A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em barrar a escolha dos aposentados por um regime que melhore o recebimento de seus benefícios tem causado discussão nos meios jurídicos e tributários por conta de seu efetivo impacto nas contas públicas.
Recentemente, a Corte decidiu que os segurados não podem mais escolher aquele regime que considerarem mais benéfico para sua aposentadoria, causando na prática a derrubada da revisão da vida toda – o que, nas palavras do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, representa uma economia de R$ 480 bilhões aos cofres públicos.
Por conta dessa mudança de entendimento, tem prevalecido a tese de que os segurados precisam acompanhar as regras da Reforma da Previdência de 1999 – que excluiu do cálculo dos benefícios as contribuições pagas antes de julho de 1994, quando o Real entrou em vigor como moeda oficial.
Vários aposentados também tem questionado essa decisão, principalmente aqueles que trabalharam em cargos melhores ao longo dos anos 70, 80 e 90 e, por consequência, pagaram melhores contribuições ao INSS.
Em 2013, a então ministra do STF Ellen Gracie assentou uma norma que transitou em julgado: na ocasião, ela afirmou que o trabalhador tem o direito de escolher a regra de aposentadoria que mais lhe seja favorável relativa à lei de 1999.
Contudo, o INSS continuou a adotar a regra permanente, descartando os valores pagos antes da vigência do Plano Real. A discussão escalou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afirmou que ‘todo trabalhador que se sentir penalizado pela forma como INSS calculou aposentadoria tem direito de ter aposentadoria revisada em seus cálculos, se for mais benéfica, majorar para o que tem direito, e receber até cinco anos de atrasado”
Embora tenha pago a revisão para algumas pessoas, o INSS recorreu da decisão do STJ nos últimos dias do prazo.
Alguns contribuintes ganharam a causa durante o governo Temer/Bolsonaro, enquanto outros estavam com ações que foram paralisadas e outros que ficaram com medo de entrar na Justiça porque, se entrasse na Justiça e o Supremo viesse dizer que a revisão não era legal, seria necessário custear a sucumbência ao INSS.
O processo esteve com a tramitação parada entre 2021 e 2022 por conta do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes – que, na volta do julgamento, defendeu a revisão da vida toda no Supremo.
Ao final de 2022, a votação presencial consagrou a tese da revisão da vida toda por seis votos a cinco – relator Alexandre de Moraes, além dos ministros Carmen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin e do ministro Marco Aurélio, que deixou seu voto favorável antes de se aposentar do cargo.
O INSS, no entanto, apresentou recurso contra a decisão. Em agosto, os ministros começaram a julgar esta ação, mas o caso foi interrompido por um pedido de vista do ministro Cristiano Zanin, que ao retomar o julgamento entendeu que decisão anterior sobre o tema, do STJ, não respeitou o artigo da 97 Constituição.
“Assim, reconheço a nulidade do acórdão oriundo da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, e determino o retorno dos autos ao Tribunal da Cidadania, para que seja realizado novo julgamento do feito”, escreveu o ministro.
Revisão da Vida Toda
Em linhas gerais, a Revisão da Vida Toda é a terminologia pelo qual ficou conhecido um tema que teve origem na Reforma da Previdência em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Na época, a reforma proposta criou uma espécie de barreira de transição para as pessoas que não estavam aposentadas, o que afetou principalmente as pessoas que nasceram na década de 1950.
“Nasci em 1956. Comecei a trabalhar em 1971, com carteira assinada, e ganhava um salário que não era o mínimo”, diz o aposentado que conversou com exclusividade com o Jornal GGN sob condição de anonimato.
Na medida em que avançava na carreira, ele explicou que recebeu os melhores salários de sua vida no decorrer dos anos 70, mas principalmente nos anos 80 e início dos anos 90. “Todo mês a gente contribuía compulsoriamente com valores altos para a Previdência”, relembra.
Contudo, a mudança do cenário econômico e o avanço da terceirização da mão-de-obra a partir dos anos 90 fizeram com que profissionais que recebiam salários maiores continuassem trabalhando como pessoa jurídica ou então com negócio próprio.
“Deixamos de ser assalariados com altos salários, terminando a vida com contribuições menores”, diz o aposentado, afirmando que isso aconteceu com muitas pessoas dessa geração. Até a Previdência Social afirmar que tudo o que esses trabalhadores pagaram até 1994 não seria incluso na contagem para a aposentadoria.
