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Ainda sobre a crise econômica e a pandemia, por Victor Leonardo de Araujo

Para economias como a brasileira, que já se encontravam em situação frágil antes da pandemia, os efeitos têm sido mais severos.

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Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Ainda sobre a crise econômica e a pandemia

por Victor Leonardo de Araujo

Mais de dois anos depois de iniciada a pandemia da Covid-19, seus efeitos sobre a economia ainda são sentidos. Cadeias produtivas globais foram desarticuladas, em decorrência da adoção de políticas de lockdown por diferentes países em períodos distintos, e sua normalização, prevista para ocorrer ainda durante o ano de 2022, será adiada, já que a China voltou a impor o lockdown em Xangai e Pequim nas últimas semanas. A desarticulação das cadeias produtivas globais tem resultado em prolongamento dos prazos dos processos produtivos e aumento de custos – estes últimos, repassados aos preços, têm desencadeado processos inflacionários, agravados ainda pelo aumento dos preços das commodities em mercados internacionais.

Para economias como a brasileira, que já se encontravam em situação frágil antes da pandemia, os efeitos têm sido mais severos. O Brasil, depois de recuperar os níveis de produto interno bruto (PIB) pré-pandemia, voltou a uma trajetória de estagnação; o mercado de trabalho continua a operar com baixo dinamismo e tem se mostrado incapaz de absorver 13 milhões de pessoas que se encontram desempregadas; retornaram ao País os flagelos da insegurança alimentar e da fome; e mais recentemente, a inflação voltou a assombrar a população brasileira. O presidente Jair Bolsonaro, sempre que pode, volta a responsabilizar as políticas de isolamento social pela tragédia que se abateu sobre o País – o “fique em casa”, em suas palavras. Como as hordas bolsonaristas reproduzem acriticamente esta ideia em diferentes espaços, é sempre pertinente procurar responder à pergunta: o Brasil ainda sofre as consequências do isolamento social de 2020?

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Em primeiro lugar, é preciso dizer que o Brasil jamais conseguiu realizar uma política séria de lockdown durante a pandemia da Covid-19. Em um país com as dimensões do Brasil, somente o governo federal seria capaz de coordenar de forma eficiente uma política séria de lockdown, formulando políticas de preservação da renda de todos/as que fossem afetados/as pela interrupção e fechamento das atividades econômicas. Em vez disso, o que assistimos foram esforços localizados e descoordenados de governos estaduais e municipais em promover políticas de isolamento social que não foram capazes de manter em casa milhões de trabalhadores informais e outros tantos de trabalhadores formais cujos patrões não respeitaram o isolamento social. O Auxílio Emergencial, programa rebaixado de preservação de renda das famílias durante o auge da pandemia, apesar de seus importantes resultados na dimensão social, não teve a capacidade de preservar a renda dos trabalhadores, que continuaram forçados a se expor ao vírus no seu dia-a-dia. O resultado já sabemos: milhões de pessoas se contaminaram com o vírus e centenas de milhares de vidas foram dizimadas enquanto não havia vacina – na sua maioria, pessoas pobres. Como o lockdown, na prática, jamais ocorreu, somente depois do avanço da vacinação é que o Brasil conseguiu de fato controlar a pandemia, ao contrário de outros países, que conseguiram promover momentos de controle parcial e abertura de suas economias após duros lockdowns.

Em suma, a agonia brasileira foi agravada e prolongada pela negação de Bolsonaro em promover o lockdown. Países que realizaram este tipo de política foram mais eficazes em reduzir mais rapidamente o contágio e as mortes e anteciparam a abertura de suas economias, ainda que em condições insuficientes para vencer a pandemia, estando sujeitos a novas ondas (e novos lockdowns) até a descoberta das vacinas. O lockdown permitiu aos países que o adotaram preservar simultaneamente vidas e economia. Já a negação de Bolsonaro dizimou vidas e fragilizou ainda mais a economia.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI),[1] as projeções para o crescimento do PIB em 2022 estão em modestos 0,8%, contra 2,5% da América Latina e 3,6% do mundo – projeções que já consideram os efeitos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Países que fizeram políticas de lockdown (“fique em casa”, no linguajar bolsonarista) crescerão bem mais que o Brasil: 2,9% na França, 2,3% na Itália, 3,7% no Reino Unido, para citar apenas alguns países que levaram a sério políticas de lockdown. A Argentina, cujo governo causa ojeriza ao bolsonarismo e que realizou um longuíssimo lockdown em 2020, deverá crescer 4% em 2022. Todos esses países também cresceram mais que o Brasil em 2021.

