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Os royalties do petróleo podem promover o desenvolvimento regional

O sistema financeiro privado, dado seu caráter concentrador de crédito em termos regionais e setoriais, pode contribuir para um ciclo vicioso de desenvolvimento regional.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Os royalties do petróleo podem promover o desenvolvimento regional

por Fernando Amorim Teixeira, Carmem Feijó e Fernanda Feil

Um caldo cultural e político permeia a gestão pública de entes subnacionais brasileiros há algumas décadas. Nesse caldo, podemos identificar dois componentes onipresentes: a cultura da escassez e a judicialização do gasto. No primeiro caso, a própria estrutura tributária e os exíguos recursos à disposição vão ao encontro aos preceitos neoclássicos elementares. No segundo, aspectos ideológicos se sobressaem-se aos lógicos, sendo que todo um aparato jurídico foi construído – podendo ser ilustrado, no caso brasileiro, por regras fiscais anacrônicas e pelo punitivísmo presente no chamado crime de responsabilidade – para que gastos voltados ao desenvolvimento não sejam executados pela autoridade executiva eleita.

Não obstante, alguns entes subnacionais brasileiros vêm se deparando com um dilema positivo, que os difere do quadro da maior parte das unidades federativas: um alto ingresso de receitas de compensação de atividades petrolíferas. É o que se verifica no estado do Espírito Santo e nos munícipios de Ilhabela, Maricá e Niterói. Nesses casos, uma parte dos recursos acaba alimentando as próprias receitas correntes, com regramentos específicos para sua utilização e, uma outra parte, tem se transformado em Fundos Soberanos de Riqueza. Nesse segundo caso – tema dessa reflexão – apesar da evidente contradição, essas duas culturas seguem presentes, com capacidade de transformar uma oportunidade única de engendrar um processo de desenvolvimento regional, consequente com as necessidades futuras, em mais uma oportunidade perdida. Tendo em vista, a natureza exaurível dos recursos provenientes da receita do petróleo e a volatilidade das rendas, a criação de fundos soberanos pode ser encarada como instrumento estratégico de promoção da mudança estrutural regional e financiamento a pesquisa e tecnologia e fontes de energia renováveis que venham a substituir a renda do petróleo no futuro próximo.

Nesse sentido, tratamos aqui de uma reflexão sobre como os fundos soberanos subnacionais podem prover funding ao investimento produtivo, que amplie capacidade produtiva, incorpore avanços tecnológicos e aumente a geração de renda, emprego e arrecadação fiscal ao longo do tempo. Concomitante, torna-se imperativa a promoção de um processo de transição verde sustentável que permita a substituição das fontes provenientes do petróleo no longo prazo por fontes mais limpas.

Considera-se assim fundamental que se estabeleça uma institucionalidade financeira própria. Para auxiliar na alocação dos recursos, existem ainda diversos aparatos estatais que devem contribuir na alocação geradora de desenvolvimento, o que coloca bancos públicos, agências de fomento, empresas estatais, universidades, incubadoras, ministérios ou secretarias (e demais aparatos de vinculação entre requisitos legais e instituições locais) no rol de atores com funções importantes a serem desempenhadas.

Financiamento do desenvolvimento local: o papel do financiamento público e privado

A existência de instituições financeiras é fundamental para o desenvolvimento econômico, aqui entendido como o processo de mudança estrutural que aumenta o potencial de crescimento num horizonte largo de tempo. Quando bem-sucedido, amplia as oportunidades de desenvolvimento humano, a produtividade da economia e a preservação do meio ambiente. No entanto, o processo de transformação produtiva não ocorre de forma espontânea nem linear. Ele pressupõe intencionalidade, refletida na vontade política, articulação entre instituições públicas, coordenação de planos que levem à alocação de recursos de forma eficiente.

O sistema financeiro privado, dado seu caráter concentrador de crédito em termos regionais e setoriais, pode contribuir para um ciclo vicioso de desenvolvimento regional. O Brasil conta com uma grande quantidade de instituições financeiras públicas. Além dos cinco bancos públicos federais – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, temos distribuídos regionalmente 16 agências de desenvolvimento, cinco bancos comerciais regionais e três bancos de desenvolvimento estaduais. Essas instituições regionais, regulamentadas pelo Banco Central e controladas pelos estados, atuam com empréstimos de longo prazo e de capital de giro nas regiões onde têm sede.

São instituições necessárias para a operacionalização das políticas públicas e o financiamento de projetos de desenvolvimento, que procuram desenvolver o potencial local. As instituições regionais têm dimensões modestas, mas têm um potencial considerável para aprofundar a sua importância para as economias dos seus estados, evidenciado na variedade de modalidades operacionais encontradas em cada instituição (aspecto qualitativo) e na provável maior dimensão relativamente ao financiamento de setores específicos (aspecto quantitativo).

