JBS: o lado obscuro de uma história mal contada, por Perpetua Almeida e Ronaldo Carmona

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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JBS: o lado obscuro de uma história mal contada

por Perpetua Almeida e Ronaldo Carmona

Os episódios da delação da JBS, que feriram de morte o governo Temer, apresentam um outro lado da moeda até agora pouco observado e de graves repercussões estratégicas para o interesse nacional. Primeiro, de natureza geopolítica. Segundo, relacionado a própria estratégia de desenvolvimento do país. 

Na história da ascensão das nações a condição de potência mundial – desde a Companhia das Índias da Holanda no século XVII à atual expansão chinesa neste século XXI –, grandes grupos empresariais nacionais sempre constituíram vértebras de expressão do poder nacional e instrumentos de adensamento da presença do país-sede destas empresas no sistema internacional. 

Via de regra, grupos empresariais formam-se a partir de uma potencialidade instalada no país que promove sua internacionalização e pelo Estado são fomentadas e incentivadas. As empresas norte-americanas de tecnologia (como Apple, Google, Facebook ou Amazon) originaram-se a partir da excelência do Vale do Silício. A Siemens alemã projetou-se internacionalmente a partir da excelência de um parque industrial e cientifico desta poderosa economia. Muitos outros exemplos seguem esta regra. 

O Brasil possui, como um dos setores de maior dinamismo de sua economia, a agropecuária, produto do vasto território, da abundância de água, clima tropical e da existência de instituições de excelência cientifica como a Embrapa, que revolucionou a produtividade no campo. 

A capacidade brasileira de fornecer alimentos ao mundo, torna o agronegócio um dos fatores de dinamismo da economia nacional. Dada as características de relativa escassez de alimentos em muitas partes do mundo e de insegurança alimentar inclusive por parte de potências, o fornecimento de alimento e sobretudo, proteína no mercado internacional torna-se questão altamente estratégica. Veja, por exemplo, a escassez de terras cultiváveis no território chinês e o desafio de alimentar sua imensa população. 

No bojo da decisão brasileira de adensar sua presença global, tendo em vista criar condições mais favoráveis ao seu próprio desenvolvimento, nosso país apostou no dinamismo de sua economia como instrumento de projeção internacional, como é recorrente na história da ascensão geopolítica da Nações. Assim, não apenas o agronegócio, mas também o setor de engenharia nacional, outro setor em que o Brasil tem grande expertise, foi incentivado a internacionalizar-se. Trata-se da política conhecida como de criação de “campeões nacionais”. 

Esta prática internacional de sucesso na história da ascensão das potências, que vinha sendo seguida até recentemente pelo Brasil, tem sido obstaculizada no último ano, por interesses:  i) ideológicos – a ideia que tem sido vendida aos países em desenvolvimento pela corrente principal do pensamento econômico condena o apoio a grupos nacionais (ainda que as potências centrais e em ascensão o pratiquem fortemente com suas empresas, num “faça o que eu digo, mas não faça o que faço”) –; ii) por interesses reais – por exemplo, na instrumentalização, pelos países desenvolvidos, de acordos globais de combate a corrupção.

Disto vem resultando numa ofensiva contra a política de formação de grandes grupos empresariais e mesmo na destruição das empresas já estabelecidas. Os exemplos da Odebrecht e de outras empresas nacionais da área de infraestrutura e petróleo e gás, dentre outros eventos voltam-se contra nossa soberania e autonomia. Assim, o Brasil assiste a uma criminalização dos instrumentos clássicos de política industrial que vinham fortalecendo seu poder e projeção internacional. 

Misturando o joio com o trigo, condenáveis escândalos de corrupção e mecanismo de financiamento ilícito do sistema político-eleitoral brasileiro, não vêm sendo separados da necessidade do país desenvolver empresas fortes de capital nacional que participem como elos do adensamento para a participação de nosso país em cadeias produtivas globais.  

 

A partir de uma obscura diplomacia paralela, nominada de “cooperação internacional”,  estruturas de Estado, que agem à margem dos sistemas de controle e fiscalização das instituições da República, estão intercambiando informações com órgãos de governos estrangeiros, como é o caso do DoJ (sigla em inglês do Departamento de Justiça do governo norte-americano, equivalente ao Ministério da Justiça no Brasil), que por sua vez vem sendo alimentado, dentre outras agencias, pela NSA (sigla em inglês para Agência de Segurança Nacional), que maneja notória rede de monitoramento das comunicações globais, como se viu, aliás, no recente escândalo de espionagem contra a Presidência da República (1). 

