Barroso pede “empatia” com Gabriela Hardt e tenta blindar juíza em julgamento no CNJ

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Está em jogo a possibilidade de Hardt jamais responder, neste ou em outros processos, pela homologação da Fundação Lava Jato

O ministro Luis Roberto Barroso e a juíza Gabriela Hardt. Fotos: CNJ/Ajufe
O ministro Luis Roberto Barroso e a juíza Gabriela Hardt. Fotos: CNJ/Ajufe

Está marcada para a próxima terça-feira, 5 de março, a retomada do julgamento de uma representação disciplinar contra a juíza Gabriela Hardt que parlamentares do PT apresentaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Presidente do colegiado, o ministro Luís Roberto Barroso – uma das vozes mais ativas em defesa da Lava Jato nos últimos anos – joga duro para que a representação seja arquivada.

O eventual arquivamento dessa representação terá implicações relevantes. O que está em xeque é a possibilidade de Gabriela Hardt jamais vir a responder, neste ou em qualquer outro processo, por ter homologado o acordo “imoral e ilegal” – nas palavras do ministro Alexandre de Moraes – que daria vida à famigerada Fundação Lava Jato.

O acordo foi assinado entre os procuradores de Curitiba e a Petrobras, envolvendo parte da multa que a petroleira aceitou pagar às autoridades dos Estados Unidos para se livrar de processos naquele país.

Na sessão realizada no CNJ no último dia 20, Barroso deixou claro qual é sua posição. Para ele, Hardt apenas homologou um acordo cujos termos foram acertados não por ela, mas pelos procuradores de Curitiba, numa época em que a Lava Jato desfrutava de “prestígio” na sociedade.

“Vingança” contra Hardt

Barroso manifestou que Hardt seria alvo de “vingança” e da “mudança de ventos” que a Lava Jato sofreu nos últimos anos. O ministro pediu “empatia” com a juíza Hardt. Ressaltou também que não há provas de que ela tenha recebido vantagem indevida ou desviado recursos do acordo – a bagatela de R$ 5 bilhões em valores atualizados.

“Conselheiro Bandeira, com um pouquinho de empatia, vossa excelência vai ver a situação dessa moça. Desde 2019 paira sobre ela, uma juíza, um processo administrativo disciplinar cujas consequências podem ser graves. (…) Ninguém na vida deve estar sujeito a ficar quatro anos sob um inquérito que não termina”, disse Barroso, preocupado com a “cobertura midiática expondo essa moça que homologou um acordo, não desviou dinheiro, não. Homologou um acordo.”

Na tese de Barroso, condenar Hardt por ter homologado um acordo – um ato que ele considera meramente jurisdicional – seria um precedente perigoso, pois outros juízes ficariam com medo de sofrerem represálias no exercício da magistratura.

Além disso, mesmo reconhecendo que o acordo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e que Hardt era incompetente para tê-lo homologado, Barroso argumentou que nada disso configura “infração disciplinar”.

“No dia em que nós dissermos que decisão proferida por juiz incompetente é infração disciplinar, não haverá CNJ que dê vazão, porque todos os dias têm dezenas de decisões considerando juízes incompetentes. Incompetência não é infração. (…) Todos os dias declaramos decisões de juízes de direito inconstitucionais, mas isso não é infração, por mais grave que seja.”

Trecho da sessão do CNJ em 20/2/24. Barroso pede “empatia” com a juíza Gabriela Hardt e marca posição firme quanto ao arquivamento da reclamação disciplinar, alegando que não se pode esperar que outras provas surjam contra a juíza.

Tentativa frustrada

Duro e firme na sua posição, causando até a surpresa dos demais pares, Barroso refutou a tentativa de três conselheiros de se chegar a um acordo para que a representação não seja arquivada, mas sim juntada ao trabalho da correição extraordinária que o corregedor Luís Felipe Salomão conduz na 13ª Vara de Curitiba e na 8ª Turma do TRF-4.

A correição investiga, entre outras coisas, o destino dos recursos angariados pela Lava Jato em acordos de leniência e delação. Salomão alertou ao CNJ que as informações preliminares apontam que as condutas investigadas são graves e podem ensejar um processo administrativo disciplinar (PAD) contra Hard.

Salomão até arriscou uma proposta a Barroso: “Se eu me comprometer, em dois meses, a trazer o caso dela [em andamento na correição] para [o CNJ decidir se quer] abrir ou não abrir o PAD…”

Mas Barroso rejeitou de pronto a hipótese, dizendo que a única composição possível é: terminar o julgamento da representação em trâmite no colegiado desde 2021, que já acumula 8 votos pelo arquivamento. E reabrir esse mesmo caso no futuro, mas somente se a corregedoria encontrar provas de possível crime dolosamente praticado por Hardt.

