Tática de guerra: EUA sangra Venezuela alimentando esperanças da oposição

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Para chegar ao colapso de violência, polariza-se, no campo do imaginário popular, que se os EUA interfere por Guaidó, a Rússia o faz por Maduro

Fotos: Redes Sociais/Prensa Venezuela

Jornal GGN – Desde o início do regime chavista, os interesses de geopolítica dos Estados Unidos estiveram com os olhos postos na Venezuela, pressionando por uma mudança do governo bolivarianista, o que aumentou nos últimos anos com a pressão direta pela derrocada de Nicolás Maduro. A estratégia dos últimos dias da Segurança Nacional e do Estado de Donald Trump tem sido alimentar a “resistência” às custas de violência e mortes, para um terreno propício à intervenção.

Entre os métodos, o de polarizar, ao outro extremo, de que a interferência não ocorre somente na aresta neoliberal, mas também com uma suposta intervenção direta da Rússia, a favor de Maduro. Foi o líder da oposição e interessado em assumir o comando da Venezuela, Juan Guaidó, que até dezembro do ano passado era um simples deputado de oposição, que alimentou a tese de que a Rússia estaria interferindo nos assuntos internos do país latino.

A denúncia foi feita após dois aviões militares russos desembarcarem no país, no dia 24 de março. Mas a chegada dos aviões ocorria em meio a dois outros fatores: a já visível interferência dos EUA, começando pelo apoio junto a países aliados na América Latina, principalmente, os fronteiriços Colômbia e Brasil, para exercer uma pressão e publicamente anunciar que estaria disposto ao uso de “força” para a queda de Maduro, e o fato de que a Rússia detém contratos de caráter técnico militares com a Venezuela, em parcerias comerciais, e estes voos seriam frequentes.

A esta altura, contudo, o terreno venezuelano estava frágil para alimentar teses diversas sobre a Rússia endossar embate na Venezuela pela histórica dissidência junto aos Estados Unidos. Porque, agora, cerca de 50 países já reconheciam Juan Guaidó como o presidente interino da Venezuela – a primeira palavra, era de se esperar, partiu de Trump. Assim, ao pousar dois aviões russos no aeroporto de Caracas, a Casa Branca logo condenou “o apoio militar russo ao regime ilegítimo de Nicolás Maduro”.

De lá para cá, a insistência de que a Rússia estaria interferindo de maneira direta no conflito interno só seguiu o fluxo dos defensores de Guaidó e opositores ao regime chavista. Parte da estratégia da Segurança Nacional dos Estados Unidos era justamente fazer com que a violência se instaurasse no país, para que seja “necessária” a intervenção, caminho já conhecido pela América Latina para a tomada de um golpe de Estado.

Não à toa, durante as primeiras horas da “Operação Liberdade”, encabeçada por Guaidó e Leopoldo López, o mais emblemático opositor do chavismo que estava em prisão domiciliar, até se auto-libertar, o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, fez questão de participar ativamente do jogo de pressão contra Maduro.

Era evidente que a Oposição não conseguiria vencer Maduro neste 30 de abril, o dia da chamada “Operação Liberdade”. Tanto para os próprios líderes opositores, quanto para os EUA. Mas os planos seguiam: a de derrubar o governo, com o aumento da adesão popular, em cenário cada vez mais de violência e desesperador para os venezuelanos.

Outro sinal da estratégia foi quando Bolton chegou a dar um ultimato ao ministro da Defesa de Maduro, general Vladimir Padrino López, ao chefe da guarda presidencial Iván Hernández, e ao presidente do Supremo venezuelano, Maikel Moreno, em uma negociação que é cara para toda a população venezuelana – o fim do bloqueio comercial, que acabaria com o colapso econômico que vive hoje o país:

“Seu tempo acabou. Esta é a sua última chance. Aceite a anistia do Presidente interino Guaidó, proteja a Constituição e remova Maduro, e nós o tiraremos o país da nossa lista de sanções. Se quiserem ficar com Maduro, vão cair com ele”, escreveu o assessor de Segurança Nacional de Trump, nas redes sociais.

Ainda que com o país divido e boa parte ainda apoiando a permanência de Maduro, os EUA seguem incentivando a chamada “resistência” da “Operação Liberdade”, criando o clima propício para o pedido de interferência externa. Para sustentar as esperanças da oposição nas ruas, a jogo da guerra se alimenta de sinais de uma “vitória eminente”.

E é neste jogo que se encaixam as demais declarações de John Bolton e do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, ao longo da semana, que em diferentes entrevistas à imprensa, asseguraram que militares de altos escalões estavam a favor da oposição. Além do alarme falso de que altos funcionários estariam contra Maduro, o venezuelano também teve que desmentir em cadeia nacional o boato de que ele teve intenção de abandonar o poder e se refugiar em Cuba.

“Eles tinham um avião na pista. Até aonde sabemos, estava pronto para deixar o país nesta manhã. Mas foram os russos que disseram que ele [Maduro] deveria ficar”, disse Mike Pompeo, na continuidade do boato. Na mesma declaração, o secretário de Estado de Trump disse que o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, Maikel Moreno, presidente do Supremo, e Rafael Hernández Dala, general da Guarda, que haviam sido alvos do ultimato de Bolt, já tinham mudado de lado. Nenhuma das informações se confirmaram e, posteriormente, foram desmentidas.

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Sanção americana é o braço armado da mão grande, do roubo descarado, da acumulação das riquezas alheias ou mais exatamente, por todo e qualquer critério de avaliação, uma espoliação em todos os sentidos.

  2. Repetem os americanos na Venezuela o processo de utilizaram na Síria. E, do outro lado, como na Siria, temos a Russia.
    Olhando para o caos humanitário ocorrido na Siria, a Venezuela poderia tranquilamente utilizar o jargao: “Eu sou voce amanhã ”
    Toda ditadura é nefasta e precisa ser combatida. Mas o argumento para neutralizar o ditador precisa ser legitimo e nunca se pode lançar um povo no desespero deixando-lhe como herança um pais destroçado.
    Como o Oriente nao aguenta mais, os senhores das armas estão trazendo a guerra para a América do Sul, aproveitando-se da pouca inteligência dos ridículos tiranos que hoje ocupam o poder neste continente.

  3. Vai ficando cada vez mais claro que Trump e a matilha que o cerca foram ludibriados por alguém mais matreiro que eles, às vésperas de algo decisivo previsto para hoje, a saber o alardeado início das sanções contra os países compradores do petróleo iraniano. Pois é, quem ainda se lembra da desistência de Trump em prosseguir com o acordo sobre o projeto de defesa nuclear do Irã assinado por Obama, nações da Europa e o governo iraniano, vai se lembrar também do anúncio do atual presidente americano de sancionar os países que seguissem comprando petróleo daquele país. Os países colocados sob ameaça pelos EUA são Itália, China, Índia entre os mais graúdos. Eu, cá comigo, duvido e faço pouco do dono da Imobilária Trump. Ele não vai fazer nada de nada. Pois, à parte as reações dos parceiros do Irã, há a temível ameaça deste país de minar o Estreito de Ormuz.
    É claro que os desvairados de Washington, aconselhados pelos tresloucados americanos do sul, sempre podem tentar fazer alguma besteira na Venezuela. Mas aí, nesse caso, vai ser o diabo…

  4. GGN: “Para chegar ao colapso de violência, polariza-se, no campo do imaginário popular, que se os EUA já interfere por Guaidó, a Rússia também o faz por Maduro”

    Boa. Não se pode desprezar o campo do imaginário popular, também incluído no que se chama de “soft power”. Afinal é nesse campo que Bolsonaro foi eleito, que cresceu o antipetismo… é nesse campo que a “esquerda”, preferindo o chamado à consciência à alienação, tem falhado.

    (***)

    Esse negócio de “imaginário popular” me lembrou um filme, algo que atinge diretamente esse âmbito. Aquela história, “acuse-os daquilo que você faz”, lembrei do filho mais novo de Dom Corleone contando à sua namorada sobre como o pai convencera ao dono da orquestra a descartar o contrato que tinha com o cantor afilhado do mafioso – franca analogia a Frank Sinatra. “Uma dessas coisas estará nesse documento [que anula o contrato]: seus miolos ou sua assinatura.” Um estado verdadeiramente mafioso, esses EUA… e ainda acusam os outros, é mole?

    Mas lembrei de vários muitos outros episódios em que os EUA atacam bélica ou moralmente outros países para obrigá-los a “negociar”, começando com a “guerra” do Japão, em 1834 até… hoje, com a Venezuela.

    “Negociar” está entre aspas porque é lógico que sob ameaça, quem respeita condições de negociação?
    “Guerra” está entre aspas porque o que os EUA fazem é iniciar ataques unilaterais. Como os terrorista que eles acusam…

  5. Aliás é esse negócio de “imaginário popular” que faz com que nosso povo abra os flancos para ataques dos EUA contra nosso país. Não fosse nosso povo tão atingido pela propaganda comercial e ideológica estrangeira, jamais permitiríamos absurdos como ingerência sobre nossos assuntos de estado, “vendas” de nossas estatais, aceitação de penalidades à Petrobras, ataques ao pré-sal por firma estadunidense e tantos outros prejuízos que tomamos por conta desse tal de “imaginário popular”, que nos impede de ver que os EUA são nossos inimigos.

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