Bacha e a miséria da economia, por Luís Nassif

Bacha poderia analisar o que significou para a indústria conviver, no governo FHC, com taxas de juros que tinham uma Selic de 45% ao ano

Foto: Tiago Queiroz (reprodução Twitter)

André Lara Rezende, o verdadeiro pai da ideia das duas moedas do Real, com o tempo aprendeu uma verdade indispensável para a análise econômica: a observação empírica.

Economia é ciência humana, mexe com opções e iniciativas individuais. Essas opções dependem de uma série direta e indireta de fatores. E compõem uma realidade complexa, com muitos fatores para ser sintetizada em uma fórmula apenas.

Entenda melhor o que significa uma realidade complexa, segundo os manuais.

Refere-se a um fenômeno ou sistema que possui múltiplas partes interconectadas e interdependentes, que interagem de maneiras não lineares e imprevisíveis, com interações dinâmicas entre eles. O que significa que um fenômeno pode afetar o cenário, mesmo sem ter relação direta com isso.

Por isso mesmo, o sucesso da teoria depende da maneira como reagem os agentes econômicos. Se não se comportam como prevê a teoria, a teoria está errada. E isso se aprende observando a realidade empírica e analisando a história.

Vamos, agora, a uma comparação com os “modelitos” que alguns economistas utilizam para amarrar as explicações às premissas que definem antecipadamente. Em geral, obedecem a uma lógica primária usando as estatísticas que melhor se adequam ao resultado pretendido.

É o caso de Edmar Bacha, que se autoproclama um dos pais do Plano Real e que sustenta que o plano saiu graças a uma bilhetinho, em um papel azul, que encaminhou para Fernando Henrique Cardoso durante uma reunião do Ministério.

O último feito foi o artigo no jornal Valor Econômico, “Porque a indústria brasileira encolheu tanto“. 

Nele, Bacha analisa a desindustrialização ocorrida no Brasil de 1994 para cá. E a premissa básica é colocar a culpa no protecionismo e na falta de iniciativas do industrial.

Enquanto o agronegócio partia para conquistar o mundo, “a indústria continua a mirar o próprio umbigo (…) vendendo com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno (…) porque o mercado é protegido”.

Como ele comprova essa tese?

Simples. Primeiro, testa duas hipóteses para a desindustrialização: a chamada desindustrialização precoce e a doença holandesa. Depois, demonstra que nenhuma, nem outra, explica a desindustrialização. Mas, e se houver outras explicações? Não interessa. Para a tese ser comprovada, só pode utilizar as duas hipóteses.

Não havendo mais nenhuma explicação, conclusão é uma só:

  • Houve queda na produtividade da indústria porque ela não perseguiu o universo externo e se acomodou praticando preços exorbitantes internamente.
  • Ao contrário, a agricultura avançou porque buscou o mercado externo e se sofisticou.

Ou CQD (Como Queríamos Demonstrar).

Simples assim, com dois tapas revisou todas as teorias sobre desindustrialização.

Vamos por partes.

Desindustrialização precoce

Segundo ele, a tese da desindustrialização precoce não explica o caso brasileiro. Esse fenômeno ocorre antes que o país atinja altos níveis de renda per capita e os serviços passam a ter um peso relativo maior, ao contrário do que acontece em economias desenvolvidas.

Qual a comprovação? Segundo Bacha, “estatisticamente calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD (com renda per capita 3 vezes superior à brasileira) ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil”. Como a OCDE se desindustrializou apenas 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022. 

Não explica de onde tirou essa correlação de 1 x 1,6.

Doença holandesa

A “doença holandesa” ocorre quando um boom de produtos primários provoca uma apreciação da moeda, prejudicando a competitividade dos manufaturados. Bacha diz que boom de commodities só ocorreu no Brasil entre 2005 e 2011.

“Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização”.

É fantástico! As relações de troca explicam a relação entre índices de preços de exportações e importações, não de quantidade. Além disso, não diferencia manufaturados de produtos primários. Se há um boom de commodities, significa que a relação de trocas melhorou para o Brasil, mas não tem nada a ver com a industrialização.

E, sobre o empreendedorismo do setor agrícola, vale a pena temperar com informações adicionais, que não constam do modelito de Bacha.

  1. Mundo real: indústria x agricultura.
IndústriaAgricultura
Participação no PIB25,5%7,1%
Arrecadação federal23%0,7%
Renúncias tributárias3,4% do total20,3% do total

Indústria: nos financiamentos do BNDES, 9,5% ao ano mais o spread do agente financeiro. No mercado financeiro, podem chegar a 60% ao ano.

Agricultura: o Plano Safra cobra taxas de juros para custeio agrícola entre 6% a 8,5% ao ano. Para investimentos, de 4,5% a 7% ao ano. Para este ano, o montante é de R$ 400,59 bilhões.

Somem-se as pesquisas da Embrapa e se verá que o grande boom agrícola se deveu a uma política de Estado, não ao mercado e ao arrojo do agronegócio.

2. O câmbio e juros de Bacha

Para analisar a desindustrialização brasileira, tem que levar em conta o câmbio, se houve ou não a apreciação. Houve. Aí a maneira de Bacha analisar a questão é: não houve doença holandesa. Se não houve a doença holandesa, não houve a apreciação do câmbio? Ora, mas houve a política monetária e cambial, com o mesmo efeito.

No período de 1994 a 1999, a apreciação do câmbio liquidou com os saldos comerciais brasileiros e houve uma inundação de dólares entrando pelo mercado financeiro: o IEDI, para a aquisição de estatais, e os Investimentos em Carteira, para se lambuzar nas taxas de juros praticadas no período.