“O que vossa excelência vai apurar não é incompetência e inconstitucionalidade. O que vossa excelência vai apurar na correição é se essa juíza teve alguma motivação ilegítima para homologar o acordo. Se vossa excelência apurar isso, é fato totalmente novo, que justifica a reabertura. Agora, não concluir esse julgamento porque vossa excelência está procurando ver se acha alguma coisa errada, com todo respeito…”, disparou Barroso.

Investigação prejudicada

Salomão explicou que se a representação em julgamento no CNJ for arquivada, o que está sendo apurado sobre a conduta de Hardt no âmbito da correição ficará prejudicado, porque uma pessoa não pode ser investigada pelos mesmos fatos em mais de um processo. Logo, não se sustenta a solução apresentada por Barroso para induzir o plenário a concordar com o arquivamento.

“Eu não estou propondo a punição da juíza, eu estou propondo que não seja arquivado, porque se isso for arquivado aqui, vai me atrapalhar a investigação”, disse Salomão na última sessão no CNJ sobre o tema. “Se for arquivada essa aqui, impede o prosseguimento da reclamação [derivada da correição], isso é obvio, porque são os mesmos fatos”, explicou Salomão.

Sem acordo sobre o prosseguimento ou não do julgamento, a sessão foi suspensa por um pedido de vistas.

Fundação Lava Jato

A fundação Lava Jato só não saiu do papel porque, na ADPF 568, o ministro Alexandre de Moraes decidiu, monocraticamente, que o dinheiro pertencia aos cofres da União, e não a uma fundação privada, muito menos uma que seria constituída sob a batuta dos procuradores de Curitiba.

Moraes chamou aquela manobra de “imoral” e “ilegal”. No CNJ, Barroso chamou de “ideia infeliz” e ressalvou que os procuradores já fizeram “mea culpa” e que, para todos os fins, nenhum dinheiro foi movimentado.

A representação contra Gabriela Hardt no CNJ por causa da Fundação Lava Jato foi feita por uma bancada de parlamentares do PT, que ingressou primeiro na corregedoria do TRF-4 – que deu vitória a Hardt – e, depois, recorreu ao CNJ para que se apure se a juíza cometeu infração disciplinar ao homologar um acordo inconstitucional e cuja competência não era da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Ignorando o entendimento do ministro Alexandre de Moraes sobre a imoralidade e ilegalidade do acordo, oito conselheiros do CNJ votaram, em 2021 e 2022, pelo arquivamento da representação contra Hardt. O julgamento está parado por mais de um ano e meio – o que tem sido citado por Barroso como razão para acelerar sua tramitação agora. A pressa impedirá que o plenário do CNJ tenha contato com os resultados da correição na 13ª Vara.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

23 Comentários

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  1. A imoralidade só é aceita quando cometida por tarados, ocorre que, o tarado tem ramos um é distorcer os fatos aí é o Barroso se destaca é um Imoral.Chega de passar pano “iluministas”, como diz o Nassif!

  2. A hipocrisia sempre ressurge para contradizer seus usuários. Quando quiseram impedir Lula de disputar as eleições de 2018, duvidosas autoridades do judiciário condenaram ele baseados simplesmente em indícios. Agora, tentam através do ministro Barroso, transformar a “corda do indício” que quase enforca o inocente Lula em um frágil elástico, que as supostas autoridades podem tentar moldar, a de bel-prazer, para livrar,em estilo corporativista, um de seus pares de profissão que, deste sim, foi encontrada a prova inquestionável.
    É só uma moça – dizem.
    Que as autoridades lembrem que no rejulgamento da Revisão da Vida Toda existem várias vítimas que estavam moças, quando foram violentadas em suas contribuições previdenciária fazem mais de 30 anos.
    Hoje são senhoras idosas, ainda violentadas, mas que esperam o mesmo esmero que as autoridades prestam moça juíza Gabriela Hardy.

  3. O CNJ é um órgão colegiado. Cada membro dele tem apenas um voto. E nenhum deveria tentar constranger os colegas a votar dessa ou daquela maneira. Se quer atuar como ADVOGADO da juíza lavajatista picareta, Luis Barroso deveria pedir exoneração do STF e sair do CNJ. Caso contrário, em tese ele pode ser até acusado de praticar advocacia administrativa (crime grave de acordo com o Código Penal).

  4. Tadinha da Gabriela, que barra!!! Capaz de ser punida com uma gorda aposentadoria. Uma crueldade receber milhares de reais sem trabalhar. A gente se comove. Ministro Barroso, feito de barro e vaselina vai fazer passar.

