Notícias do Front Interno, por Jorge Alberto Benitz

Eles têm tudo a seu favor – concluí meu discurso de rendição, um discurso de alguém impotente diante das nuvens ameaçadoras que despontam no horizonte e veem em nossa direção.

Notícias do Front Interno

por Jorge Alberto Benitz

    Eles sempre se encontravam na área de alimentação daquele Shopping com os amigos e ex- colegas também aposentados. No momento estavam apenas os dois sentados conversando. Não sabiam se alguém mais viria naquele dia. Com a pandemia rarearam os presentes. Estavam, naquele momento, falando sobre uma notícia capaz de abalar não só as suas saúdes como o seu bolso.  Joaquim, antes de vir para o Shopping, até falou com a Beatriz, sua esposa,  que se preparasse para o pior diante do que vinha pela frente. Estava se referindo as últimas notícias acerca da situação do seu plano de previdência.  Lembrava mentalmente, mas sem falar para a Beatriz, para não apav orava-la ainda mais, do Gerson, amigo piloto da Varig, que ficou sem aposentadoria devido à demora na solução do caso na justiça. Pessimista como era, para ele tudo levava a crer que o mesmo aconteceria consigo e com seus ex-colegas de empresa que estavam no mesmo barco, isto é, tudo se encaminhava para uma situação igual à do seu amigo piloto que vivia hoje apenas com a aposentadoria do INSS. 

    Com este espírito down estava ali, entabulando conversa com o Roberto Almeida, engenheiro, como ele. Ele e Roberto trabalharam juntos na mesma empresa e na mesma Seção durante anos, até que este foi para outro Departamento. Mesmo depois da transferência, como bons amigos, eles mantinham contato. E assim é até hoje. Joaquim iniciou o papo, falando, em passant sobre a guerra na Ucrânia, para logo evidentemente, passar para o front interno, isto é, para o tema quentíssimo que atingia em cheio os dois:

    – Você viu a novidade?

    – Qual novidade?

    – Os planos de aposentadoria vitalícios não são mais vitalícios. Estamos ferrados.

    – Como assim?

    – Aquilo que estava no nosso contrato dizendo que nosso plano de previdência era vitalício não vale mais.

    – Você está me gozando? – O Roberto parecia ainda não saber de nada ou muito pouco sobre o que estava acontecendo. Ele sempre foi meio desligado. Era daqueles que lia só a página esportiva do jornal. Como tinha dificuldades para acessar o computador, como muitos de sua geração, mais, se informava e replicava, sem nenhuma reelaboração, nenhum senso crítico próprio, opiniões sobre política e atualidades iguais às que ouvia proferidas e encenadas – dependendo da aprovação ou reprovação as notícias são lidas acompanhadas de gestos e expressões faciais reveladoras da aprovação ou reprovação dos âncoras. Por exemplo, quando o Mercado não gosta de algo ou alguém que contesta seu s valores, isso é noticiado ou opinado, acompanhado por uma voz cavernosa e um ar grave e sério a demonstrar o quanto esta postura ou acontecimento é condenável – pelos âncoras do seu noticiário de TV preferido, Cid Moreira antes e William Bonner agora.

    – Não estou.  A Secretária de Previdência Complementar baixou uma resolução determinando que a partir de agora a regra é esta. E a regra é clara, como diz o Arnaldo.

    – E o que foi acordado na hora de assinatura do contrato pelas partes envolvidas não vale mais?

    – Não. O que vale é a Resolução do órgão responsável pela regulação da previdência complementar. Quem estiver incomodado que vá se queixar para o bispo Edir Macedo. Desculpas, para a justiça.

    – Não sabia que uma ação administrativa através de uma resolução vale mais que a constituição.

    – Pois é. Tem até juízes na primeira instância, se não estou enganado, que decidem a favor da resolução em detrimento da constituição.

    – Onde fica o direito adquirido nesta história?

    – Vira letra morta. Contratos só valerão se for a favor de grandes empresas que compraram por uma merreca empresas públicas. Neste caso a constituição valerá e juízes invocarão que os contratos são protegidos, pois, são cláusulas pétreas. O que assinamos acordados com os representantes da empresa patrocinadora foram, como disse em versos em um poema, “palavras escritas na areia/apagadas na primeira maré cheia”.

    – Pqp! – exclamou Roberto, manifestando sua surpresa e preocupação diante do que ouviu do amigo.

    – Pois é, Roberto. Os saqueadores de antes vinham com um revolver ou uma faca para roubar nosso dinheiro. Agora, mudaram para um estilo mais soft, como diz a música do Chico Buarque “malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.”  O malandro de hoje é o bilionário que tem mais patrimônio que muito estado nacional ou mesmo país e nunca está contente com o que já amealhou. Quer mais, sempre mais. E não está nem aí para o estrago social, econômico e político que causa com sua ganância, usando toda a sua influência e capacidade de desobstruir, através de dinheiro e favores, os canais para executar seus diabólicos planos saqueadores sem preci sar usar da violência dos velhos malandros. Não bastasse a simpatia de segmentos importantes no Judiciário, Imprensa, Legislativo e Executivo que tomam decisões atendendo os interesses escusos destes saqueadores, destes piratas modernos, oferecendo de mão beijada empresas públicas rentáveis a preço de banana, agora estes fdps estão indo além, querendo botar a mão nos nossos planos de previdência, como previu o sociólogo Francisco Oliveira quando vaticinou “O que o capitalismo hoje quer é avançar nos fundos públicos” – Dei uma parada para beber café, aproveitando para recuperar o fôlego para logo continuar a manifestar minha indignação e revolta, diante de um Roberto embasbacado; não sei se pelo seu entendimento acerca do teor da minha fala  dando conta dos riscos a que estamos correndo ou pelos termos duros que usei co ntra os empresários, pouco usuais para ele acostumado mais com discursos que os enaltecem e os colocam como seres virtuosos por definição:  

    Estão querendo não. Vão botar a mão. Eles têm tudo a seu favor – concluí meu discurso de rendição, um discurso de alguém impotente diante das nuvens ameaçadoras que despontam no horizonte e veem em nossa direção.

    Neste momento, chegaram, não as tais nuvens, mas dois ex-colegas que estão na mesma situação. Pelas suas caras fechadas, creio que já estão informados acerca das últimas notícias envolvendo nossa previdência. Parece que a conversa vai render. O irônico é que Joaquim lembrava que até tinha pensado em não comparecer mais naquelas reuniões dado o antipetismo e antiesquerdismo de muitos que ali vinham, inclusive o Roberto, e agora estão nesta situação terrível, justamente, devido as decisões dos políticos que ajudaram, com seu voto, a eleger.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

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Redação

1 Comentário

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  1. E não vai adiantar explicar pro Roberto nem para o Joaquim que foram suas escolhas políticas que lhes trouxeram essas consequências. O “tico e teco” de uma boa parte da população não se conecta. São neurônios divorciados que não lhes permite associações lógicas.

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