Aumenta a pressão internacional para deslegitimar as eleições na Venezuela

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Entenda os interesses que envolvem a derrocada de Maduro e a criticada reação do presidente venezuelano na iniciada grande crise política

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, vota em seção eleitoral, 28/07/2024 – Foto: RS via Fotos Públicas

“Não vou tolerar que questionem a legitimidade destas eleições em um povo soberano como é a Venezuela”. Assim deu o tom o presidente Nicolás Maduro, em defesa dos resultados publicados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), ao fim da jornada desta segunda-feira (30), quando o país ingressou em cenário de instabilidade política, após o pleito de domingo.

Para o cientista político Pedro Costa Júnior, as eleições da Venezuela não são meramente regionais, nacionais. São eleições de caráter internacional. Não à toa, os olhos do mundo e as manchetes dos jornais de diversos países deram destaque ao país.

“As eleições na Venezuela são de caráter global, e a direita global sabe disso. A vitória da direita, da oposição, na Venezuela seria um sinal de virada importante nesse quadro da geopolítica global. Um quadro extremamente duro, disputado, é o quadro da crise das democracias liberais, ocidentais, é o quadro da crise da hegemonia americana e do neoliberalismo”, comentou, durante participação no 20H da TVGGN.

“[Atualmente], eles perderam no Brasil, porque Bolsonaro não está mais eleito, eles perderam na Colômbia, com a entrada do Petros, perderam no México, então são sinais muito fortes. Eles contam, de alguma maneira, que na Venezuela se possa virar. E essa virada não partiria de uma vitória da oposição, que eles sabem que é muito remota, mas esperavam a margem mais apertada, para poder fazer essa deslegitimação perene.”

Foi assim que, se nem o oficialismo havia divulgado a íntegra das atas de votação, a oposição anunciou a suposta posse de 73% dos resultados eleitorais que, nas mãos deles, garantiriam a vitória de Edmundo González. Segundo a líder da oposição, María Corina Machado, eles têm como provar o que aconteceu e essas atas seriam divulgadas na internet.

Não foram, até a manhã desta terça-feira (30). Assim como a página do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) também não divulgou por parte do governo de Nicolás Maduro, mesmo com a promessa do procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab.

“O CNE informou que nas próximas horas estarão disponíveis na página web do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) os resultados mesa por mesa, tal como historicamente se tem feito graças ao sistema automatizado de votação”, disse Saab, nesta segunda.

A página do CNE está fora do ar e os dados não foram divulgados por outros meios. Segundo Nicolás Maduro, o episódio foi ainda consequência de um ataque hacker, nesta segunda-feira (29), com o uso de tecnologias para acessos massivos, sobrecarregando o servidor.

O apresentador do Observatório de Geopolítica também relembrou a estratégia usada pela direita mundial para criar o clima de instabilidade e tentar tomar o poder nestes países.

“A estratégia que eles [a direita] têm usado, desde o início do século, mais especificamente desde a década dos anos 2000, que é: quando se perde as eleições por uma diferença menor, se contesta. Se a esquerda, se a centro-esquerda, se o lado progressista ganhar as eleições, há contestação. Só não há contestação se a direita ganhar.”

“Inclusive, a Venezuela é embrionária [desse fenômeno] nas eleições de 2013, elas são um marco nisso. Quando o Maduro disputa as eleições a primeira vez, ele vence o Henrique Capriles à época, e no dia seguinte o Capriles pede a recontagem de votos. O que fez o Aécio Neves aqui [no Brasil], em 2014, um ano depois: o mesmo método. É o que eles estão fazendo agora, é o que sempre fazem”, opiniou Pedro Costa.

Para incrementar o clima de tensão, a oposição endossou o discurso de uma reação violenta das forças de segurança do país contra os manifestantes desta segunda, com a morte de supostamente 3 pessoas, detenções de líderes, sendo um deles supostamente levado por agentes encapuzados [vídeo abaixo], o corte de luz da Embaixada da Argentina, entre outras supostas perseguições. Ao comentar as detenções desta segunda (29), o governo Maduro os descreveu como “subornados e drogados”.

As guarimbas, como são chamados os atos violentos de manifestações, com pontos de bloqueio de vias e focos de violência extrema, que renderam em outros anos os principais confrontos civis do país, também ameaçam apoiadores de Maduro, com o impedimento do retorno, por exemplo, de jornalistas e acompanhantes das eleições a seus países de origem.

A expulsão dos 7 diplomatas de países da América Latina que se manifestaram contra o reconhecimento de Maduro tampouco foi um gesto bem visto pela comunidade mundial de um presidente que tentaria se proteger dos ataques internacionais.

O cientista político destacou que, para além da disputa local e por representantes políticos da direita mundial, o grande centro de interesse nas eleições da Venezuela ocorre pelo petróleo.

“É impossível olhar para a Venezuela sem olhar pela questão do petróleo. Desde a guerra da Ucrânia, os EUA tiveram que voltar atrás, em alguns de seus congelamentos e sanções, para se aproximar da Venezuela, porque eles perderam, de certa maneira, o acesso ao petróleo e ao gás que vinham da Rússia”, ressaltou.

