Constituição escandalosamente agredida, por Dalmo Dallari

Enviado por basílio

Do Jornal do Brasil

Constituição escandalosamente agredida

Dalmo de Abreu Dallari, Jornal do Brasil
Hoje às 07h03

Quando integrantes do Parlamento Nacional, desprezando o Direito, a Ética e seu dever fundamental de dar predominância aos interesses do povo que teoricamente representam, quando mandatários desse nível e com essa responsabilidade agridem escandalosamente a Constituição, estão em risco a normalidade constitucional, a preservação do regime democrático, a autoridade das instituições jurídicas e, em síntese, todos os valores fundamentais do povo. Isso está ocorrendo agora no Brasil e torna necessária e urgente uma reação eficiente de todos os que acreditam no Direito, na Justiça e na Democracia e que possam, ou mesmo, devam coibir a continuidade da agressão.

É tão evidente a inconstitucionalidade que não é necessário ter formação jurídica para reconhecê-la, bastando uma síntese dos fatos e a leitura do claríssimo texto constitucional.  No dia 26 de maio o povo brasileiro comemorou a rejeição, na Câmara de Deputados, de Proposta de Emenda Constitucional que pretendia instituir o financiamento empresarial a partidos e candidatos. Entretanto, com incrível audácia, no dia seguinte o Presidente da Câmara submeteu novamente a votação a Proposta rejeitada e desta vez, por motivos obviamente imorais que podem ser imaginados, a proposta foi aprovada, devendo, agora, passar por várias outras votações. Para se ter, com absoluta clareza, o absurdo da revotação ocorrida no dia 27, basta reproduzir aqui o que dispõe, expressa e claramente, o artigo 60 da Constituição, que trata das propostas de emenda à Constituição, em seu parágrafo 5º: “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.Quanto ao mérito da proposta, regularmente rejeitada e cinicamente adotada no dia seguinte, não é necessário qualquer esforço para que se perceba que ela pretende introduzir no sistema eleitoral brasileiro uma prática antidemocrática e absolutamente contrária aos interesses do povo brasileiro. Com efeito, por meio de tal proposta o que se pretende é a legalização de uma prática imoral e injusta. O poder econômico das empresas substituirá a vontade do povo, estando aberto o caminho para a compra de apoios e a mais cínica corrupção, com evidente prejuízo dos interesses do povo brasileiro. Na realidade, não haverá mais no Brasil um sistema eleitoral democrático e, em decorrência, os órgãos representativos estabelecidos na Constituição serão meras fachadas, sem compromisso com a democracia, o Direito, a Justiça e a moralidade pública.

Todos os que puderem, de qualquer forma, reagir contra essa imoralidade inconstitucional deverão fazê-lo, com toda a veemência. Do ponto de vista jurídico, cabe especial responsabilidade ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, ao qual, nos termos expressos da Constituição, em seu artigo 102, “compete precipuamente, a guarda da Constituição”. Conscientes da supremacia da Constituição na ordem jurídica democrática e confiantes na firmeza, na independência e no espírito público dos eminentes membros da Corte Suprema, 63 parlamentares, de diversos partidos, já impetraram Mandado de Segurança perante o Supremo Tribunal Federal, para que, em defesa da Constituição, seja imediatamente suspenso o procedimento inconstitucional, antidemocrático e imoral que acaba de ter início na Câmara dos Deputados, como acima foi exposto. É preciso sustar imediatamente essa ofensiva, para que se possa continuar afirmando a autenticidade do artigo 1º da Constituição, que define o Brasil como “Estado Democrático de Direito”.   

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista

Redação

13 Comentários

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    1. Meu caro Cassio,
      sua

      Meu caro Cassio,

      sua premissa: quem cala consente, é falsa, vez que quem cala NÃO necessariamente consente.

      Observe que até mesmo o PRESO tem o direito de ficar CALADO, CR/88, art. 5.

      (…)o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, (…)

       

      No presente caso, apontado pelo r. professor Dalmo Dallari, ele sugeriu para que” Todos os que puderem, de qualquer forma, reagir contra essa imoralidade inconstitucional deverão fazê-lo, com toda a veemência.”

      Ocorre que ele mesmo sabe que esse “todos”, no âmbito jurídico,  é limitado pela própria constituição.

      E ai sim, nesse sentido, curiosamente, eu  concordo com você( fui contraditório? não).A sensação é a  de que “quem cala consente”, pois só alguns têm competência para propor ações de inconstitucionalidade que, de acordo com este caso, só poderá ser julgada pelo STF. Nesse âmbito, nós, administrados,  só podemos ficar de longe observando o que não quer dizer que estamos “consentindo”, mas, na prática, pessoalmentem, isoladamente, impotentes ( ai sim, a sensação de consentimento)

      Mas, como brasileiro, ciente do meu papel de cidadão, ciente do PACTO que fizemos em 1988, cujo respeito deve ser de todos, repudio veementemente a manobra inconstitucional feita na câmara do “povo”. 

