Autocrítica, por Pedro Augusto Pinho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Autocrítica, por Pedro Augusto Pinho

Comentário ao post A necessidade da autocrítica das esquerdas

Caro Nassif

Há uma variável importante: a própria sociedade brasileira, desinformada e preconceituosa. Acredito que nestes 12 anos de governo do PT perdeu-se uma enorme oportunidade de reduzir estas percentagens. No artigo que acrescento há, ainda que remota, uma consequência desta postura arrogante dos sonos do poder. Continue na luta.
PRECONCEITO E BURGUESIA

Perdão!.. de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
(Gonçalves Dias, Ainda uma vez – Adeus!)

O escritor inglês Edward Gibbon (1737 – 1794), célebre por sua obra “Declínio e Queda do Império Romano”, foi batizado aos 16 anos no rito católico romano. Seu pai, irado, retirou-o de Oxford, entregou sua educação a um calvinista e ameaçou executar seu conversor religioso.

Transcrevo o comentário que D. A. Saunders, especialista nesta obra de Gibbon, apresenta, na Introdução de uma das edições, sobre a referida passagem biográfica: “Era tal a índole da época que, poucos anos mais tarde, uma turba londrina, enfurecida pelas propostas de abrandamento das leis penais discriminatórias contra os católicos romanos, queimou distritos da cidade e teve de ser reprimida pela força armada”.

Nem mesmo parece-nos distantes as multidões, açuladas pelos canais de televisão e manchetes de jornais, que corriam as ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo, desejosas de enforcar eleitores e membros do Partido dos Trabalhadores. Obviamente, tanto em Londres como nas cidades brasileiras havia arruaceiros assalariados a serviço da igreja protestante quanto dos interesses rentistas e entreguistas de nosso País.

Mas se houvesse um mínimo de racionalidade e informação, o que responderiam os não remunerados ali presentes? Frases ocas, sem sentido, lugar comum, chavões e interjeições. Tive uma experiência nos Estados Unidos da América (EUA) há alguns anos: nem mesmo palavras, mas simples urros eram vocalizados, fazendo-me crer no baixíssimo nível intelectual das pessoas reunidas na manifestação.
Este preconceito, quase epidérmico, da burguesia média e pequena é muito bem descrito e estudado por sociólogos e pensadores de vários países, como o francês Pierre Bourdieu, o português Boaventura de Souza Santos, o brasileiro Jessé Souza, e diversos outros que tomariam o espaço deste artigo. Começa na própria casa, vítima de pais desinformados e alienados, aprofunda-se no ensino desvinculado da realidade física e social onde vive e culmina na embrutecedora comunicação de massa (televisão, rádio, jornal, revista).

Pergunte, caro leitor, a qualquer burguês, o que é e como se forma a cidadania e ouvirá as arrepiantes respostas, resultado de preconceitos e da ignorância. E, o que é ainda pior, diante de você poderá estar um magistrado, que julgará pessoas que ele nem entende nem nelas identifica seres humanos.

Permitam-me mais um exemplo tomado da autobiografia de Gibbon. Cinco anos da “reconversão religiosa” foram passados em Lausanne, na Suíça, onde se tornou hábil no idioma francês e conheceu o “homem mais extraordinário da época”, Voltaire, e a dramaturgia francesa.

O conhecimento deste teatro levou-o à seguinte reflexão: “talvez moderasse minha idolatria pelo gênio grandioso de Shakespeare, a qual nos é inculcada desde a infância como o primeiro dever de um inglês”.
Essas pequena e média burguesias podem até sair fisicamente de seus ninhos, mas suas mentes continuam, diferentemente de Gibbon, aprisionadas aos preconceitos limitadores da compreensão e do raciocínio.

Chegamos assim ao episódio humilhante para a nacionalidade e para a cidadania brasileira do impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Não farei nem me cabe fazê-la, a sua defesa. Clamo pela dignidade brasileira.

Um golpe planejado pelos interesses geopolíticos dos EUA e pelo capital financeiro internacional, executado por corruptos políticos e juízes, com ativa participação dos veículos de comunicação e o aplauso e a omissão da burguesia nacional.