 

O ativismo estrangeiro chegou ao ponto de um ex-senador da República ser interrogado em pleno território nacional a mando do DoJ (2).  Essas “trocas de informações” acabam por abalar e manchar a projeção internacional do Brasil, particularmente em seu entorno estratégico.

Por ingenuidade ou por outras razões obscuras, o Brasil vai sabotando seu interesse nacional ao não separar a necessária apuração e punição da corrupção com a preservação de seus interesses de maior presença no mundo. Por certo, faz-se necessário incorporar as práticas moderna das grandes empresas internacionais em separar questões de gestão, propriedade do capital e o inestimável valor social, sem abrir mão do desafio de organizar grandes grupos empresariais de capital nacional.  

No episódio mais recente, o da JBS, desde o ano passado circulam informações da tentativa da família Batista, dona da empresa, de mudar o domicilio fiscal do grupo para outro país, desnacionalizando-a, a despeito de suas criação ser fruto de forte ação do BNDES (3). Não fosse veto do BNDESPar – braço do BNDES que possui 21,3% da JBS -, a “maior empresa de proteína animal do mundo” já seria irlandesa. Holanda e Luxemburgo foram outras praças para onde os irmãos Batista também teriam tentado transferir a empresa (4) 

As razões da açodada delação fast track dos executivos da JBS e a posterior fuga de seus donos para Nova Iorque, autorizada pela Procuradoria Geral da República, é um processo que precisa ser investigado. Corretamente, o Congresso Nacional acaba de criar uma CPI mista para investigar o assunto.

Há importantes indícios de que se trata de uma nova tentativa dos irmãos Batista em desnacionalizar a “maior empresa de proteína animal do mundo”.

Desde a primeira aquisição internacional – o maior frigorifico de carne na Argentina (Swift Armour) –, até a compra da Pilgrim’s Pride norte-americana em 2009 – que possibilitou a JBS controlar grande fatia daquele mercado –, a ação do BNDES foi decisiva. Fruto dessa ação de órgão do estado brasileiro, hoje, 68% da receita da JBS vem dos Estados Unidos, posição estratégica para uma empresa brasileira.

Não estariam os Estados Unidos interessados em levar a sede e o controle estratégico desta empresa para seu território? Obviamente isso envolve uma questão chave de segurança alimentar de qualquer país. Não teria a chamada “cooperação internacional” contribuído para esse possível desfecho?

No âmbito da politica de fomento a grupos empresariais nacionais, o Estado brasileiro deve instituir mecanismos de “golden share” – a exemplo da que temos na Embraer e na Vale do Rio Doce. É um erro de grandes proporções não termos cuidado ainda deste instrumento de governança, amplamente utilizado em outros países.

Nesse momento, para impedir um processo de desnacionalização e desperdício dos recursos públicos, o Brasil deve afastar o atual comando do grupo JBS, preservando a função social desta importante empresa, como aliás é previsto na lei das sociedades anônimas, em seus artigos 115,117 e 123 (5). 

A apropriação internacional da “maior empresa de proteína animal do mundo” assim como de outras empresas estratégicas, não pode ser admitida pela sociedade brasileira, tendo em vista os impactos negativos sobre a competitividade e inserção externa do país, visto que, um país sem grandes empresas, é um ator irrelevante internacionalmente. 

Por isso reafirmamos que a política exercida, num passado recente, pelo BNDES de fomento a internacionalização das empresas brasileira e de criação de “grandes grupos nacionais” – em áreas de maior dinamismo da economia nacional e de maior intensidade tecnológica – deve prosseguir, ainda que com ajustes necessários em relação e correção de rumos. Mas, em nome de ajustes, não se pode “jogar a criança com a água do banho” como estamos assistindo atualmente.

O Brasil não pode ir na contramão da tendência de fortalecimento das instituições de fomento, sob pena de aprofundar um processo de auto sabotagem, e tornar-se irrelevante no cenário internacional. 

 

Perpetua Almeida foi Deputada Federal (PCdoB/AC) por 3 mandatos e presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Foi ainda Secretária de Políticas para a Indústria de Defesa no Ministério da Defesa. 

