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Há uma “estagnação secular” no Brasil? Como revertê-la?, por Fernando Ferrari Fº e Luiz Fernando de Paula

Por que nos encontramos estagnados intertemporalmente? O que fazer para que o País volte a crescer de forma dinâmica e sustentável?

Ilustração Ecchohr

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Há uma “estagnação secular” no Brasil? Como revertê-la?

por Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula

               Com a recente divulgação, por parte do IBGE, do crescimento prévio de 2,9% do PIB em 2022, a taxa média de crescimento econômico do governo Jair Bolsonaro, período 2019-2022, foi da ordem 1,4% ao ano, o segundo pior resultado de um governo desde a implementação do Plano Real. Mais importante, esta média está bem abaixo da taxa média das economias emergentes e em desenvolvimento no mesmo período, de 3,0% ao ano, segundo dados do FMI. 

               Quando calculamos as taxas médias de crescimento do PIB entre 1995 e 2022 e, principalmente, 2015-2022, período caracterizado pela adoção de políticas fiscal e monetária austeras e reformas estruturais liberais, que foram, respectivamente, 2,1% ao ano e 0,1% ao ano, percebemos que a economia brasileira há muito tempo se encontra em um processo de crescimento à la stop-and-go e de “estagnação secular” – situação na qual a economia apresenta uma crônica crise de demanda efetiva, principalmente devido à falta de realização de investimentos públicos e privados –, expressão cunhada pelo ex-Secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Lawrance Summers (2016).[1]

               Se é correto afirmar que nossa economia se encontra, ao longo das últimas décadas, em uma “estagnação secular”, surgem duas perguntas: Por que nos encontramos estagnados intertemporalmente? O que fazer para que o País volte a crescer de forma dinâmica e sustentável?

               A resposta à primeira pergunta passa pela baixa relação formação bruta de capital fixo/PIB. No período 1995-2022 a média da referida razão foi cerca de 17,5% ao ano, muito abaixo das de outros países emergentes que têm as mesmas características da economia brasileira. Por sua vez, os motivos para os parcos investimentos são, entre outros, os seguintes: política fiscal, na maioria das vezes, pró-cíclica, em função das regras fiscais implementadas no País, que torna inclusive os investimentos públicos uma variável de ajuste (caiu de 4,7% do PIB em 2010 para 2,1% em 2021); juros elevados –desde o Regime de Metas de Inflação, junho de 1999, a Selic média, tanto em termos nominais, quanto real, foi, respectivamente, 12,4% ao ano e 5,6% ao ano –; e câmbio valorizado em grande parte do período (somente a partir de 2018 a taxa de câmbio tornou-se mais competitiva).

               Acrescente-se, ainda, problemas estruturais que atingem a economia brasileira, tais como o processo de desindustrialização prematura em curso (no qual países se desindustrializam antes de atingir um nível de renda alta),  com queda da participação do setor manufatureiro no PIB de 17,8% em 2004 para 11,3% em 2021, o que reduz, para usar uma conhecida expressão de Albert Hirschman, os “efeitos de encadeamento para frente e para trás” na economia. Este processo decorre de um conjunto de fatores, incluindo a implementação, ao longo dos últimos governos, de políticas industriais incompatíveis com políticas econômicas ortodoxa-liberais.

               Neste contexto, os empresários postergam suas decisões de investimento e, por conseguinte, a preferência pela liquidez aumenta, fazendo com que a participação do rentismo na renda nacional cresça, comportamento esse aguçado pelas elevadíssimas taxas de juros no País, como vem praticando recentemente o Banco Central do Brasil (BCB) – neste particular, Ferrari Filho e Milan (2018)[2] e Bresser-Pereira et al (2020)[3] argumentam que a política monetária operacionalizada pelo BCB é capturada pela percepção dos rentistas.

               Em relação à segunda resposta, antes de tentarmos respondê-la, é importante ressaltar que o presidente Lula da Silva, em seu terceiro mandato, enfrenta pelo menos dois grandes desafios econômicos: (i) reduzir e manter a inflação sob controle, bem como assegurar as condições para que o País volte a crescer  sustentavelmente; e (ii) erradicar ou mitigar o elevado número de pessoas que se encontra abaixo da linha de pobreza e dimunir a desigualdade da renda e da riqueza, agravadas, por um lado, pela estagnação econômica que se observa desde 2015, e, por outro lado, pelo impacto da COVID-19 sobre a economia.

