
Chantagem explícita
por José Dirceu
As últimas semanas foram inacreditáveis, com os operadores do mercado financeiro sentindo-se à vontade para tentar emparedar o governo e seguir o único caminho que seu receituário admite para equilibrar as contas públicas: acelerar o corte dos gastos públicos. É um fiscalismo terrorista, baseado em previsões apocalípticas e argumentos falaciosos que, se atendidos da forma como desejam, terá o efeito de deter o crescimento econômico, aumentar o desemprego e desviar o país da rota que importa de fato.
Não se questiona a importância de ter contas públicas ajustadas, criterioso uso dos recursos e controle do crescimento dos gastos sociais. Essa é uma preocupação do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem trabalhado de maneira responsável na montagem de um pacote fiscal para os próximos anos. Calcula-se que o corte vai girar em torno de R$ 70 bilhões – R$ 30 bilhões em 2025, R$ 40 bilhões em 2026.
O que não é aceitável é que a conta do ajuste recaia justamente sobre os mais pobres, aqueles que o presidente Lula prometeu e incluiu no orçamento desde o seu primeiro governo. Os rentistas, como de praxe, querem o inverso. Defendem que o governo acabe com os tetos constitucionais da educação e da saúde, desvincule as aposentadorias do INSS do salário-mínimo e corte programas sociais como seguro-desemprego, entre outros.
Não é possível que, a cada desequilíbrio das contas públicas, repita-se a chantagem do rentismo. Só vamos ter uma solução definitiva com uma reforma tributária progressiva, que cobre mais dos mais ricos e menos dos mais pobres; com o fim de subsídios não produtivos; com impostos sobre grandes fortunas e juros e dividendos. Enfim, com medidas efetivas de desconcentração da renda e riqueza.
A narrativa do mercado é de que a dívida pública irá explodir. Só que os operadores projetam dívida pública crescente, o que puxa os juros para cima e, consequentemente, a dívida sobe. No ano passado, o governo pagou R$ 614,55 bilhões de juros da dívida. Apropriados por quem? Pelos rentistas, os mesmos que alavancam a alta dos juros. A chantagem é explicada pelo peso indevido do mercado financeiro e pelo fato de termos um Congresso conservador. Tanto que a Câmara rejeitou o Imposto sobre Grandes Fortunas, que iria onerar quem tem mais de R$ 10 milhões.
A retórica do mercado também não leva em conta as consequências da vitória de Donald Trump, que fez promessas preocupantes na área econômica, capazes de afetar significativamente a economia de outros países. Também não consideram a alta do dólar, a estagnação europeia e as incertezas chinesas. Ignoram, ou fingem ignorar, que o Brasil deve se preparar para uma situação de emergência econômica e não só climática. Com ela, o receituário da austeridade não tem lugar, como foi no período da pandemia.
Ao contrário, precisamos de um acordo político nacional para defender nossa economia e nossa moeda, sob pena de reverter o recente crescimento de 3% ao ano, traduzido em aumento da arrecadação, do emprego e da renda. O caminho? Fazendo as reformas tributárias necessárias. O melhor caminho é um mix de controle do crescimento dos gastos sociais, redução das renúncias tributárias, cobrança do imposto sobre lucros e dividendos e sobre grandes fortunas, além da progressividade no Imposto de Renda. O governo também deveria concentrar-se nos investimentos para sustentar o crescimento sem reduzir os programas sociais que estimulam a demanda.
Situações de crise como a que se avizinha com a presidência de Trump exige do Brasil um plano de defesa da soberania e economia popular. Temos que mobilizar, em torno do presidente Lula e do ministro Haddad, os presidentes de partidos que formaram a frente ampla de 2022, as organizações empresariais e de trabalhadores, as entidades da sociedade civil, as classes médias – todos na defesa da garantia dos programas sociais e por uma reforma tributária progressiva já.
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