“Quando requeri minha aposentadoria por tempo de serviço, tinha 37 anos de trabalho, ainda tive que entrar na justiça e me deram 1 salário mínimo – talvez merecesse até quatro, mas me deram um salário”, ressalta.
O aposentado destaca que o problema é muito localizado no tempo: para aqueles que estavam no regime previdenciário antes de 1999, e que se aposentou antes de 2019, quando foi realizada uma nova reforma da Previdência.
“Como entrar com essa ação tem uma decadência de 10 anos, tem gente dessa geração que perdeu direito – entraram no chamado prazo decadencial e não tem mais direito a entrar com essa ação”.
Além da questão temporal, muitos aposentados podem não considerar a Revisão da Vida Toda tão vantajosa, optando por simplesmente não entrar com processo.
“Essa revisão só é feita após advogado, contador, softwares… Eles pegam o seu histórico e dizem se vale ou não fazer a revisão da vida toda”, explica. “Tem pessoas, que são casos mais raros, que chegam perto do teto, mas nenhum aposentado quer ficar milionário”.
“A gente não está pedindo um favor ou benesse. A gente está pedindo que levem em conta tudo o que a gente contribuiu”.
E do ponto de vista jurídico….
Em entrevista ao Jornal GGN, o advogado previdenciário Luiz Almeida explica que os cálculos precisam comprovar se vale a pena ou não entrar com o processo.
“De cada dez cálculos que fazia, duas pessoas tinham direito – e quem tinha direito normalmente tinha muita contribuição antes e poucas depois. Como eram valores altos, fazia diferença no cálculo”, pontua.
Segundo Almeida, os principais alvos da Revisão da Vida Toda eram pessoas que contribuíram com o INSS até julho de 1994, quando a reforma do governo FHC mudou as normas, e a regra definitiva acabou por limitar o cálculo a partir do vigor do Plano Real.
“Quando a regra definitiva entra em vigor, ela não pode ser pior do que a regra de transição – existe uma regra provisória após a reforma Previdenciária de 2019, que serve para amenizar o efeito de uma regra definitiva mais danosa”, pontua Almeida.
O advogado explica que o aposentado poderia ter optado entre o período de transição e a regra definitiva para ver o que é melhor, mas o STF derrubou a tese após o julgamento de duas ações declaratórias, acabando por assim obrigando a adoção da regra definitiva e não considerando os valores pré-julho de 1994 no cálculo.
Embora possua vitórias na Justiça sobre o tema, Almeida sempre alertou aos seus clientes que o tema poderia não passar. “O Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV) havia feito um estudo, e tramitavam 102.791 ações sobre esse tema, um número muito baixo para uma tese que tem mais de uma década”.
Outra contradição apontada pelo advogado parte do governo federal: embora o ministro da Fazenda tenha estimado uma economia na ordem de R$ 480 bilhões, até mesmo cálculos divergentes mostram que o valor para cobrir esses pagamentos ficaria muito abaixo disso.
“Existe uma certa divergência nas contas, mas alguns dizem que não chegaria a R$ 1,5 bilhão ou que ultrapassaria R$ 3 bilhões, um número considerado baixo para revisões”.
Ainda vale a pena entrar com processo?
Na visão de Almeida, o aposentado que se enquadra na Revisão da Vida Toda pode entrar com o processo de recálculo uma vez que o acórdão do STF referente ao assunto ainda não foi publicado.
“O IEPREV entrou com uma questão de ordem para que as pessoas que estão recebendo, e que ingressaram antes da publicação, possam fazer jus a essa revisão. (O interessado) Teria que entrar com ação o quanto antes, antes da publicação do acórdão”.
O advogado ressalta que todos os processos em andamento foram suspensos pelo ministro Alexandre de Moraes, e tudo indica que a decisão final sobre o tema será terminativa.
“Quem pode entrar com revisão são apenas as pessoas que se aposentaram em período anterior à reforma de 2019 – estamos em 2024, já se passaram cinco anos, seria só para quem recebeu o primeiro pagamento até 2014”, relembra Luiz Almeida.
“(O contribuinte) tem que ter se aposentado até o início da vigência da reforma de novembro de 2019 ou que tenham direito adquirido – ainda que a pessoa não tenha se aposentado, ela tenha requisitos para se aposentar na época”, ressalta.