A Recepção da Palestra de Werner Herzog, por Jorge Alberto Benitz

Importante a sua  fala a respeito da internet e seus efeitos nas relações sociais e na solidão existente neste mundo gélido

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A Recepção da Palestra de Werner Herzog

por Jorge Alberto Benitz

         A palestra de Werner Herzog, no evento Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, foi muito interessante. Não podia ser diferente. Ele é um cineasta único. Os filmes deles mesmo que não dissessem ser de sua autoria seriam reconhecidos porque diferem muito do estilo pasteurizado hollywoodiano. A proposito ele discorreu sobre sua relação com Hollywood afirmando que tem alguns pontos de convergência, porém, palavras suas, ambos vivem muito bem um sem o outro. Sobre as divergências ele disse que pode muito bem fazer seus filmes com baixo custo sem apelar para aquele festival de explosões e trucagens cinematográficas. Acho que até foi educado ao não entrar mais fundo na crítica da infantilização em curso do cinema hollywoodiano com seu desfile de super-heróis. Nada contra super-heróis. Tudo contra só super-heróis.

         Há muito tempo atrás li uma entrevista dele falando sobre o porquê seus filmes abordavam fatos e personagens extraordinários e sua resposta foi que estas histórias, além de belas e profundas, ao saírem do curso mais comum do andar dos acontecimentos revelam o que tem de mais sublime e hediondo em nós, de um modo mais intenso.

         Importante a sua  fala a respeito da internet e seus efeitos nas relações sociais e na solidão existente neste mundo gélido “Hoje você pode editar o seu próprio filme em casa. E, se não achar alguém para distribuí-lo, pode publicar na internet, no YouTube e conseguir 50 milhões de visualizações. Isso explode como fogo na floresta. Mas a internet não é toda esta glória do nosso tempo. Não é apenas a luz. Pois quanto mais nos conectamos, mais profunda a solidão se torna. Nós estamos vivendo um século de solidões. Eu vi que isso ia acontecer. Eu falei sobre isso mesmo antes de a internet existir. Temos um século d e solidões à nossa frente.”

         Tem muito mais comentários interessantes como, por exemplo, quando chamou de covarde quem se vale de storyboard para fazer filmes. Para ele quem usa este expediente tem medo de correr riscos, algo inerente ao ato de criar, segundo seu entendimento. O mesmo vale para quando criticou o (a) jovem cineasta que diz ter 600 horas de filme e levar 2 anos para editar. 600 horas de filme sem uma ideia amalgamando todo este material não significa nada e levar tanto tempo para editar um filme inviabiliza qualquer possibilidade de investimento de terceiros, asseverou. Na contramão disso, ele diz que, recentemente, em um projeto ele levou 300 minutos, não 300 horas, para editar um longa-metragem. Outro conselho dado aos jovens cineastas, e extensivo aos jovens em geral, é que leiam! Leiam! Leiam! repetiu para enfatizar a importância da leitura. Ele mesmo diz não passar nem um dia sem ler.

         Um cineasta tão sagaz e inventivo que fez carreira exitosa a margem do cinemão hollywoodiano nos proporcionando momentos inesquecíveis como aquela cena do filme Fitzcarraldo com o barco singrando as profundezas da floresta amazônica tocando uma música cantada por Caruso no gramofone e com isso transmutando o silencio da mata que assume, geralmente, um ar ameaçador, e que, por esta mágica, fica tomada por aquela estranha, bela  e singular voz.

         A nota dissonante, para mim, foi a reação de parte da  platéia em dois momentos. Interessante porque ocorreu fora do script, isto é, foram aplausos espontâneos antes do final de uma exposição quando é normal aplaudir. A primeira vez foi quando discorreu sobre seu desentendimento com os ecologistas que, segundo ele, muito se preocupam com baleias e golfinhos e pouco com o desaparecimento de línguas, inclusive, comentou que a cada 10 dias uma língua desaparece. A plateia se dividiu, parte aplaudindo e parte não. Eu não aplaudi. Já conhecia sua implicância com os ambientalistas. Li uma entrevista dele na FSP manifestando esta posição que discordo, pois, não acho excludente defender o meio ambiente e os seres humanos que ainda conservam línguas em vias de d esaparecer. Algo que os ambientalistas estão fazendo ao defender as línguas e as pessoas que fazem uso dela, no caso, as populações indígenas. Pelo menos aqui no Brasil.

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    A outra vez que aplaudiram espontaneamente foi quando ele disse que evitava criticar o governo brasileiro pelas queimadas porque, como estrangeiro achava que não tinha este direito, ainda mais que como europeu se sentia culpado por seus ancestrais terem destruído toda a floresta europeia. O mesmo discurso, guardadas algumas diferenças, que a turma do boi e Bolsonaro fazem.

    Estes manifestos espontâneos revelam que a despeito de tudo ainda persiste um conservadorismo e até reacionarismo em parte daquela plateia presente, tida como ilustrada e antenada com o que há de mais avançado nas artes e cultura. Uma plateia, majoritariamente, de classe média, mais para classe média alta. Se fossem outros tempos, por exemplo, antes de tudo que ocorreu decorrente da atuação terrível do atual governo, ouso afirmar que as manifestações seriam mais ruidosas e truculentas. Falo isso porque, suponho, que muitos daqueles aplausos vieram de gente que votou no Bolsonaro. Aliás, penso que eles não estão nem aí para o fim das línguas. Sua manifestação tem tudo a ver com crítica aos setores progressistas, representada pela luta dos ambientalistas. /span>

    O triste é saber que apesar de ter havido um refluxo e um constrangimento dos que ontem seriam mais ruidosos, mais truculentos, ainda persiste este ódio contra tudo que conspire contra um jeito acomodado e burguês de ser. O bom é saber que foi um aplauso civilizado feito por parte minoritária dos presentes. De qualquer modo fiz questão de registrar estas manifestações, feitas em um ambiente onde qualquer manifestação, ainda que velada em defesa da barbárie em curso, deveria ser condenada e mesmo banida, que demonstra a existência de bolsões que ainda, depois de tudo que ocorreu, se sente bem posando de critico de ecologistas, como me referi acima, e de patriota, aplaudindo um estrangeiro bem-educado que evita falar mal do governo. Patriotas de araque que não moveram e não movem um fio de cabelo vendo a entrega vergonhosa de nossas riquezas e empresas, enfim, do patrimônio público.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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