Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A fisionomia cinzenta das esquerdas, por Aldo Fornazieri

As esquerdas entram no bloco de Maia de forma subalterna, condição que enfraquece sua autonomia e fere os princípios e a lógica da política.

Agência Brasil

A fisionomia cinzenta das esquerdas

por Aldo Fornazieri

É difícil compreender a decisão dos partidos de esquerda e centro-esquerda, excetuando o PSOL, de integrarem o bloco articulado por Rodrigo Maia para disputar a presidência da Câmara dos Deputados. Pode ser que estejamos diante de uma esquerda apavorada. Pode ser que estejamos diante de uma esquerda oportunista. Pode ser que as duas atitudes orientem as decisões desses partidos.

As esquerdas vêm errando de forma crônica na avaliação de conjuntura nesses dois anos de governo Bolsonaro. O erro básico é o seguinte: Bolsonaro estaria na iminência de dar um golpe militar. Por isso, seria necessário formar uma frente antifascista. O fato é que Bolsonaro não tem e nunca teve força, nem no meio militar e nem na sociedade, para promover um golpe. As esquerdas confundiram os desejos de Bolsonaro e de meia dúzia de aloprados, que foram calados por uma canetada de Alexandre de Moraes, com a realidade objetiva.

Este erro de avaliação fez com que, na disputa das eleições municipais, as esquerdas considerassem Bolsonaro como inimigo a ser derrotado. Bolsonaro sequer disputou as eleições com uma força política própria. Com essa tática equivocada, as esquerdas favoreceram a vitória dos tradicionais partidos de direita que ampliaram significativamente sua presença em prefeituras. As esquerdas colheram uma derrota indesmentível, como mostram os números. Mas, para camufla-la, constroem uma pós-verdade, dizendo que Bolsonaro foi o derrotado nas eleições municipais.

As esquerdas entram no bloco de Maia de forma subalterna, condição que enfraquece sua autonomia e fere os princípios e a lógica da política. A lógica política recomenda que uma força política que pretende dirigir e comandar nunca deve se aliar a uma força política superior ou equipotente à sua, pois perde autonomia e o comando. O PT parece que não aprendeu esta amarga lição: aliou-se ao PMDB inteiro no governo Dilma e perdeu o poder. Além disso, tem aquela velha história: é melhor ser derrotado com dignidade do que vencer sem honra.

Além do argumento da frente antifascista para integrar o bloco de Maia, argumenta-se que Bolsonaro quer aparelhar as instituições, incluindo a Câmara. É verdade que Bolsonaro quer exercer o mando sobre as instituições de fiscalização, controle e investigação. Mas, então, por que as esquerdas e especialmente o PT, apoiaram de forma efusiva a indicação do ministro Kassio Nunes Marques para o STF? Se a vitória de Arthur Lira representa um risco fascista tão grande, por que setores do PT, incluindo o vice-presidente do partido, Washington Quaquá, defenderam uma aliança com ele? Qual a diferença fundamental que existe entre Arthur Lira e Baleia Rossi, um aliado figadal do golpista Michel Temer?

Não se está dizendo que não seja importante derrotar Arthur Lira. Mas ele poderia ser derrotado num segundo turno. Neste momento em que, em Brasília e na política brasileira, a grande maioria dos gatos são pardos, as esquerdas deveriam se apresentar com fisionomia e com candidato próprios nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados, defendendo um programa democrático e popular, os direitos dos trabalhadores, a liberdade, o emprego, a renda mínima, a habitação, a educação, a saúde, a vacinação, a ciência, a cultura e o combate às desigualdades e ao racismo.

Excetuando o PSOL, as esquerdas e a centro-esquerda estão entregando a João Dória e a Rodrigo Maia as linhas de frente do combate a Bolsonaro para permanecer numa inexplicável e numa inaceitável posição de retaguarda. Com esse defensivismo tático e estratégico, as esquerdas parecem estar dispostas a permitir que se construa uma polarização entre a direita e Bolsonaro nas eleições de 2022.

As esquerdas brasileiras vivem a sua pior crise desde os tempos finais da ditadura. É a pior crise porque se trata de uma crise política e moral, uma crise de perspectivas, de ausência de fisionomia, de projeto, de direção e de sentido. Tomados por uma burocracia partidária e por uma aristocracia parlamentar, a maior parte dos partidos parece preocupar-se apenas por cargos, altos salários, fundos partidários e eleitorais e privilégios. A coragem, as virtudes combativas, a organização popular, tudo isso que constrói a grandeza e a importância histórica de um partido, parece estar morto.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

4 Comentários

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  1. Aldo e sua calenda de fim dos tempos e armagedom. Não falha nunca! Os textos do Aldo são sempre os mesmos e vem desde os tempos do governo Lula ou antes: o mundo está acabando, já vem o apocalipse e não existe absolutamente nada de bom que a esquerda tenha feito nos últimos 25 anos, apenas uma desgraça atrás da outra.

    Na prática Aldo propõe que a esquerda repita o que fez em fevereiro de 2019: uma candidatura própria para demarcar posição. Isso foi feito em 2019 e a primeira consequência foi que PDT, PSB e PCdoB saíram fora da chapa, que acabou tendo apenas o apoio de PT e PSOL (com a candidatura de Freixo e seus magníficos 50 votos).

    É para repetir o que foi feito em 2019? Se é, tem que dizer! E tem que dizer também o que a disputa de 2019, demarcatória, trouxe de significativo até aqui para o acúmulo de forças da esquerda. Até onde vi, trouxe divisão pois PDT, PSB e PCdoB pularam fora em dois atos, deixando PT e PSOL pendurados no pincel.

  2. “…As esquerdas vêm errando de forma crônica na avaliação de conjuntura nesses dois anos…” O Poder pelo Poder. O que importa é ser o dono do ‘Talão de Cheques’. Parceria com o diabo? Já são 13 anos na Assembleia de SP. Cargos e Orçamentos mantendo a Sociedade Civil bem longe deste controle. Quando o Professor apenas tenta arranhar o verniz, a Legião de Doutrinados defendem seu DonSebastianismo com unhas e dentes. Como?!!! A Esquerdopatia Tupiniquim é produto do conluio com Ditador Assassino Fascismo num Revisionismo Histórico que produziu o Trabalhismo e Sindicalismo Pelego Brasileiro. Isto é histórico. Pobre país rico. Como produzimos estes 90 anos de tragédias? Deve ser culpa dos outros. Mas de muito fácil explicação.

  3. Parei de ler na introdução: “As esquerdas entram no bloco de Maia de forma subalterna, condição que enfraquece sua autonomia e fere os princípios e a lógica da política”.

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