No cabo de guerra entre oposições, quem sai perdendo é a Constituição

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto de Luciano Marra

Por Enio Walcácer

Do Justificando

Os últimos eventos têm dividido grupos em uma exacerbação de um maniqueísmo nunca visto antes. Enquanto uns puxam de um lado e outros de outro, em um cabo de guerra, quem está no meio é a Constituição. Embora esta nossa velha amiga, já tão surrada em tão pouco tempo, reflita ainda um conjunto de promessas, estas parecem se distanciar a cada dia mais de nosso cotidiano.

A cada decisão judicial, a cada lei aprovada, a cada ato do executivo nos últimos anos, a cada atuação do MP, parece que assisto a um réquiem para uma Constituição que sequer conseguiu nascer em todo o seu resplendor para a maioria de nós brasileiros. Fico a me perguntar: o que aconteceria se todos os brasileiros soubessem de todas as promessas constitucionais e decidissem buscá-las? Imagine como seria se todos soubessem que a luta pela consolidação deste texto de promessas e principalmente de esperanças é só uma?

Ao invés de tomar cada vez mais consciência, o povo parece que caminha para a demência. Enquanto nesta era de informação todos deveriam ter acesso ao essencial, e buscar, com este conhecimento essencial, a fuga da alienação, me parece que as redes sociais, bem como a quantidade e a velocidade das informações e das interações, fazem com que se criem grupos, gangues virtuais pouco ou nada preocupadas com a construção de uma sociedade melhor para todos. Me parece que o individualismo está cada dia mais crescente à medida em que fica mais fácil a união em busca de questões comuns. Daquele tripé base para a Revolução Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade -, parece que há uma supervalorização da liberdade individual e da igualdade virtual, enquanto a fraternidade, o olhar para o outro como espelho de suas conquistas, está esquecido ou dissolvido em mera superficialidade de identificação. Os grupos se formam e se dissolvem em uma velocidade espantosa por mera conveniência da situação, em uma polarização de pensamentos que parecem relegar ao palco dos debates o maniqueísmo raso do “estar comigo ou contra mim”. Não existe meio termo, não existe equilíbrio, e desta forma, morre o debate. O clássico “to be or not to be” não é mais a questão; hoje, no Brasil, o que está em voga é o “PT or not PT”, that´s the question!

Desta forma, formou-se uma macro polarização que parece permear todos os debates e etiquetar tudo que venha a ser postado nas redes sociais como mortadela ou coxinha. Ou você está de um lado ou se está do outro, diametralmente oposto. Esta polarização parece estar permeando não só o debate “aqui debaixo”, mas a própria estrutura de nossa República, que está, ao contrário de formar uma unidade concisa na busca do cumprimento constitucional, formando uma ruptura das próprias instituições, no nível Estado, tal e qual aqui, nos debates feitos por nós, o povo.

Assistimos hoje, neste cenário, uma guerra que parece estar sendo feita apenas para o poder, pelos Poderes e com o poder, em todos os níveis institucionais e dentro de cada instituição, nesta polarização do “PT or not PT”. Vimos isso acontecer ao largo em 2015, e iniciar-se com toda a força agora em 2016, enquanto assistimos a muitos juristas, professores e espectadores tentarem comentar e entender essa guerra, alguns com meros “achismos” e mais afinados com a polarização, outros impessoais voltados ainda à esperança da razão do direito, naquele papel da consciência jurídica de tentar preservar, em meio a tantos tensionamentos, a nossa Constituição.

E o que está sobrando é apenas um espetáculo, um frenesi de atores jurídicos e sociais em busca de aplausos de seus grupos, alimentados pela popularidade efêmera de seus discursos, pouco importando-se com o que o outro lado pensa, e muito menos com as consequências de suas ações para a higidez de nosso sistema democrático. O circo jurídico-midiático está assumindo um grande relevo nesta senda de polarizações, sendo popularizado como nunca antes, e permitindo a invasão do senso comum como argumento na mesma medida de força. Sim, por falar em força, esta parece ser a palavra de ordem para estes tempos, olha só, a velha “ordem e progresso” positivista de nossa bandeira, que impõe uma transformação verticalizada, hierarquizada, talvez até messiânica, que brota das instituições e das pessoas que as representam para o povo, que aguarda ainda a redenção divina. E deste panteão de novo deuses eis que surgem magistrados, promotores, ministros, deputados, todos ávidos por fazerem jus ao título de salvador, pouco se importando com seus papéis de guardiões!