Deixo para a reflexão dos caros leitores um trecho de outro pensador, este o alemão Norbert Elias, também estudioso das sociedades humanas, na obra O Processo Civilizador, sobre os momentos que antecederam a Revolução Francesa:

“Não era, em absoluto, verdade que toda a burguesia desejasse a reforma e que apenas a aristocracia a ela se opusesse. Houve certo número de grupos claramente identificáveis de classe média que resistiram até o fim a qualquer tentativa de reforma e cuja existência, na verdade, estava ligada à preservação do ancien règime na sua forma original. Esses grupos incluíam a maioria dos altos administradores, a noblesse de robe, cujos cargos eram propriedade de família, no mesmo sentido em que uma fábrica ou empresa é hoje propriedade hereditária. Incluíam também as guildas de ofícios e, em bom número, os financistas. E se a reforma fracassou na França, se as disparidades da sociedade finalmente romperam de forma violenta o tecido da estrutura institucional do ancien règime, grande parte da responsabilidade coube à oposição desses grupos de classe média”.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. fracasso

    Há uma outra vertente desse fracasso, uma longa e ininterrupta campanha (suja, sujíssima) que vem desde a segunda guerra mundial. Deixo o link para o primeiro capítulo, em espanhol.

     

    http://sakerlatam.es/geopolitica/danile-ganser-los-ejercitos-secretos-de-la-otan-i-cuando-el-juez-felice-casson-revelo-la-existencia-de-gladio/
    Os demais capítulos têm seqüencia no mesmo sítio.
    É uma leitura longa, para quem gosta, mas ajuda a compreender o mundo em que vivemos, e, principalmente, comprreneder que o que estamos vivendo não é autógeno.

    1. fracasso…

      As desculpas são sempre nossas, os erros são sempre dos outros. Caro sr., com este pensamenro não sairemos do lugar de onde nunca partimos. è a históri do Brasil. Auto-critica e humildade. Foram testadas todas as facetas e todos os personagens da redemocratização, o resultado é este país dificul de ser explicado.

  2. Pela dignidade brasileira

    O comentário do Sr. Pedro Pinho foi muito lúcido e bem embasado mas, ao meu ver, um pouco tendencioso.

    Primeiramente sobre o efeito manada que ele muito bem exemplifica na história como sendo o efeito que vivenciamos atualmente, fabricado por interesses geopolíticos e … conforme ele diz, é um processo natural e facilmente incutível nos seres humanos quando neles se criam lacunas de desesperanças.

    A revolução francesa talvez não tivesse ocorrido se a realeza francesa não exagerasse na sua pompa e despreso pelos mais pobres. A famosa frase de “se não tem pão então que comam brioches” da rainha depois decapitada com certeza nos mostra o despreso da realeza pela fome dos miseráveis. Esse comportamento criou no âmago da sociedade de então a sensação de injustiça que foi o combustível da Revolução.

    No anglicanismo inglês a mesma coisa: a ausência da igreja junto a sociedade e os exageros do Papa contra os caprichos do rei Henrique VIII alimentaram a cisânea religiosa.

    Assim sendo, o descontentamento que nossa sociedade revela hoje sobre os governos do PT não foram fabricados pelos interesses, foram apenas percebidos e catalisados para provocar a queda do governo. Assim como o Collor que se elegeu como o “caçador dos marajás” e quando eleito se revelou mais amigo deles do que algoz dessas injustas figuras, criando na sociedade da época uma decepção tão forte que culminou com a sua renúncia, o PT também pecou gravemente.

    O DNA do PT é de características autoritárias pois ajudou financeiramente e se aliou a várias ditaduras do mundo, como Cuba, Moçambique, Venezuela, etc. A qualquer cidadão normal fica estranho este “apego” exagerado ao voto democrático e repetido como único ponto de defesa do governo ao fato de ter sido eleito pelo voto democrático. Mesmo que tenha sido por uma campanha não muito verossímil. Mas finge se esquecer de que as nossas urnas eletrônicas são SUSPEITÍSSIMAS. E quando teve oportunidade de moraliza-las através do voto impresso, a então presidente Dilma vetou a mudança. Pra correligionários talvez o fato seja insignificante mas para qualquer cidadão neutro e apolítico percebe a incongruência entre palavra e atitude. 