Um plano de desenvolvimento eficaz deve reunir instituições capazes de apoiar as políticas de desenvolvimento em todos os níveis, particularmente nos níveis regional e local. A persecução desse objetivo requer a superação dos desafios de funcionamento de cada instituição e a busca de maior articulação entre as instituições especializadas no financiamento do investimento e da inovação.

Fundos Soberanos subnacionais como o funding do investimento produtivo

Originalmente atrelados à estrutura do Sistema Monetário e Financeiro Internacional e aos preços das commodities, tais instrumentos são constituídos em sua maioria para gerir recursos externamente e de forma diferenciada do que fazem bancos centrais com as reservas internacionais. Além disso, muitos fundos detêm mais de um objetivo, sendo que as formas como operam podem variar consideravelmente. Os fundos subnacionais diferem essencialmente dos fundos nacionais. São constituídos a partir de compensações – como royalties e participações especiais – e, por conta disso, gerem recursos já convertidos em moeda doméstica, não havendo necessidade de reciclagem externa. Descobrir qual o melhor regramento, onde investir e como utilizar esses recursos seguem sendo desafios a serem enfrentados. Uma das alternativas é ser parte constituinte do arranjo do financiamento do desenvolvimento. Listamos abaixo alguns objetivos presentes em fundos  existentes para que depois possamos discutir as potencialidades dos fundos subnacionais brasileiros:

Poupança Intergeracional: Transformar a riqueza presente (finita) em riqueza futura. Tem, um caráter intergeracional, geralmente associados a países exportadores de commodities que tem dificuldades de diversificação da matriz produtiva.

Estabilização: Esterilizar o impacto inflacionário dos fluxos cambiais e a volatilidade dos preços das matérias primas e seus impactos no lado fiscal.

Financiamento: Também foca na estabilização intertemporal e tem como objetivo preservar os superávits (fiscais, comerciais e reservas) de flutuações cíclicas e choques de preços. São utilizados de forma esporádica, apenas em momentos de maior necessidade.

Diversificação de Carteira de Ativos: Se relaciona diretamente com o portfólio do fundo e da possibilidade de maiores retornos por conta de alguma mudança conjuntural.

Fundo Social – Ligado a destinação de parcela para garantia de um estado de bem-estar social, especialmente voltados a saúde e educação.

Estratégico: Atua por meio da aquisição deposições acionárias em empresas consideradas estratégicas (nem sempre estão atrelados a retornos financeiros diretos) ou pela busca de projeção geopolítica via políticas de expansão, se utilizando dos fundos como instrumento.

Desenvolvimento: Opera direcionando a poupança para investimentos de longo prazo.

Inovação e Pesquisa e Desenvolvimento – Ligado a necessidade de garantir o influxo de renda no longo prazo e, portanto, atuar como indutor do processo de transição sustentável.

Esses dois últimos objetivos são especialmente interessantes para os propósitos aqui descrito. A utilização dos fundos soberanos enquanto fontes de recursos para projetos destinados ao desenvolvimento sustentável regional, garantindo as especificidades e vocação local podem contribuir para alterar a estrutura produtiva de uma determinada cidade ou região. Agindo em consonância com bancos públicos ou agências de fomento, tais recursos podem ser utilizados como funding para empréstimos de longo prazo que gerem enraizamento de atividades locais. Tem, ainda, a vantagem de serem retornáveis, ou seja, o fundo garantiria o financiamento do desenvolvimento mantendo seu ativo principal.

No mesmo sentido, o petróleo, além de ser finito, é uma comodity altamente poluente. A maior parte das petrolíferas do mundo destinam parte de suas receitas a pesquisas de fonte alternativas de energia. Destinando recursos a inovação em pesquisa e desenvolvimento, o fundo cumpre sua função de ente público planejador e promotor do desenvolvimento sustentável, contribuindo para o essencial processo de transição verde sustentável, viabilizando novas fontes de energia.

Conclusão

Os objetivos elencados dialogam com o leque de opções dos Fundos Soberanos subnacionais atualmente em operação no Brasil. É, portanto, fundamental a definição do que se almeja e traçar ações com vistas a promover o processo de desenvolvimento, gerando emprego de qualidade e renda para as populações locais e que isso reverbere em aumento de arrecadação futura, compensando assim o fim de um recurso – que já está no horizonte. Assim sendo, uma justa calibragem demanda visão estratégica e de longo prazo, o que, sem dúvida, não condiz com a cultura da escassez e a judicialização do gasto, preceitos que teimam em se impor no caldo cultural que permeia a gestão pública brasileira.

Fernando Amorim Teixeira – economista, doutorando da UFF e pesquisador do Finde

Carmem Feijó – Professora da UFF, coordenadora do Finde

Fernanda Feil – doutora em economia e pesquisadora do Finde

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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2 Comentários

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  1. Agora que li: pré (n)sa(l) a linguagem pro povo entender. Afirma que de acordo com a reserva vai ter X R$ pra cada habitante num fundo accessivel . Como aquele “ bacalhau” da Noruega.

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