A sagrada família e a terceirização, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A sagrada família e a terceirização, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao justificar seu voto em favor da universalização da terceirização e da precarização do trabalho, o iluminista do STF disse que não via qualquer contradição entre o instituto e a Constituição Federal. Segundo ele os contratos terceirizados também estão sujeitos às garantias do art. 7º, da CF/88. Além disso, os argumentos utilizados contra a terceirização das atividades fins não são levantados contra a permissão que já existe para a terceirização das atividades não essenciais.

A retórica de Barroso não impressiona, nem convence. O iluminismo é apenas uma fachada para o obscurantismo do voto que ele proferiu. 

Quando a terceirização das atividades não essenciais foram objeto de discussão e deliberação no Parlamento não houve consenso. Os mesmos argumentos que são utilizados agora contra a terceirização das atividades fins foram levantados naquela oportunidade pelos adversários da precarização do trabalho. Portanto, o argumento de Barroso não tem qualquer fundamento quando o contexto histórico é recolocado no debate.

O primeiro argumento empregado por Barroso também é uma distração. Afinal, o art. 7º, da CF/88, não é o único dispositivo constitucional que deveria ser levado em consideração quando pretende se universalizar a precarização do trabalho.

A Constituição Federal prescreve que a “…família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226, da CF/88), sendo seu dever “…assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária…” (art. 227, da CF/88). Esses dois dispositivos se tornarão irrelevantes caso a exceção da terceirização se torne a regra.

A família é uma instituição cujas necessidades são diferentes daquelas que o mercado pretende impor às relações de trabalho. Ela exige que a convivência entre pais e filhos seja permanente, constante e, sobretudo, previsível. Essa constância e previsibilidade são incompatíveis com a volatização do contrato de trabalho que obriga o trabalhador a mudar constantemente de emprego, de horário de trabalho e até de bairro ou cidade para poder continuar auferindo renda para sustentar sua família. Essa contradição foi objeto de reflexão de Ulrich Beck:

“O trabalho se impôs essencialmente como princípio da sociedade burguesa, e não só porque se queria oferecer certa segurança material aos pobres, por isso também, é claro, mas porque se queria contra-arrestar a ameaça representada por sujeitos não integráveis ao controle e ao conjunto de sentido da sociedade. Quer dizer, ao trabalho está vinculada uma fixação cotidiana de sentido e controle, uma estrutura de domínio interiorizada. As pessoas se ocupam e, com isso, tornam-se controláveis. Pode-se dizer que o desejo de construir uma atividade via mercado de trabalho e, com ela, uma existência, uma biografia, uma identidade, é uma das formas mais hábeis de auto-adaptação e auto-ajustamento dos indivíduos à estrutura de domínio social.” (Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Willms, Editora Unesp, São Paulo, 2002, p. 164)

A maneira como a sociedade regra o trabalho não pode, portanto, ser desligada da vida familiar do trabalhador. Um pouco mais adiante, o sociólogo alemão é ainda mais específico:

“…Uma mãe que viva sozinha e enfrente permanentemente a necessidade de trocar de emprego e organizar os horários de modo a otimizar sua disponibilidade para o mercado de trabalho e que também esteja disposta a se mudar constantemente, de uma semana para outra ou de um mês para outro, acaba se transformando em uma mãe desnaturada em razão das circunstâncias, já que o ritmo crono,ógico diferente do mercado de trabalho a obriga a negligenciar os filhos.

No plano da biografia, para resumi-lo, mais uma vez, essa flexibilização contratual, especial e temporal do trabalho redunda numa intensificação da individualização, que, em todo caso, fortalece ainda mais a presente tendência à atomização. As relações de vida tornam-se mais fragmentárias, suprime-se a experiência da socialização no trabalho.” (Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Willms, Editora Unesp, São Paulo, 2002, p. 169)

Para realizar seu mister, os juízes brasileiros são vitalícios e inamovíveis. Os salários deles não podem ser reduzidos. Ao contrário dos empregados terceirizados, os juízes não precisam ficar perambulando diariamente de comarca em comarca a procura de processos que possam julgar para obter renda. As garantias institucionais atribuídas aos juízes são um corolário do Estado de Direito. Mas ninguém pode negar que elas obviamente se refletem na vida familiar que eles têm. No caso deles, os arts. 226 e 227, da CF/88 podem se tornar uma realidade. É ultrajante, portanto, que eles pretendam agora dificultar ou impossibilitar a atuação concreta destes dispositivos constitucionais às famílias dos operários que pagam os impostos que garantem os privilégios que eles desfrutam.

Não se enganem. A universalização da precarização do trabalho não é apenas um ataque à CLT. Ela é sobretudo um ataque à convivência familiar dos operários brasileiros. Na prática os Ministros do STF estão condenando os membros da classe trabalhadora a ter famílias disfuncionais e, portanto, diferentes das famílias que eles mesmos podem ter.

O resultado da destruição da família pelo trabalho precário nos EUA já é uma realidade. Ela pode ser vista diariamente nos jornais, telejornais e portais de internet: pais assassinam filhos, crianças matam os irmãos, colegas de escola e professores, etc… Na esmagadora maioria das vezes os autores de assassinatos em massa são oriundos de famílias norte-americanas disfuncionais que foram produzidas pelo mercado de trabalho volátil. A Constituição dos EUA http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf, que os iluministas de toga gostam de elogiar não tem qualquer norma protegendo a instituição familiar. A nossa Constituição Federal tem e seria melhor os Ministros do STF garantirem sua efetividade. Caso contrário as famílias deles também irão correr novos riscos.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Eu já adivinho o que irá

    Eu já adivinho o que irá acontecer. Considerando a patética e criminosa “justiça” brasileira, as empresas brasileiras (cujos donos são em sua maioria a escória da sociedade brasileira) irão demitir todos os empregados e estes empregados terão que aceitar vaga em uma “terceirizada”.

    Depois a terceirizada não irá recolher os encargos trabalhistas, o INSS, e quando (e SE) a justiça questionar a empresa terceirizada irá simplesmente “evaporar”.

    Ao mesmo tempo  uma outra empresa terceirizada irá surgir pouco depois (com o nome limpo por não ter existido até então) e talvez irá absorver os empregados da terceirizada anterior para depois continuar não recolhendo os encargos até ser questionada novamente e repetir o ciclo, deixando os empregados constantemente sem empregos, e sem nenhum direito trabalhista. Enquanto que a verdadeira empresa beneficiada pelo esquema, a terceirizadora, irá sempre poder alegar que não têm nenhum vínculo com os empregados apesar do trabalho deles ser feito para ela.

    E agora eu me pergunto: finalmente será o bastante para vocês gritarem “basta” e enforcarem os conspiradores do golpe? Ou vão esperar eles colocarem colares de ferro nos seus pescoços?

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