    Assim também foi com o Lula pregando a melhora de vida para o mais pobre e se abraçando as “zelites” para tornar-se um poderoso magnata, a si ou aos seus filhos. Esse foi o verdadeiro combustível para o impichement. A decepção de quem acreditou na mudança. É evidente que no jogo político qualquer pequeno deslise é turbinado pela concorrência para multiplicar resultados. Mas a excência extraída pelopovo é verdadeira.

    Então chamar de Golpe um processo que segue todos os trâmites constitucionais, repleto de oportunidades de defesa é uma atitude infantil e ridícula de para um partido que se propôs, na palavra, a melhorar o mundo e apenas se arrumou. Se orgulham de um programa de distribuição de renda de 40 bilhões anuais e joram trilhões em obras perdidas para favorecer magnatas. O anseio da sociedade pode ter sido sim fomentado por interesses outros, mas é oriundo da decepção. E essa mudança de governo, mesmo que para rumos mais sinistros como o atual, é o que lava a alma do cidadão brasileiro apartidário, que trabalha e paga impostos.

    Cabe ao PT crescer humanamente, fazer sua “mea culpa”, parar essa choraminguela de golpe,  e partir para se renovar lutando por novas eleições para evitar que esse podre PMDB esquente o ninho e comece a “chocar” as próximas eleições.

    Então chamar de Golpe um processo que segue todos os trâmites constitucionais, repleto de oportunidades de defesa é uma atitude infantil e ridícula de para um partido que se propos a melhorar o mundo.

    1. “Urnas eletrônicas

      “Urnas eletrônicas suspeitíssimas”. Ora, vá perguntar ao tse, que sempre esteve na mão da direita conservadora, mesmo durante os governos petistas. É até bem provável que Dilma venceu as eleições com muito mais votos do que os oficializados. Suspeitíssimo mesmo foi o então candidato tucano ir tão longe.

      “Lula poderoso magnata”.  Sim, claro. Lula e filhos são donos da friboi, da oi telemar, de um shopping center na alemanha e dos aneis de saturno.

      “Processo que segue os trâmites constitucionais repleto de oportunidades”. De acordo com rede globo, veja, folha, estadão, época etc. é isso mesmo. Eita povo encrenqueiro esse da esquerda. Tanta má vontade com os senadores, tanta injustiça com a turma da toga.

      Cumpade, seu comentário é a prova cabal e fatal da veracidade certeira de tudo o que escreveu o Pedro Augusto Pinho, com as bêncões de Pierre Bourdieu, Boaventura de Souza Santos, Jessé Souza e o grande Norbert Elias: a classe média, lá como cá, é alienada, covarde, mesquinha e completamente dominada pelos verdadeiros donos do poder. 

    2. Que bom, você deve estar tão feliz!

      O Impíxi tirou os corruptos petistas do poder, seguindo “todos os trâmites constitucionais”. A Lava Jato vai prender o “magnata” (???) do Lula rapidinho. O Brasil está de volta aos trilhos. Tudo vai de bem a melhor. A economia só melhora. Os indicadores sociais, também – afinal, quanto maior a distância entre os pobres e os ricos, melhor. Nada de mulheres em ministérios, mulher é um ser inferior e deve ser mantida na cozinha. Temos um governo de probos, sábios e bem intencionados. O Ministro da Justiça vai acelerar o genocídio dos criminosos favelados (aliás, para ele, favelados = criminosos). As instituições estão funcionando. 

      Você é empresário? Deve estar vendendo muito bem. Você é concursado, funcionário público? Deve estar tranquilo por ter estabilidade, esperando seu próximo reajuste… e sabendo que logo vai ser muito mais barato contratar criadagem. Você vive de renda? Deve estar dando pulos de alegria, com a atual política econômica.

      Continue se informando pela Globo, Veja, Folha e Estadão. Você está muito bem servido.

      Quando ficar impossível andar nas ruas das grandes cidades brasileiras sem carro blindado e escolta armada, é só se mudar para Maiâmi.

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