Nesta caminhada pelo sucesso, como uma escalada de popularidade, vimos uma sequência de atos que ainda me dão frio na espinha, debates político-partidários no palco jurídico do STF, projetos de leis criminalizando movimentos sociais enviados por um governo de esquerda, bancadas de extrema direita retrocedendo em direitos, cláusulas pétreas virando farinha e se dissolvendo nas mãos de seus guardiões. Agora, a residência não é mais asilo inviolável, houve a ampliação da inafiançabilidade na prisão, inversão do papel das instituições, retorno da condução debaixo de vara e, é claro, não poderiam ficar de fora as 10 medidas contra a corrupção. E olha que este rol é apenas exemplificativo, porque não caberiam nessas breves linhas elencar tudo que aconteceu e o que está acontecendo nesse país.

Tudo está se pautando em um jogo de poder, um jogo que está acontecendo muito distante de cada um de nós e por motivos que muitos pensam não nos afetar. Mas quando este período de turbulência passar, as consequências serão perversas, sobretudo para os setores mais fragilizados da sociedade, que sentirão o remanso do recrudescimento ainda maior do sistema penal. Será uma ressaca sem igual!

Pelo espetáculo se fazem maquiagens, se cria um cenário, se modifica a realidade para que ela pareça mais palatável à história que se conta, mais agradável aos sentidos todos. Obliteram-se as consequências, não se discute o casuísmo em cada ação, pois para o espetáculo só importa realmente o momento, a ação em que se conduz o espectador ao clímax tão anunciado nas entrelinhas do espetáculo, tudo em busca de aplausos.

Aí jaz o grande problema: a alienação da maior parte da população, que não permite que se perceba a que preço todo este espetáculo está sendo feito, à que preço estão sendo feitas tantas concessões, à que preço…

Mas, a cada página deste melodrama que ainda não chegou ao seu clímax, um preço se paga para manter a chama acesa do espetáculo, e são páginas de nossa maravilhosa Constituição. Páginas e páginas estão sendo rasgadas, rasuradas, queimadas até, tudo em busca de manter o calor que ilumina a estes personagens.

Ao final, ficaremos apenas com o poema de Drumond de Andrade a nos perguntar, “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou…”, sim, é possível que mais uma vez, como há muito tempo, a noite venha novamente a chegar, e na interlocução com João Bosco voltemos a cantar o Bêbado e o Equilibrista…

Enio Walcácer é Mestre em Prestação Jurisdicional pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Especialista em Ciências Criminais e em Direito Administrativo pela UFT.  Graduado em Direito e Comunicação Social pela UFT. 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. ótimo texto sobre o caos que

    ótimo texto sobre o caos que se avizinha com a recorrente utilização

    do famigerao direito punitivo, em detrimento do direito garantista

    que está cada vez mais fora de moda, nessa espetaculariação da infamia… 

  2. Estamos vivendo um completo

    Estamos vivendo um completo vazio de forma e conteudo. Predeu-se o pudor, o respeito ao outro, a urbanidade, os valores mais caros no convívio social. Causas sociais históricas deixam de ter valor e são até combatidas se vinculadas a um espectro politico. Misturou-se alhos com bugalhos.

    Os patrocinadores do caos devem estar morrendo de rir do alto do camarote. 

  3. A patifaria sempre começa no

    A patifaria sempre começa no Judiciário então quem jogou a CF no lixo sabe-se lá pq, foram os que deveriam guardá-la.

  4. Os aloprados do MP ousam a

    Os aloprados do MP ousam a cartada e pedem a prisão preventiva de Lula

     

    camisapreta

    Perderam todas as estribeiras.

