que retornaram ao Brasil a partir de um acordo-mãe assinado pela petroleira com os Estados Unidos. A bagatela que seria injetada na fundação privada, em valores atualizados, chega a R$ 5 bilhões.

Os efeitos da homologação foram anulados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que chamou o acordo de “ilegal” e “imoral”. No CNJ, Barroso manifestou opinião um tanto mais amena: disse que a fundação privada foi uma “ideia infeliz”, mas ressalvou que os procuradores já fizeram um “mea culpa” e que nenhum dinheiro foi movimentado ou desviado por eles para fins pessoais.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Que absurdo do ministro do STF Luís Roberto Barroso,todos viram como procedia está juíza, era aliada de Sérgio Moro e também é de Bolsonaro, cadê a imparcialidade para fazer suas colocações no CNJ ? Fazia parte da turma de Curitiba, com Dallagnol e procuradores, o ministro deve ser impedido de atuar neste processo.

  2. Eu entendo que a suspeição já está visivel e bastante escancarada, para quem quiser enxergar.
    Portanto, se o ministro não se declarar alguém tem que fazê-lo, para mostrar que a justiça ainda tem salvação.

  3. A correição no Tribunal de Curitiba , foi paralisada e não avançou , quanto ao destino do dinheiro arrecadado com os acordos de leniência . Bilhões evaporaram sem deixar rastro.
    Ora , sabemos que uma investigação deste porte , só para quando tem alguém ou instância superior que impede seu avanço , para que não se chegue aos destinatários do dinheiro , ou seja , aos mandantes do crime.
    Alguém ou alguns , detiveram esta investigação. É fato . Quem , quais superiores colocaram o ” pé na porta” para que ela não se abrisse ? Eis a questão !!!

    1. Fachin desde sempre foi o sergiomorismo encarnado… Mendonça e Nunes Marques sao dois aspones da extrema-direita e Dallagnol ja dizia: “in Fux we trust”. Gilmar resolveu sustar nomeação de ministro da Casa Civil em decisão monocratica. A composição atual do STF ta envolvida ate o pescoço com a criminalidade togada.

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