Letícia Sallorenzo
Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

O Líbano, a mídia e a valência verbal, por Letícia Sallorenzo

Daí, qdo vc diz “maria morreu”, só Maria tá envolvida em sua própria morte. Então, vc pensa q Maria morreu de cirrose, autocombustão, sei lá

ONU – Flickr

O Líbano, a mídia e a valência verbal, por Letícia Sallorenzo

Venham comigo embarcar no trem da valência verbal que vai nos levar ao Líbano.

Valência verbal é o “número de lugares” q precisam ser ocupados ao lado do verbo pra ele fazer sentido.

Assim, temos:

– valência zero (o verbo sozinho já se explica)

1) Chove

2) Tá ventando

3) Vai nevar

Você aprendeu valência zero na escola como “oração sem sujeito”

-valência 1 (o verbo só precisa de um sujeito pra chamar de seu):

4) Joana saiu

5) O grosso chegou!

6) Meu filho nasceu

7) MARIA MORREU (ponham reparo nesse exemplo)

Você aprendeu valência 1 na escola como “oração intransitiva”

– valência 2 (o verbo precisa de 1 sujeito e 1 complemento

8- Vovó comeu banana

e

9) JOÃO MATOU MARIA (idem aqui. ponham reparo.)

Aí vem tio Thomas Payne, cabra bão das morfossintaxe, e vai reparar nas operações de aumento e redução de valência verbal.

Ó issaqui:

10) O neném bebe suquinho

11) Meu tio bebe

12) Godofredo cheira a rosa

13) Amy Winehouse cheira

O que aconteceu de 10 a 13?

Um verbo q normalmente é de valência 2 (X bebe Y) cai p valência 1 (X bebe) e MUDA DE SIGNIFICADO. Beber, em 11, significa especificamente INGERIR ÁLCOOL / SER A LCOÓLATR A.

cheirar, em 13, significa especificamente INALAR C OCAÍN A

(E pelo amor de Deus, não me venham dizer q “esses usos do português são recentes”, ou “são neologismos”, pq quando o Gabeira foi candidato ao governo do RJ, em 1986, pelo PT – juro que é verdade! Joga na Wikipedia! – a oposição dizia “Gabrira bebe, fuma e cheira!” Como vcs podem ver, é um “velhologismo”, mesmo…)

Tem operações q vc aumenta a valência verbal, também.

Em português, só acrescentar uma oração ao lado:

14) O bebê come papinha (bebê = agente)

15) A MAMÃE FAZ o bebê comer papinha (bebê = agente, e MAMÃE = SUPERAGENTE).

mas tem operações q são discursivamente mais canalhas.

Voltemos àquela oração da valência 1 em caixa alta:

7) MARIA MORREU

Maria começou a frase viva e no final tava morta. Não tem mais ninguém na oração para dar cabo de Maria. É ela e um verbo. Só tem 1 sujeito comandando o verbo. Logo, o que acontece é culpa do sujeito.

Daí, qdo vc diz “maria morreu”, só Maria tá envolvida em sua própria morte. Então, vc pensa q Maria morreu de cirrose, ataque cardíaco, autocombustão ou seja lá o q for.

Mas quando vc diz

9) JOÃO MATOU MARIA

Você percebe que Maria começou a frase viva e POR CAUSA DE JOÃO ela morreu.

Então, chegamos ao Líbano, e vcs entendem a diferença entre:

16) ISRAEL BOMBARDEIA O LÍBANO E MATA BRASILEIROS

e

17) BRASILEIROS MORREM EM BOMBARDEIO ISRAELENSE

(Reparem na nominalização do verbo bombardear, q deixa d ser 1 ação e vira um substantivo, UMA COISA.)

Temos uma redução de valência operada por uma troca verbal, um agente (Israel) com responsabilidades morfossintaticamente mocozadas e vítimas q morreram por causa de UMA COISA, e não de uma ação.

Se vcs quiserem dar um pulinho na Bolívia de 2019, em q

18) Evo Morales RENUNCIA à presidência

em vez de

19)EXÉRCITO DEPÕE EVO

A coisa fica constitucionalmente canalha, pois Renúncia é instrumento previsto em qualquer constituição; deposição é golpe.

Redução de valência, como vcs podem ver, é troço bem prático… 🙄🙄🙄

Eu explico esse trem de valência verbal e suas conveniências discursivas no livro “Gramática da Manipulação”.

Joga no Google…

Leticia Sallorenzo – Mestra em Linguística pela Universidade de Brasília (2018). Jornalista graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Graduaçao em Letras Português e respectivas Literaturas pela UnB (2019). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração. Autora do livro Gramática da Manipulação, publicado pela Quintal Edições.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador