Pesquisas, serpentes e o sapo-barbudo, por Frederico Firmo

Passada a movimentação cívica contra o golpe, o jornalismo midiático e principalmente o televisivo retornou à sua velha campanha contra o PT

Ibama

Pesquisas, serpentes e o sapo-barbudo

por Frederico Firmo

A quem servem estas pesquisas feitas tão longe das eleições e com uma frequência espantosa? As pesquisas, antigamente, tinham o objetivo de saber a preferência eleitoral do público. Já as pesquisas de mercado servem para lançar produtos e medir aceitação e penetração de um produto e medir a eficácia da divulgação de produtos. Pesquisas acadêmicas buscam decifrar aspectos específicos da sociedade, usando questionamentos precisos e bem delineados com metodologias e fundamentação teórica. As pesquisas, que visitam quase todos os dias as páginas de jornais e os palcos da mídia, são delineadas metodicamente, mas não são acadêmicas. Elas têm cara e jeito de pesquisa eleitoral, porém o objetivo é medir a eficácia da campanha diuturna de desconstrução do governo. O objetivo é investigar o quanto, uma certa narrativa, foi introjetada ou não pela população.

Passada a movimentação cívica contra o golpe, o jornalismo midiático e principalmente o televisivo retornou à sua velha campanha para evitar mais um mandato do PT. Voltaram ao velho hábito de construir uma narrativa conveniente, destruindo a história e retirando do foco fatos relevantes. A narrativa econômica é o alvo central, mas não se trata da economia real e sim da economia das planilhas e do mercado. Representados por um exército de especialistas, formados nas melhores escolas do terraplanilhismo econômico, repetem o mantra da austeridade fiscal. Sempre atentos ao sobe e desce da bolsa, demonstram enorme veneração pelo Mercado. Seus ídolos habitam na Faria Lima. Sem muita convicção, mas de olho nos lucros, distorcem a história e batem na tecla de que a “velha” política econômica do PT, as “velhas políticas sociais” e a luta contra a fome, agem contra a austeridade fiscal, gerando riscos mortais para o país. Alertam que as políticas de sucesso do passado, soterradas pelo mar de corrupção, já estão superadas pelo neo-planilhismo. Quando a narrativa se depara com fatos que a contradizem, não mudam o rumo da narrativa. O PIB aumentou, o desemprego praticamente acabou, o consumo aumentou, a indústria cresceu, milhões foram tirados da linha de miserabilidade. Mas nos jornalões os resultados das pesquisas indicam que a maioria da população considera que a economia está em ruínas. Rapidamente, os agentes do mercado afirmam que tudo isto é um sinal de alerta, e que a economia deve desacelerar.

Pensei ter ficado livre de Sardenberg mas o oscilar caótico e interessado da bolsa logo vai trazê-lo de volta para a telinha. Apesar das enchentes, o menino da bolsa ganha mais espaço e evidência do que a menina do tempo, afinal no neo-liberalismo a planilha é a única realidade. Qualquer frase verdadeira do presidente é transformada em gafe e causa  oscilação na bolsa. Anseiam controlá-lo, e principalmente querem alimentar a imagem de um presidente despreparado usando um chavão: o presidente erra quando improvisa. Segundo a narrativa os sucessos econômicos são de  Haddad  apesar de Lula. Depois de semanas transformando a suposta gafe num  factoide de ocasião, uma nova pesquisa é lançada onde a suposta gafe se torna uma pergunta central

  No noticiário, políticos do antigo baixo clero, alçados a condição de oposição, sempre aparecem mentindo, caluniando ou defendendo propostas indefensáveis. A mídia noticia alegremente  tudo que se torna um obstáculo ao governo alimentando a narrativa de um governo fraco e sem forças. Seguindo a estratégia, batem nesta tecla durante uma semana, até que o assunto esteja maduro para virar uma questão de pesquisa. As propostas imorais e abjetas da chamada oposição são apenas noticiadas, sem análises profundas ou julgamentos de valor. A imprensa já não promove campanhas com análises e julgamentos de valor como os que promoveu no mensalão e petrolão. No estado de Santa Catarina, onde mais de vinte prefeitos da direita estão presos por corrupção, a imprensa exalta o governador, que faz questão de se dizer obediente a Bolsonaro. Neste caso, o tratamento da imprensa local é chapa branca e quase não existem pesquisas.