O mundo pós-covid também tem vivenciado um processo de aumento da inflação. De fato, trata-se de fenômeno mundial associado em grande parte ao duplo efeito da desarticulação das cadeias produtivas e do expressivo aumento dos preços das commodities em curso desde 2021. Neste ano, a inflação ao consumidor, segundo o FMI, registrou uma média de 3,1% para os países avançados, 4,7% para os EUA, e 2,6% para a Zona do Euro – elevado para os padrões dos últimos anos. As projeções para 2022 seguem altas: respectivamente 5,7%, 7,7% e 5,3%. Nada comparável ao Brasil de Bolsonaro, que opera com IPCA em dois dígitos desde o final de 2021. Aqui, a inflação foi turbinada por uma desvalorização cambial em 2020, volatilidade cambial em 2021, e por uma política de preços de combustíveis que vinha repassando quase imediatamente os aumentos internacionais do preço do petróleo ao preço doméstico. Em 2022, a perspectiva de derrota eleitoral levou Bolsonaro a aumentar a defasagem, mas os preços seguem aumentando.

Em suma: a longa estagnação econômica do Brasil até guarda relação com a pandemia, mas pouco ou quase nada é explicado pelo “fique em casa”, como insistem Bolsonaro e os bolsonaristas. Os efeitos econômicos da pandemia seguem – até porque a pandemia ainda não acabou. Todavia, o Brasil de Bolsonaro ostenta resultados mais frágeis e um horizonte de estagnação e inflação alta, sem perspectiva de superação de uma crise econômica que antecede a pandemia.

Victor Leonardo de Araujo – Professor da Faculdade de Economia da UFF e coordenador do Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB)

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB) desenvolve estudos e pesquisas sobre economia brasileira, em seus diversos aspectos (histórico, político, macroeconômico, setorial, regional e internacional), sob a perspectiva da heterodoxia. O NEB compreende como heterodoxas as abordagens que rejeitam a hipótese segundo a qual o livre mercado proporciona a melhor forma possível de organização da economia e da sociedade.


[1] INTERNATIONAL MONETARY FUND, World Economic Outlook: war sets back the global recovery, April 2022, World Economic Outlook, April 2022: War Sets Back The Global Recovery (imf.org).

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1 Comentário

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  1. A fragilidade econômica do Brasil não é um acontecimento repentino, um incidente. Traz a consequência de tudo o que foi feito ao longo do tempo. O resultado econômico é de acordo com as ações feitas para alcança-lo. Não adianta esperar que o País tenha o resultado do esforço de outros, sem apresentar as alquimias que podem produzir o que está sendo procurado. O nível do PIB brasileiro o coloca entre os principais do planeta e causa a sensação de que aqui não existem necessidades de realizar algo, para ter-se o progresso e a prosperidade. Tudo terá uma geração espontânea: crescimento, desenvolvimento, competitividade, sustentabilidade, produtividade, ciência, tecnologia, inovações, etc. Sempre se está legando a alguém, pessoas ou governos, a responsabilidade de encontrar uma solução bem no “jeitinho brasileiro” que prescinda de esforços. Outrora chamados terceiro mundo, chamados Belíndia (mistura da Bélgica mais a Índia), passou-se a ser denominados: em desenvolvimento. O que oferece uma ideia de ação contínua; logo se o País está em desenvolvimento, as partes do País não precisam nada além do esperar. Uma incessante espera. Se quer ser desenvolvido sem se desenvolver, chegar sem nunca sair, e assim se continua seguindo.

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