
O Líbano, a mídia e a valência verbal, por Letícia Sallorenzo
Venham comigo embarcar no trem da valência verbal que vai nos levar ao Líbano.
Valência verbal é o “número de lugares” q precisam ser ocupados ao lado do verbo pra ele fazer sentido.
Assim, temos:
– valência zero (o verbo sozinho já se explica)
1) Chove
2) Tá ventando
3) Vai nevar
Você aprendeu valência zero na escola como “oração sem sujeito”
-valência 1 (o verbo só precisa de um sujeito pra chamar de seu):
4) Joana saiu
5) O grosso chegou!
6) Meu filho nasceu
7) MARIA MORREU (ponham reparo nesse exemplo)
Você aprendeu valência 1 na escola como “oração intransitiva”
– valência 2 (o verbo precisa de 1 sujeito e 1 complemento
8- Vovó comeu banana
e
9) JOÃO MATOU MARIA (idem aqui. ponham reparo.)
Aí vem tio Thomas Payne, cabra bão das morfossintaxe, e vai reparar nas operações de aumento e redução de valência verbal.
Ó issaqui:
10) O neném bebe suquinho
11) Meu tio bebe
12) Godofredo cheira a rosa
13) Amy Winehouse cheira
O que aconteceu de 10 a 13?
Um verbo q normalmente é de valência 2 (X bebe Y) cai p valência 1 (X bebe) e MUDA DE SIGNIFICADO. Beber, em 11, significa especificamente INGERIR ÁLCOOL / SER A LCOÓLATR A.
cheirar, em 13, significa especificamente INALAR C OCAÍN A
(E pelo amor de Deus, não me venham dizer q “esses usos do português são recentes”, ou “são neologismos”, pq quando o Gabeira foi candidato ao governo do RJ, em 1986, pelo PT – juro que é verdade! Joga na Wikipedia! – a oposição dizia “Gabrira bebe, fuma e cheira!” Como vcs podem ver, é um “velhologismo”, mesmo…)
Tem operações q vc aumenta a valência verbal, também.
Em português, só acrescentar uma oração ao lado:
14) O bebê come papinha (bebê = agente)
15) A MAMÃE FAZ o bebê comer papinha (bebê = agente, e MAMÃE = SUPERAGENTE).
mas tem operações q são discursivamente mais canalhas.
Voltemos àquela oração da valência 1 em caixa alta:
7) MARIA MORREU
Maria começou a frase viva e no final tava morta. Não tem mais ninguém na oração para dar cabo de Maria. É ela e um verbo. Só tem 1 sujeito comandando o verbo. Logo, o que acontece é culpa do sujeito.
Daí, qdo vc diz “maria morreu”, só Maria tá envolvida em sua própria morte. Então, vc pensa q Maria morreu de cirrose, ataque cardíaco, autocombustão ou seja lá o q for.
Mas quando vc diz
9) JOÃO MATOU MARIA
Você percebe que Maria começou a frase viva e POR CAUSA DE JOÃO ela morreu.
Então, chegamos ao Líbano, e vcs entendem a diferença entre:
16) ISRAEL BOMBARDEIA O LÍBANO E MATA BRASILEIROS
e
17) BRASILEIROS MORREM EM BOMBARDEIO ISRAELENSE
(Reparem na nominalização do verbo bombardear, q deixa d ser 1 ação e vira um substantivo, UMA COISA.)
Temos uma redução de valência operada por uma troca verbal, um agente (Israel) com responsabilidades morfossintaticamente mocozadas e vítimas q morreram por causa de UMA COISA, e não de uma ação.
Se vcs quiserem dar um pulinho na Bolívia de 2019, em q
18) Evo Morales RENUNCIA à presidência
em vez de
19)EXÉRCITO DEPÕE EVO
A coisa fica constitucionalmente canalha, pois Renúncia é instrumento previsto em qualquer constituição; deposição é golpe.
Redução de valência, como vcs podem ver, é troço bem prático…
Eu explico esse trem de valência verbal e suas conveniências discursivas no livro “Gramática da Manipulação”.
Joga no Google…
Leticia Sallorenzo – Mestra em Linguística pela Universidade de Brasília (2018). Jornalista graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Graduaçao em Letras Português e respectivas Literaturas pela UnB (2019). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração. Autora do livro Gramática da Manipulação, publicado pela Quintal Edições.
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