O Banco Central garantia o teto da moeda, que o dólar não passaria de 1 real. Mas, para baixo, não havia limites. E, com taxas de juros de 45% ao ano, a mera arbitragem do mercado produziu uma apreciação cavalar da moeda, encaracendo substancialmente as exportações brasileiras.

Saldo comercialIEDICarteira
1994: US$ 5,099 bilhões (superávit)US$ 3 bilhõesUS$ 8 bilhões
1995: -US$ 3,142 bilhões (déficit)US$ 5 bilhõesUS$ 10 bilhões
1996: -US$ 5,581 bilhões (déficit)US$ 9 bilhõesUS$ 13 bilhões
1997: -US$ 7,029 bilhões (déficit)US$ 18 bilhõesUS$ 25 bilhões
1998: -US$ 6,615 bilhões (déficit)US$ 28 bilhõesUS$ 17 bilhões
1999: -US$ 1,203 bilhões (déficit)US$ 31 bilhõesUS$ 15 bilhões

Mais que isso, houve uma mudança estrutural na indústria, especialmente na de máquinas e equipamentos. Para sobreviver, passou a importar produtos da China e maquiar, para venda interna. Mas a planilha de Bacha não consegue captar e mensurar mudanças estruturais da economia real.

Seria muito pedir a um cabeça de planilha que analisasse impactos de mudanças de comportamento na economia. E como Bacha só acompanha o mercado financeiro, não soube do intenso processo de venda de empresas nacionais, com os donos passando a aplicar no mercado financeiro.

Poderia pesquisar no Google as declarações do dono do curso Yazigi, depois que vendeu. Passou a vida inteira para montar uma empresa que valia R$ 1 bilhão. Em pouco tempo, conseguiu dobrar seu patrimônio. Mas o problema do país é que o industrial é acomodado!

3. De industriais e financistas

Grandes empresas desapareceram ou foram desnacionalizadas exclusivamente devido ao manejo do câmbio e juros pelo governo que Bacha representava.

4. Do ambiente empresarial.

Não fosse um mero propagandista do mercado, Bacha poderia analisar o que significou para a indústria conviver, no primeiro governo FHC, com taxas de juros que tinham por piso uma Selic de 45% ao ano. Ou então, os impactos sobre a indústria da mudança das regras de fixação de taxas de juros pelo BNDES, feito de seu colega de Plano Real, Pérsio Arida.

Sei que é uma grande novidade paa Bacha, mas investimento privado depende de financiamento, tanto para capital de giro quanto para investimentos e para crédito ao consumo.

5. As cadeias globais de produção

Poderia analisar, também, a janela de oportunidades que se abriu para o Brasil nos primeiros meses do Real. Com a inflação contida, e o mercado de consumo explodindo com a inclusão de novos consumidores, as bolas da vez eram Brasil, China e Índia. Com o avanço da telemática e da logística, estava havendo uma reordenação das multinacionais pelo mundo. E o Brasil era um dos pontos preferenciais para o Sul Global. 

Vocês jogaram fora a oportunidade que transformou China, Coréia e Taiwan em potências industriais. Com os juros e o câmbio, dia após dia os novos consumidores voltaram para a zona cinzenta do subconsumo. E as multinacionais desistiram de alocar novas empresas no país porque o câmbio tirava totalmente a competitividade das empresas brasileiras, tanto para os industriais “acomodados”, como para eles.

E não se venha falar em engenharia de obras feitas, porque escrevi muito sobre isso na época. Ou seja, os dados estavam disponíveis para quem tinha olhos para ver. O único azul que afetou Bacha foi a mosca azul.

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11 Comentários

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  1. O problema é que eles não querem o desenvolvimento do país. Não é essa a mentalidade deles.
    Veja que a esquerda precisa lutar contra eles, e praticam um ideologismo tóxico (de mentiras
    e enganações pela imprensa), sabem que estão errados, praticam crimes, e fincam estacas e posições. Vejam com a derrocada do bolsonarismo (parte pelo presidente Lula nas eleições) eles agora fincam-se nas mesmas posições de subdesenvolvimento do país. Não tem ideias, para serem livres, possuem a mesma submissão aos americanos.

  2. Só para acrescentar: Eles fecham-se. Veja que nenhuma imprensa nesse pais (dos direitistas),
    liberam a área de comentários dos leitores em suas publicações nos seus sites na internet.

    Então por que toda imprensa corporativista fecha sua área de comentários? Até para assinantes? (permitem só para assinantes, mas mesmo assim não exibem). Ora a ideia é criminosa e não democrática. Eles realmente não são livres e não se prestam para o país.
    São tóxicos. É uma imprensa tóxica, que mente, faz narrativa falsa e publica fake news.

  3. BA CHÊ(gíria gaúcha)Bacha é pai do PLANO DO MERCADO e eu sou pai do jornalismo ou DO SITE AQUI,qual nomenclatura do ggn fica melhor Nassif?Do site ou do jornalismo ???Obs.:Sem mais !!!

  4. Bacha e sua thurma só pensam no Brasil para ganhar dinheiro. Não tem sentimento de natividade, não pensa no país para todos. O Brasil deles é o Brasil que enche os seus bolsos. O resto que se exploda. A elite do atraso não brinca em serviço.

  5. Se o setor industrial tivesse o mesmo nível do setor agrícola, a história seria bem diferente, assim como se não houvesse a maciça oferta de dólares e a alta mundial das commodities a história do Real também seria diferente .

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