Série “O caso Celso Daniel” expõe uma Promotoria ao estilo Lava Jato: muita convicção e pouca prova

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Se a tese de crime encomendado tivesse prevalecido, como queria o MP, este teria sido um dos "maiores erros" da história do Judiciário brasileiro

Quem assistiu “O Caso Celso Daniel”, da GloboPlay, deve ter notado que a série fez um esforço hercúleo para parecer “neutra” na reconstrução do crime que completou 20 anos em fevereiro passado. O objetivo, como os produtores já disseram em várias entrevistas, era expor os dois lados da moeda e deixar o expectador formar seu próprio juízo de valor – como se a verdade fosse mera questão de opinião.

A produção já foi muito criticada (veja aqui e aqui) pelo modo como buscou atingir essa pretensa imparcialidade. Dar o mesmo peso ou espaço para vozes só porque são antagônicas – mesmo quando algumas delas atentam contra os fatos – pode ter sido “irresponsável”, como escreveu o cineasta Eduardo Escorel, mas essa estratégia ao menos serviu a um propósito: mostrou como a narrativa do Ministério Público – que foi o principal vetor da tese de “crime de mando” – parece frágil perante o trabalho das polícias Civil e Federal, que concluíram pelo “crime comum”.

Relembre os principais fatos do caso Celso Daniel
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O GRANDE MÉRITO DA SÉRIE

No saldo dos 8 capítulos, chama atenção que a série limpa parcialmente a imagem do empresário Sergio Gomes da Silva, o Sombra, amigo de Celso Daniel que passou anos sendo apontado pelos entusiastas do “crime político” como o mandante do sequestro e morte, mesmo que ele tenha se declarado inocente.

O assassinato de reputação se conecta à fala definitiva do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro de Lima, um dos entrevistados na série. Para ele, se Sombra tivesse sido condenado pelo tribunal do júri como o mandante do crime, junto com os sequestradores de fato, este teria sido um dos “maiores erros” da história do Judiciário brasileiro.

Isso poderia ter ocorrido, pois a opinião pública, àquela altura do julgamento, já estava contaminada por uma mídia que se envolveu e ajudou a desmoralizar Sombra desde o início.

Sombra só não foi julgado no júri popular, como mentor do sequestro, porque seu direito à ampla defesa foi cerceado logo no início do processo, e sua defesa conseguiu no Supremo Tribunal Federal um recurso que impediu o veredicto.

O problema é que Sombra foi praticamente declarado culpado por outro tribunal: o da grande mídia.

O MP, então, conseguiu condenar e prender Sombra em outro processo, sem elo comprovado na Justiça com a morte de Celso Daniel. O processo era sobre corrupção nos contratos do transporte público de Santo André. A série infelizmente não mergulhou fundo neste outro julgamento, restringindo-se aos fatos relativos ao assassinato do ex-prefeito, sempre temperados com acusações sobre o caixa 2 do PT.

O CRIME COMUM

Envolto em teorias da conspiração, o assassinato de Celso Daniel teve duas versões oficiais: uma acusando “crime comum” e outra sobre “crime de mando” ou encomendado.

Segundo exibido na série, ao menos 4 inquéritos – 1 da Polícia Federal e 3 da Polícia Civil sendo que o quarto deles foi uma revisão das primeiras investigações – todos eles concluíram que se tratou de crime comum.

Em fevereiro de 2002, ano em que fora encarregado de coordenar a campanha de Lula à Presidência, Celso Daniel foi levado por uma quadrilha de sequestradores que o elegeram pelo carro de luxo que ocupava na condição de passageiro. Ele voltava de um jantar na capital com Sombra, dono do veículo blindado, poupado pelos sequestradores.

Enquanto as investigações da Polícia Civil, apontando crime comum, são contadas com riqueza de detalhes pela série da GloboPlay, o lado do crime encomendado por motivações supostamente políticas é composto apenas pela fala dos promotores, mera reprodução de testemunhos desqualificados ao longo da própria série.

Impossível não traçar um paralelo com a força-tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato, que, ao denunciar Lula no chamado “caso tríplex”, expeliu aos olhos e ouvidos da imprensa nacional e internacional aquela pérola – “não temos provas, mas temos convicção”.

Pelo menos do modo como foi apresentada na série da GloboPlay, a tese de crime de mando mais pareceu com uma colcha de retalhos costurada a partir de conexões frouxas entre as personagens, algumas até irrelevantes para o processo ou mesmo sem credibilidade.

Para se ter ideia de onde o MP foi cavar: uma de suas testemunhas era chamada de “Maria Louca” pelos policiais. Era uma mulher de bairro periférico que sempre ligava para as autoridades acusando figuras locais de responsabilidade pelos crimes que ela assistia na televisão.