Como estes dois desafios estão relacionados, voltemos à questão do “o que fazer para reverter a ‘secular estagnação’?” Em nosso ponto de vista, são fundamentais as seguintes medidas:

(i) política fiscal que estimule a atividade econômica e os investimentos públicos, principalmente, em infraestrutura, e amplie os gastos em programas sociais, sem, contudo, gerar desequilíbrios orçamentários governamentais que contribuam para elevar significamente a razão dívida pública/PIB;

(ii) política monetária que seja operacionalizada não somente pelas metas de inflação, mas, também, pelas metas dos crescimentos do PIB e do nível de emprego;

(iii) política cambial à la um sistema de câmbio flutuante administrado para que a taxa de câmbio efetiva real seja estável e competitiva, visando tanto evitar o efeito pass-through do câmbio para os preços, quanto estimular as exportações líquidas;

(iv) reforma tributária alicerçada na elevação dos impostos sobre a renda e a riqueza – aumentando a progressividade tributária no País – e na redução dos encargos tributários que incidem sobre bens e serviços finais;

(v) políticas de aumento real do salário mínimo e de rendas para regular os salários e os preços de acordo com os ganhos de produtividade da economia;

(vi) políticas institucionais de incentivo aos mercados de capitais e de dívida corporativa privada e assegurar um maior protagonismo do BNDES no apoio a setores específicos (inovação, infraestrutura, meio ambiente etc.), propiciando, assim, uma maior elasticidade de crédito para aatividade econômica; e

(vii) políticas industriais e tecnológicas bem articuladas para que o processo de desindustrialização possa ser revertido ou, pelo menos, estancado.

               Diante do exposto, esperamos que o governo Lula da Silva III consiga articular, politica e institucionalmente, esse conjunto de medidas para que o País possa deixar para trás o período da “estagnação secular”.

Fernando Ferrari Filho – Professor Titular da UFRGS e pesquisador do CNPq

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia da UFRJ e da UERJ, pesquisador do CNPq e coordenador do GEEP

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp


[1]Summers, L. (2016). “The age of secular stagnation: What it is and what to do about it”.Foreign Affairs, February 15.

[2] Ferrari Filho, F; Milan, M. (2018). “The liquidity trap: The Brazilian version”.BrazilianKeynesian Review,42(2), 278-299. Bresser-Pereira, L.C., Paula, L.F., Bruno, M. (2020). Financialization, coalition of interests and interest rate in Brazil. Revue de la Regulación, 27(1): 1-24.

[3] Bresser-Pereira, L.C.; Paula, L.F.; Bruno, M. (2020). “Financialization, coalition of interests and interest rate in Brazil”. Revue de la Regulación, 27(1): 1-24.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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  1. AO COMPARARMOS O DESENVOLVIMENTO DA CHINA E BRASIL NOS ÚLTIMOS 30 ANOS, NOS DEPARAMOS COM UMA DIFERENÇA ABISMAL A FAVOR DA CHINA. CLARO QUE NÃO PODEMOS ATRIBUIR A APENAS ALGUNS FATORES QUE FAVORECEM A CHINA , MAS TEM UMA QUE NÃO PODEMOS IGNORAR, POIS PODE SER CRUCIAL PARA O BRASIL SAIR DA PASMACEIRA: NA CHINA O SISTEMA FINANCEIRO, NÃO TEM A CHAVE DO COFRE, ENQUANTO NO BRASIL ELA ESTÁ SOB SEU PODER DESDE O GOVERNO FHC. É IMPORTANTE SABERMOS, QUE AO SISTEMA FINANCEIRO NÃO INTERESSA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO PAÍS, DAÍ A INSISTÊNCIA NA TAL ÂNCORA FISCAL. POIS NA ECONOMIA, A ÂNCORA SERVE PARA AMARRAR O BARCO DA ECONOMIA NO CAIS DA GANÂNCIA. É PRECISO RESGATARMOS O BCB DAS MAÕS DOS GIGOLÔS FINANCEIROS. SEM O QUE CONTINUAREMOS NO FAMOSO VÔO DE GALINHA.

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