    Os promotores do Ministério Público de São Paulo, liderados pelo “camisa-preta” Cássio Conserino, ousaram o que parecia impossível: pedir a prisão preventiva de Lula por ocultação de patrimônio não provada e muito menos sem apontamento do ato ilícito que seria necessário para o enquadramento nesta lei.

    Uma das justificativa, longamente descrita da propositura da ação, é a entrevista dada pelo ex-presidente após sua “condução coercitiva” ordenada por Sérgio Moro na sexta-feira, evidenciando que, deliberadamente ou não, os promotores paulistas associam dois fatos diferentes para imaginar uma “periculosidade” que pudesse – ainda que só nas cabeças transtornadas pelo ódio – justificar sua detenção.

    Vejam como eles, de uma só vez, aboliram a manifestação de pensamento, de manifestação e até a visita de Dilma a Lula, no sábado, transformaram em “perigo à ordem pública”, como se pudessem determinar onde uma cidadã, presidenta do país, pudesse ou conviesse querer ir:

    137) Necessária ainda a prisão cautelar para conveniência da instrução, pois igualmente demonstrado que o denunciado se vale de sua condição de ex Presidente da República para se colocar “acima ou à margem da lei”.

    138) Assim é que deseja “ser convidado” para ser ouvido; deseja “escolher” quem poderá investigá-lo; decide se seus familiares poderão ou não sofrer investigações etc etc.

    139) Além disso, o denunciado se vale de sua força político- partidária para movimentar grupos de pessoas que promovem tumultos e confusões generalizadas, com agressões a outras pessoas, com evidente cunho de tentar blindá-lo do alvo de investigações e de eventuais processos criminais, trazendo verdadeiro caos para o tão sofrido povo brasileiro.

    140) Foi o que ocorreu quando os promotores de justiça subscritores desta denúncia e destes pedidos designaram a oitiva do denunciado LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA para a data de 17 de fevereiro de 2016 no prédio da Promotoria Criminal, situado na Avenida Dr. Abraão Ribeiro, 313, Barra Funda, São Paulo.

    141) Em tal ocasião, mesmo sabedores de que o o denunciado não compareceria ao ato formal de oitiva – ele já havia obtido uma decisão liminar no Conselho Nacional do Ministério Público que suspendia o procedimento de investigação criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo, por intermédio de seu apoiador, o nobre Deputado Federal Luiz Paulo Teixeira Ferreira – os apoiadores e fãs do denunciado e ex Presidente da República LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA compareceram na frente da sede do Complexo Judiciário Criminal da Barra Funda e iniciaram confusão, com agressões a outros manifestantes e pessoas que se encontravam de forma democrática no local.

    142) O mesmo ocorreu quando da condução coercitiva do denunciado na data de 04 de março de 2016 no Aeroporto de Congonhas, quando até o jornalista Juliano Dip e o cinegrafista que o acompanhava – ambos da TV Bandeirantes –  foram agredidos por apoiadores extremistas do denunciado.

    143) Em sendo assim, imprescindível também se mostra o decreto da prisão preventiva do denunciado, em razão da conveniência da instrução criminal, pois os motivos são suficientes a permitir a conclusão de que movimentará ele toda a sua “rede” violenta de apoio para evitar que o processo crime que se inicia com a presente denúncia não tenha seu curso natural, com probabilidade evidente de ameaças a vitimas e testemunhas e prejuízo na produção das demais provas do caso, impedindo até mesmo o acesso no ambiente forense, intimidando-as a tanto.

    144) Aliás, não seria possível deixar de ressaltar três episódios sintomáticos e extremamente expressivos do poder político-partidário do denunciado, prova de sua capacidade de se valer de pessoas que ocupam até cargos públicos para defendê-lo, conquanto devessem se abster de fazê-lo.

     145) O primeiro relativo à mobilização da Presidente da República que se apresentou em rede nacional de TV para realizar pronunciamento em defesa do denunciado, na tarde da mesma data em que, pela manhã o denunciado foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para prestar depoimento sobre fatos que são objeto da investigação denominada Operação Lava Jato e que tramita sob a presidencia do Ministério Público Federal em Curitiba.