O CAIXA 2 DO PT

Um ponto crítico na série, portanto, é o conjunto de provas que sustentaram a versão do Ministério Público. A versão das polícias, de crime comum, prevalece e é constantemente reforçada por entrevistas de policiais e jornalistas que reafirmam – até com certo grau de impaciência – a soberania dos inquéritos policiais.

Para os entusiastas do “crime político”, o que resta é uma espécie de mea culpa de um petista graúdo, o ex-ministro Gilberto Carvalho, que admitiu em vários episódios que havia caixa 2 do PT em Santo André, provavelmente operado por Sombra numa época em que, segundo o petista, as relações promíscuas entre política e empresariado foram naturalizadas.

Em defesa do partido, Carvalho disse que o PT jamais anuiu com desvios para enriquecimento pessoal de quem quer que seja.

Fato é que, ao final dos 8 capítulos, o elo formal entre o caixa 2 do PT – sendo ou não de conhecimento de Celso Daniel – e a morte do ex-prefeito não é estabelecido, porque nunca foi comprovado na Justiça.

Para desmoralizar em definitivo a versão do “crime político”, a série da GloboPlay explicou a relação do PT com o empresário Ronan Maria Pinto (dono de linhas de ônibus e do jornal Diário do Grande ABC). Essa relação foi explorada a partir de um depoimento de Marcos Valério a Sergio Moro, na Lava Jato.

Em busca de um acordo para sair da cadeia, Valério afirmou que Ronan supostamente teria chantageado Lula e o PT para receber dinheiro em troca de não implicá-los na morte de Celso Daniel. Outra “delação”, como muitas na Lava Jato, desprovida de provas de corroboração.

O PT colocou figuras para interceder em benefício de Ronan com um empréstimo milionário do banco Schahin. Só que o dinheiro não teria sido para “comprar o silêncio” de Ronan, ao contrário do que dizem figuras como a senadora Mara Gabrilli (herdeira da família que rivaliza com os negócios de Ronan em Santo André).

A série da GloboPlay mostrou outra versão: o PT teria ajudado Ronan a comprar o Diário do Grande ABC no intuito de exercer influência editorial sobre o jornal (e, de fato, o partido indicou jornalistas para trabalhar lá). Tudo fazia, segundo a série, parte de um plano do PT para fazer frente ao tucanato paulista por meio dos veículos de comunicação.

O empréstimo foi investigado na Operação Carbono 14, sob a batuta de Moro, mas a série não fez essa contextualização. À época, em meados de 2016, a Lava Jato prendeu Ronan e outros envolvidos e até prometeu descobrir quem matou Celso Daniel, mas falhou na missão. Seria difícil não contar esse episódio sem expor Moro a críticas, afinal, ele não tinha competência para julgar o caso. Não à toa, o Superior Tribunal de Justiça anulou o processo e remeteu os autos para a Justiça Eleitoral.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Lembro do caso Amanda Knox. Parece que Netflix fez mesma coisa com ela. Colocou em dúvida a sua inocência. Ela foi vítima de um delegado cheio de convicções e uma mídia sedenta por um culpado. Mesmo como assassino aparecendo e dizendo que ela nada tinha com o caso, o delegado não sossegou e ele mudou o depoimento indicando Amanda como mandante (semelhança com Lava Jato?). E o processo com provas contaminadas e mais de 60 erros na perícia. Passou 3 anos na cadeia e foi finalmente inocentada mais de 10 anos depois. A mídia ainda não se conforma de estar totalmente errada.

  2. Grande parte da Mídia e Imprensa fazendo a vez de Advogado das Elites Esquerdopata-Fascistas é impagável. Revelam todo estrume da Cleptocracia destes 92 anos que foram escondidos e omitidos pela Doutrinação e Revisionismo Histórico. Os Grupos Terroristas, Jagunços e Assassinos de Aluguel que fizeram a construção da mediocridade de Nação Terceiro Mundo, Paiseco, Anão Diplomático que outrora Vanguarda da Humanidade até 1930. As “Desculpas” escancaram Filinto Muller, Gregório Fortunato, João Alcino de Nascimento, Luiz Prestes, Olga Benário, Marighella, Lamarca, Tenório Cavalcanti, Bejo Vargas, Sombra, Adélio Bispo entre tantos Assassinos da Cleptocracia. As desculpas apenas revelam o terror pela descoberta da verdade. O Brasil que vai se libertando da Bandidolatria, Justiciamentos e Queimas de Arquivo como o Massacre da Castelinho/Sorocaba, Ataque Terrorista contra Bolsonaro, Celso Daniel, Toninho do PT e tantos outros. A Verdade é Libertadora.

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