  5. Barroso já se disse garantista e já bateu palmas para o punitivismo. Garantismo para os que acha que são de sua casta e punitivismo para os demais. Mas agora com Hardt não é garantismo nem punitivismo é simplesmente proteção. Chamar as acusações contra Hardt de vingança é retórica bolsonarista, argumentar que já que o crime não foi concluído, não houve crime, também é retórica bolsonarista. Nâo é a primeira vez nem a última que Barroso vai defender os que acha ungidos. Para ele Moro, Dallagnol e Hardt são apenas jovens que merecem mais uma chance. mas

    “O ministro Roberto Barroso votou contra a concessão do habeas corpus ao ex-presidente Lula, portanto, a favor da prisão imediatamente após fim dos recursos no TRF-4.

    O julgamento aconteceu no dia 4 de abril de 2018. Por 6 votos a 5 o STF negou o habeas corpus a Lula. Com a decisão, Lula poderá ser preso a partir do final de abril ou início de maio.”

    A única coisa em comum nos dois casos é que em ambos Barroso não trabalha com as provas e evidências.

  6. Incompetência é um termo muito usado contra as mulheres muitas vêzes usados para passar a mão na cabeça: não foi má fé foi apenas incompetência. Neste caso me parece que o termo é usado de forma misógina e paternalista. Tenta criar uma empatia. No entanto uma suposta incompetência foi usada de forma misógina para causar o impeachment de Dilma. Curiosamente Barroso na ocasião não pediu nem empatia nem disse que não era crime

    1. Incompetência no sentido jurídico tem outro significado; O juiz incompetente é aquele a quem por motivos legais e processuais não compete julgar uma causa. Suas atribuições não alcançam aquela matéria, ou aquele foro. e é atribuida ao Juizo em geral, e não especificamente a um juiz ou juiza.

      1. âmbar você tem toda razão, o termo incompetência juridicamente é usado nesta acepção que você mencionou. Mas resolvi brincar com as palavras. Isto é uma prerrogativa minha, embora seja incompetente como juiz. Eu me recordo da sentença que foi um copy and paste de uma sentença de Moro, isto significa que ela julgou de forma incompetente um caso que não era de sua competência. Além do mais eu fico na dúvida se um juiz é incompetente por não saber se um caso não é da sua competência mesmo quando infringe a lei e assina uma maracutaia monstro. Será que eu devo atribuir incompetência ou incompetência passa a ser uma desculpa.

        1. Não fique na dúvida: um juiz que não sabe se um caso é de sua competência e o julga infringindo a lei ou confirmando uma maracutaia NÃO É INCOMPETENTE, é incompatível com a carreira jurídica, é mal formado enquanto acadêmico e operador do direito e UM CRIMINOSO no exercício da função pública. A misericórdia é por conta do Barroso que pode, eventualmente participar de uma dessas “qualidades”.

  7. Está certo o Barrento.
    Devemos ter “empatia” Com a juíza.
    Do mesmo tipo que ela demonstrou em favor de um cidadão preso sem culpa formada.
    Um tal de LULA.

  8. “Se continuar nesse tom…”
    Reprimenda inesquecível e marco de uma Justiça instrumentalizada por uma farsa que segue relutante em se assumir como tal.
    Dizia minha avó fiel noveleira diante de uma atuação suspeita: “quanta canastrice!”

    1. Quando assisti esse “se continuar com esse tom”, torci muito para o Lula (já preso) responder à ameaça da juiza algo como:
      “Por que? A meritíssima vai me prender?”…

  9. Assim seguimos, hora aparece um Moro e seus seguidores mostrando a cara real do Judiciário, hora aparece um Barroso passando a mão na cabeça da juíza flagrada cometendo crimes na 13 vara, hora aposentam outro juiz por irregularidades e assim o Brasil vai cumprindo a sina do subdesenvolvimento.

    1. Se uma “juíza” não souber o que é certo e errado nunca deveria ter sentado na cadeira mais alta. Sabia o que estava fazendo sim, e o fez….deve sim ser punida. Lamentável um ministro do STF querer passar paninho numa cisa gravíssima como essa

  10. Os exemplos são vários deste co-juiz (c/Fux, Fachin…) lavajatista. Declarações politicas infelizes, o convite não solicitado às FFAA nas eleições e agora essa. Sem querer ser “poeta”: Barroso, o desastroso …

  11. Se uma “juíza” não souber o que é certo e errado nunca deveria ter sentado na cadeira mais alta. Sabia o que estava fazendo sim, e o fez….deve sim ser punida. Lamentável um ministro do STF querer passar paninho numa cisa gravíssima como essa

  12. Nossa Ministro Barroso o Senhor desta vez acendeu uma vela, para Deus e outra para o Diabo explico: o Senhor é acusado pelos bolsonaristas de ter, politizado o STF, quando disse: “perdeu Mané”. Acredito eu que, o Senhor acertou em dar uma “espetada”, nesses Manés mas, logo vem a vela pro Diabo quando o Senhor, tenta blindar e proteger esta juíza fascista, preconceituosa e parcial, que com suas decisões orientadas por Moro, jogou a justiça, na latrina. Pena que o Senhor não deu importância a isto.

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