A inflação de alimentos é o tema do momento. No período Bolsonaro, o tema foi ignorado, pois era conveniente falar apenas do índice geral de inflação. Depois de uma semana de longa exposição na mídia, o tema se faz presente nas pesquisas. Perguntas escolhidas a dedo reforçam a narrativa quase apocalíptica. As notícias da evolução no PIB, do desemprego em baixa, da balança comercial ou do crescimento da indústria são tratadas com reservas, alertas e críticas pelos “especialistas de plantão”. Arautos do apocalipse, dizem que o “crescimento desenfreado e a baixa taxa de desemprego” são provas irrefutáveis dos riscos futuros. Apesar de não termos mais visitas das missões do FMI, os especialistas ressuscitaram o bordão: “é preciso fazer a lição de casa”. Para testar a eficácia da exposição diária a este conjunto de clichês econômicos, as pesquisas seguintes vão tomar a lição dos pesquisados, isto é, vão verificar se o público aprendeu tudo direitinho.

No momento, estão animados, pois imaginam que finalmente tiveram sucesso em descolar a imagem e a popularidade de Lula do crescimento econômico e dos avanços sociais. Continuam sonhando com um tropeço econômico e com o sucesso da campanha de destruição. Embora em contexto diferente, a campanha é similar, àquela que conseguiu destruir a imagem do governo Dilma e gerou o movimento pelo impeachment. Apesar da alegria com o sucesso momentâneo, continuam sofrendo do mesmo mal; nem com todo o malabarismo, conseguem emplacar um candidato. Prenderam Lula, tentaram assassinar moralmente o PT, mas nem assim conseguiram candidatos. Por conflitos de interesse, descartaram Temer e preferiram apostar na aventura trágica do bolsonarismo. No vale tudo, permitiram que a ganância desenfreada se unisse à estupidez e à barbárie. Abriram a caixa de Pandora, não apenas aqui, mas no mundo todo. Num revival dos anos entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, os ovos de serpente rebentaram numa grande explosão. Velhos oligarcas e oligarcas modernos, grávidos do nazi-fascismo, continuam fascinados pelo poder supremo e lutam para institucionalizar a lei do mais forte. Nos Estados Unidos, abriram as portas para Trump, o paradigma da força bruta, que se juntou aos brilhantes arrivistas do vale do Silício. No Brasil, a brutalidade vem da Faria Lima, que continua apostando no bolsonarismo e conta com o auxílio luxuoso da imprensa. Em uma campanha contínua contra o governo, repetem mantras e clichês e querem, por exaustão, transformar a realidade na narrativa. Se num primeiro momento, as pesquisas foram instrumentos para medir os efeitos da campanha midiática, agora são um instrumento para reforçar a campanha. As pesquisas entraram no modo, inventar uma realidade pela repetição.

Com a falsa justificativa de extrair a opinião da população sobre algum assunto, medem o quanto a população foi sensível à exposição do tema. Quando Lula chamou a tragédia em Gaza de genocídio, jornais e mídia fizeram a festa. Logo a seguir fizeram uma pesquisa sobre o tema. A potente política externa brasileira foi atacada no caso da Venezuela, no caso da Ucrânia. Apelando para o vira-latismo a política externa se tornou o foco. Um leitor desavisado poderia concluir que os brasileiros se interessam muito por política externa, não creio. As perguntas e resultados de pesquisa servem de alimento para serpentes que em seus ninhos, bolhas e gabinetes difundem a narrativa. O andar de cima continua repetitivo e busca um candidato palatável, mesmo que tenham que apostar em outro rebento dos ovos da serpente. Alguns insistem no mesmo rebento e sonham com a anistia. Mas hoje acordaram assustados com os resultados das novas pesquisas indicando que o sapo barbudo ainda é o cara.

Frederico Firmo – Possui graduação em Bacharelado Em Física pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em Pos Graduação Em Física pela Universidade de São Paulo (1979) e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (1987). Atualmente é professor Titular  aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina.

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