    146) A sociedade civil, a imprensa livre e as instituições públicas assistiram, surpresas, a uma Presidente da República, em pleno exercício de seu mandato, interromper seus caros compromissos presidenciais para vir a publico defender pessoa que não ocupa qualquer cargo público, mas que guarda em comum com a chefe máxima do Governo Federal a mesma filiação partidária.

    147) O segundo episódio que causou mais surpresa, de forma nova e igualmente lamentável, foi saber pela imprensa que no dia 05 de março de 2016, a mesma DD. Presidente da República embarcou para o Município em que o denunciado reside para prestar apoio a ele, valendo-se de meios públicos, e não privados, de transporte.

    148) O terceiro e ultimo fato foi que, não satisfeita, por uma segunda vez, diga-se, menos de uma semana após sua primeira defesa -, a Presidente da República veio novamente a público externar sua opinião em defesa do denunciado sobre fatos de que deveria se abster, porquanto relativos a decisão judicial relacionada a investigação que não guarda qualquer relação com os atos do Governo Federal.

    149) Daí por que patente a hipótese de necessidade de prisão preventiva do denunciado por conveniência da instrução criminal, pois amplamente provadas suas manobras violentas e de seus apoiadores, com defesa pública e apoio até mesmo da Presidente da República, medidas que somente tem por objetivo blindar o denunciado – erigindo-o a patamar de cidadão “acima da lei”, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito brasileiro, pois é inadmissível permitir-se o tumulto do estado normal de trâmite das investigações e do vindouro processo crime.

    Esqueci de botar na lista, mas também transformaram o recurso ao judiciário em razão para pedir a prisão de alguém.

    Passaram de todos os limites da temeridade e, mesmo restando a analisar os intrincados dados de todo um condomínio de apartamentos, só pela fundamentação do pedido de prisão está evidente que se trata de uma ação política inadmissível.
    Porque é, na prática, a revogação dos direitos democráticos de manifestação, petição judicial, reunião, liberdade de ir e vir, autodeterminação dos próprios atos não ofensivos a qualquer lei.

    Portanto, atenta contra a Constituição e é na corte constitucional que, se prevalecerem, têm de ser questionados.

    Tratam-se de servidores públicos, em ato de ofício, pretendendo criminalizar as franquias constitucionais.

    Estão completamente aloprados.

     

  5. O mais interessante é a

    O mais interessante é a discussão sobre se o impeachment deve ser dado pelos corruptos da Câmara ou pelos gilmares do TSE. Esta oposição definitivamente não tem moral para dar golpe algum. Se socegassem,Querem levar o país para um abismo de miséria total, guerra e divisão insuperável! E ainda tentam fazer cabeças com a promessa de que com o golpe virá a paz! São criminosos da pior espécie.

  6. Nassif
    Nesse momento de

    Nassif

    Nesse momento de “balburdia institucional”, sou favoravel a Dilma convocar os militares e fechar tudo.

    Andei lendo que foi um coronel da aeronautica que não permitiu que Lula fosse levado para Curitiba, enfrentando a PF!

    Ela tem a caneta, se já não for tarde!

    1. Dei essa mesma sugestão

      Dei essa mesma sugestão Mário, mas parece que a Constituição de 1988 modificou uma possibilidade antiga do Executivo que era decretar o estado de sítio. Para corrigir minha ignorância no assunto, algum comentarista corrigiu que a Presidência da República se decidir aplicar o instrumento legal do estado de sítio, terá que previamente consultar o Congresso. Imagine se o Congresso “dos 300 (de Esparta?)” irá autorizar a própria dissolução. Vivemos num regime parlamentarista disfarçado que o povo brasileiro rejeitou em plebiscito! Se o território nacional for atacado militarmente, a Presidenta Dilma terá que convocar o Congresso para decidir se se decreta o estado de sítio ou não,enquanto isso Brasília é bombardeada e …

    1. Peço desculpas

      Luciano, desculpe a nossa falha. O problema é que republicamos o artigo e a foto não estava com os créditos. Já coloquei o crédito no alto da foto.

      Abraço

      Lourdes

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