É neste cenário, acrescentou Pedro Costa Júnior, que se insere a crise da hegemonia norte-americana, de um país que “perdeu o poder de deslegitimar um governo ou determinada eleições” por seus atos nos conflitos de Israel atualmente, na Líbia, no desrespeito ao Conselho de Segurança em 2003, e outros.

“A ordem que eles [EUA] criaram, eles mesmos sentaram em cima e acabaram”, avaliou, precisando utilizar de países latino-americanos vizinhos para descaracterizar a vitória, no momento, de Maduro na Venezuela. “Eles não tem mais a força que tinham, tem que pegar esses vira-latas, seja no Chile, que se dizem de esquerda, ou aqui, para fazer essa pressão”, comentou.

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2 Comentários

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  1. A democracia e a liberdade, dádivas que nos foram prodigalizadas pelas benfazejas potências coloniais e imperiais que hoje bradam contra a suposta fraude eleitoral na Venezuela, são como o caviar do Zeca Pagodinho: não sabemos, nunca vimos, só ouvimos falar. Nós não as temos aqui (ou, de qualquer modo, sobre nós não sentimos, de fato, seus efeitos, que ao que parece, só sopram pros lados de lá), mas mesmo assim eles prontamente se insurgem, quando julgam que seus interesses serão ameaçados por uma eleiçãozinha qualquer. Além da democracia e da liberdade, claro. Em um ótimo post datado de hoje, 30/07, Fernando Castilho fez um ótimo apanhado dessa falácia com a qual nos enrolam até hoje, a Democracia. A democracia ateniense é uma piada. E não porque fosse, como era, censitária. Os cidadãos reunidos na ágora podiam discutir sobre tudo, do resultado do futebol às maquinações palacianas, mas não tinham qualquer participação nas decisões de Estado, que é o que conta. Mas não é preciso recuar tanto no tempo assim. A democracia é um fantasma que jamais rondou país nenhum. Se nos atermos ao mundo contemporâneo, a seu marco fundador, a Revolução Francesa, podemos nos perguntar: que democracia ela pariu (o uso do verbo ‘parir’ é proposital, desculpem a quedinha pela ironia)? A única coisa realmente democrática surgida por lá, depois de 1789, foi a guilhotina, que cortou cabeças de reis, plebeus, ministros, sem discriminar ninguém, etc., etc., etc. Dez anos depois, Napoleão colocou os pingos nos is, a princípio disfarçadamente, e escancaradamente em 1804. Nunca houve democracia nenhuma; há os que mandam, e os que tem que obedecer. Não vou me dar ao ridículo de falar sobre a democracia americana, que não chega a ser um assunto repulsivo: é asqueroso. A democracia é uma falácia, é um avanço em relação ao panem et circenses. Em lugar do pão, o voto, e, como circo, o horário eleitoral. E é preciso desmistificar essa noção de doação. Ninguém – pessoa física ou jurídica – ‘doa’ dinheiro a quem quer que seja. E muito menos para que alguém se eleja e vá lutar pelo povo nos parlamentos desse mundo. Trata-se de um investimento, para o qual a expressão ‘de risco’ não existe. É o salário, a gratificação, o bônus, como queiram chamar, que o Binômio Bancos/Corporações paga aos seus moleques-de-recado. O componente principal da “democracia” é a mídia, a corporativa tradicional – que dava aos lobos a aparência de um cordeiro – e, hoje, as mídias sociais, que transformam seus públicos em lobos por si mesmos, prontos a estraçalhar qualquer um a quem as redes sociais aponham o estigma de corrupto, ou coisa que o valha. Só uma circunstância permaneceu inalterada nessa transição de protagonismos, da mídia antiga ao algoritmo: a corrupção é uma equação de um fator só, o corrupto. O corruptor é mais uma entidade invisível a comandar o mundo. Os outros são Deus, e o Dinheiro. Um não pode ser visto, o outro não pode ser tocado. Fiel a seus semelhantes, a Democracia segue o modelo: não existe, nunca existiu, mas está em toda parte; e todos a ela se submetem, como se grande coisa fosse. Só a ruptura salva. Mas, a cada dia que passa, essa possibilidade se torna mais e mais inalcançável. Conforme o próprio GGN vem afirmando, nossa última possibilidade de mudar o destino é a China. Alguém já me disse que seria sair da bosta para afundar na merda. Pode ser que sim, pode ser que não. Para mim, qualquer coisa é melhor do que estar sob essa pestilência americana e europeia, sob essa falácia de democracia. Enquanto isso, o binômio e seus acólitos nadam de braçada. E nós nos afogamos. Numa piscina de democracia. Num mar de miséria. De exploração. De falta de esperança, de perspectiva. De submissão a americanos e europeus. Entre o Mehr licht de Goethe, e o Mehr wert de Marx, a escolha dessas duas civilizações sempre foi clara. E nós fornecemos uma e outra a eles, enquanto aguardamos as duas, por aqui. Democracia…

  2. Virou modus operandi dos políticos alinhados com o autoritarismo e com os rentistas alegarem fraude até quando vencem as eleições,como fez Jair Bolsonaro. Com isso tentam impor o fascismo, a neo escravidão e o saque dos recursos, praticando atos de traição contra o estado de direito a exemplo da operação lava a jato, transferindo os nossos recursos para o capital financeiro especulativo e provocando caos e desinvestimento. Leonel Brizola chamava isso de contubérnio…

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