Ronaldo Carmona é cientista social e pesquisador da área de Geopolítica. Exerceu funções de planejamento estratégico junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Ministério da Defesa. 

 

Notas 

(1) Ver notícias da época na grande impressa e depoimentos na CPI da Espionagem no Senado Federal. 

(2) “Delcidio afirma a Moro que prestou depoimento ao DoJ” (Valor Econômico, 23/05/17, p.A11. 

(3) Ver, por exemplo, de um ano atrás (maio de 2016), “JBS, campeão nacional da Irlanda, por André Araújo” em https://jornalggn.com.br/noticia/jbs-campeao-nacional-da-irlanda-por-andre-araujo

(4) Ver “A JBS e as artimanhas fiscais”, por Mathias Alencastro. Folha de São Paulo, 29/05/2017, p.A15. 

(5) Conforme o jornalista José Casado, em “Cresce pressão para uma intervenção na JBS” (O Globo, 25/05/2017). 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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    1. Por que acusa na terceira pessoa.

      Por que são eles e não nós. Se vc acha o povo sem vergonha, porque não se inclui nessa falta de vergonha na cara?

      Por que sempre tentamos tirar a responsabilidade de sobre nossas costas e jogá-la nas costas dos outros? O povo nem sabe, a grande maioria, o que é colonizado, oh Venício. Colonizados somos nós. O povinho que sabemos o que isso significa a condição de colonizado e concorda com essa submissão assumida. 

  1. A estatização da JBS, com a

    A estatização da JBS, com a retirada dos canalhas que a controlam, deve ser inciada rapidamente. Outrossim, os canalhas devem ser obrigados a devolver imediatamente os valores concedidos pelo BNDES.

    1. Criminoso ou vítima.

      Não seria o caso de considerar que, se os empresários receberam recursos de fomento e apresentaram, na contrapartida, o resultado planejado, ou seja, a projeção do país no cenário internacional de produção no setor beneficiado pelo financiamento, eles, assim como a política de fomento do governo, teriam cometido o crime de ousar obter sucesso no plano traçado? Por que deveriam ser chamados de canalhas os controladores da empresa? Canalhas não seriam aqueles que escandalizaram denúncias e depois impuseram as regras de delação, mediante táticas de chantagem, associados a interesses estrangeiros? Parece muito claro e evidente que tanto a JBS quanto o Governo são atacados e transformados em criminosos pela excelência dos resultados das políticas públicas praticadas. Tanto que até para a lucidez comunista o sucesso da estratégia capitalista do governo é reconhecida. Foi um sucesso. Por isso desagradou e precisa ser extinto. Tanto que dessa vez levaram ao nocaute, antes,  o ousado e avançado projeto nuclear brasileiro  e a Petrobras, que já Chateaubriand queria extinguir quanto atacava ferozmente o Governo Getúlio Vargas, até levá-lo ao suicídio em 1954.

      Aula de História do decano jornalista José Augusto Ribeiro em sessão da 

      Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.

      “ACUAÇÃO DA HISTÓRIA” – Getúlio Dornelles Vargas. Por José Augusto Ribeiro.

      http://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/r/3757

       

  2. “do jeito que suncê tá”

    Nassif: por mais que se diga e discuta, todo este rolo do Lula-Jato, envolvendo funcionários públicos e parlamentares corruptos (número estratosférico), com aparente ramificação no Judiciário, deve ser muito maior que nosso mortal entendimento pode alcançar.

    Veja você que num universo de 1.000 grandes empresas brasileiras, somente 2 aparecem como protagonista do propinoduto. Ou seriam estas tão somente ponta do iceberg? Diga aí…

    Isto, sem falar da possível (e muito provável) interferência de agentes estrangeiros, nos mais diversos ramos da economia nacional. Especialmente agora que o Gogoboys andam sensíveis aos holofotes da grande mídia e dóceis ao Judiciário dos gringos. Alguns já falam (abertamente) em domicilio no exterior.

    Canalhas é o que não falta. Especialmente aqueles “doutrinados” e moldados lá fora.

    Mas tenho prá mim que quem vai tomar na tarraqueta será o “mordomo de filme de terror”, também conhecido por outro breve epíteto odebrechtniano. Pode até safar-se da Justiça, onde parece ter “admiradores” ferrenhos e trânsito fácil. Os safados sempre se protegem. Mas a História há de registrar a herança maldita que deixará no seu espólio moral, mesmo parecendo ser desprovido dela.