       

      Saudações 

  1. O que deixa um enorme

    O que deixa um enorme sentimento de indignação é justamente que quem deve defender a Constituição, não o faz. O episódio relatado pelo ilustre jurista é apenas o mais recente. Mas, desde sua promulgação – talvez por ser a 1ª CF que reconhece direitos de minorias, que tenta realmente nos conduzir ao Estado Democrático de Direito – vem sendo constantemente desrespeitada, em tentativas diversas justamente de revogar na marra os direitos assegurados. E é aquela história: quando não se reage às primeiras investidas, as seguintes vão ficando mais e mais fáceis. Aqui mesmo no blog tem um post sobre os 7 direitos constitucionais mais violados no Brasil. Não por coincidência quase todos dizem respeito a direitos de minorias ou vulneráveis. 

  2. esta sim foi uma “pedalada”….

    Rapaz, se fosse alguém do lado da senzala que fizesse tal descalabro, seria  automaticamente  alvo de in-pittman ??

  3. Dalmo de Abreu Dallari acerta

    Dalmo de Abreu Dallari acerta no diagnóstico, mas é civilizado demais para lidar com tipos como Eduardo Cunha e os criminosos de várias quadrilhas que ele comanda no Congresso. A única maneira de impedir aquele animal de continuar a rasgar a nossa CF/88 é exigir do MPF que peça a prisão preventiva dele. E se ele resistir à prisão a PF tem que meter bala naquele criminoso. Simples assim.

  4. Nassif;
    Alem de anular o

    Nassif;

    Alem de anular o golpe é necessário que o golpista seja punido com a perda do cargo de “presidente” da Câmara.

    Se isto não ocorrer ele continuará com mais força na sua sanha golpista colocando em risco permanentemente a nossa democracia.

    Este pulha é o terceiro na hierarquia nacional, imagina se por alguma necessidade mesmo que temporariamente ele assuma a presidência!!!!

    sds

    Genaro

     

     

  5. Às vezes, pinta-se com cor mais forte o mesmo “sepulcro caiado”

    Nunca campeou Justiça, nos recursos de campanha, nem no antes, nem no agora.

    O abuso econômico sempre existiu, a iniquidade no tempo de televisão sempre existiu e a falta de urbanidade no trato entre partidos e na política sempre existiu, pelo quê… A que vem esse “prurido ético” agora?

    Que maior galardão tem os “Grandes Partidos” em relação aos que eles dizem ser “nanicos”, quando na realidade não representam mais que os próprios interesses e, já ao povo que os elege, de forma alguma?

    Que porcaria de eufemismo é esse, de “tempo proporcional”, que impede que candidatos ao mesmo cargo eletivo tenham o mesmo tempo de expor os seus motivos para que sejam escolhidos à urna?

    Em que um candidato a deputado de partido “A” e “B” se diferencia de um candidato de partido “c” e “d”, para que disponha desse privilégio de dominar o palanque até não ter assunto, enquanto o outro sequer consegue abrir a boca?

    A “briga” (de luta não tem nada) por recursos que agora se descortina no Congresso, continua a não ser pela equidade, pela igualdade de oportunidades, ou para suprir a necessidade que o eleitor tem de avaliar os que se propõe a tão altos cargos, mas tão somente para sustentar ou aumentar privilégios e conluios inconfessáveis, que nos arrastam para o atraso desde os tempos do Brasil Colônia.

    Se não é seria a reforma (e não será), tanto dá uma como a outra.

    Continuaremos a gastar, boa cêra, com maus defuntos.

  6. É tão evidente a

    É tão evidente a inconstitucionalidade que não é necessário ter formação jurídica para reconhecê-la, bastando uma síntese dos fatos e a leitura do claríssimo texto constitucional.

    Bastaria essa frase para resumir – e bem – o essencial do texto. A “jogada” politiqueira foi tão rasteira(pleonasmo de propósito) que qualquer cidadão medianamente conhecedor do texto constitucional a apreenderia como tal. 

    Atravessamos um período tal da nossa história no qual tantos absurdos ocorrem que até mesmos leigos são capazes de apreenderem os ânimos que as impulsionam e aonde querem chegar seus autores. 

    Isso na imprensa, na economia, na política, no futebol……….Está sobrando “artistas”, ou melhor, canastrões. 

  7. O Brasil e, particularmente nossos politicos,

    sempre negligenciaram vários aspectos de nossa constituição, de nosso sistema legal e de outros codigos de conduta, o Gilmar Mendes, por exemplo, vive desrespeitando as normas do stf. Não há nenhuma surpresa em ver o parlamento desrespeitando vergonhosamente a constituição, surpresa é ver gente achando que esse pessoal está no poder para defender os interesses do povo. Pergunta para a Dilma o que o povo acha do ajuste do Levy e da queda do fator previdenciário…

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