    E lembrei do Noriel Vilela, que sabia das coisas e aconselhava —

     

    “Ah mô fio do jeito que suncê tá / Só o ôme é que pode tiajudá / (…)

    Suncê compra um garrafa de marafo / Marafo quêu vai dizê o nome / Meia noite suncê na incruziada / Distampa a garrafa e chama o ôme / O galo vai cantá suncê escuta / Rêia tudo no chão que tá na hora / E se guáda noturno vem chegando / Suncê óia pá ele quêli vai andando / (…)

    Eu estou ensinando isso a suncê / Mas suncê num tem sido muito bão / Tem sido mau fio mau marido / Inda puxa saco di patrão / Fez candunga di cumpanhero seu / Ele botou feitiço im suncê / Agora só o ôme à meia noite / É qui seu caso pode a rezorvê”.

    1. do….

      Descobrimos, existe “Vida Inteligente” na Esquerda. PCdoB? Parabéns. A matéria sobre interesses nacionais, mais inteligente que já li neste veículo. E o primeiro paragrafo é definitivo. Agora, ainda mais evidente o abismo da representatividade da sociedade sobre o Poder Público e a canalhice que na realidade é nosso Poder Politico. Ficou escrachado que “Carne Fraca” era somente uma vingança, uma extorsão contra o Grupo JBS. Um jeito de colocar cabresto sobre tais empresários e os obrigarem a pagar seu “resgaste” ao novo grupo que ascende ao poder federal. Não existe um grama de representatividade da sociedade na nossa farsa de Democracia. Governados pela criminalidade, pela extorsão, por facções. O que mais queremos resgatar deste cádaver? Nossa história, a Elite Pública levando a Nação à falência, ao abismo, à tragédia, à barbarie para se manter no Poder.   

  3. grandes articulistas estção

    grandes articulistas estção sempre nas fileiras dos bravos e justos, nunca entre canalhas e covardes.

     

    assistam:

    a funny thing hapenned on the way to the moon

    o dia q durou 21 anos

    astronauts go wild

    marighella

    q hrs ela volta

    aquarius

     

    escutem:

    RATM, racionais, criolo, emicida, rashid, rael, manicongo, rico dalasam, francisco el hombre

  4. Beatriz Meirelles, do BNDES esclarece

    Beatriz Meirelles

    26 de maio às 01:54 ·  

    DESCONSTRUINDO MITOS OU MENTIRAS REPETIDAS MUITAS VEZES SOBRE O BNDES

    Seguindo a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada pelo governo federal, que escolheu setores prioritários para apostar na internacionalização de empresas, os chamados “campeões nacionais” ou “campeões globais”, o BNDES apoiou a JBS com R$ 8,1 bilhões ao longo de nove anos.

    Essa política é adotada por diversos países com o apoio de seus bancos públicos de desenvolvimento. Pode-se questionar a escolha da política ou do setor, mas no campo do debate econômico, não no campo criminal a priori. Do ponto de vista do objetivo da política, ela foi muito bem sucedida, dado que a JBS tornou-se a maior potência mundial do setor e o Brasil o segundo maior exportador de carne, só perdendo para os EUA. Cabe registrar também que outras empresas do setor foram apoiadas e bem sucedidas, como a Mafrig.

    Esse volume de recursos ao longo de nove anos (menos de R$ 1 bilhão por ano) não chega a ser absurdo, já que o Banco desembolsou mais de R$ 100 bilhões em média por ano nesse período.

    A maior parte dos R$ 8,1 bilhões se deu por participação societária. O BNDES tem em torno de 20% das ações da JBS. Essa participação deu e dá muito lucro ao banco.

    Os recursos da bndespar (participação acionária nas empresas) não são subsidiados e a carteira toda vem dando bastante lucro ao banco. O lucro da carteira de renda variável permitiu reduzir o spread nas operações de crédito, retornou como dividendos pagos ao Tesouro Nacional ou ampliou o patrimônio de um banco 100% da União.

    Outro mito é que o BNDES não apoia pequenas empresas. Tirando infraestrutura e exportações (Embraer e Serviços de Engenharia pesam muito nas exportações), mais da metade dos desembolsos do BNDES vai para micro, pequenas e médias empresas. Um terço dos desembolsos totais vai para MPMEs.

    Grata pela atenção

     

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