Uma nova crise que se avizinha, e repete-se mais uma vez o ocorrido no início nas três últimas décadas do século 19 e nas primeiras do século 20.
Há uma revolução industrial em curso, abrindo enormes possibilidades de negócios para os detentores de capital. Vende-se o peixe do livre fluxo de capitais e há uma invasão do capital gafanhoto nos países emergentes. Abrem-se negócios com endividamento dos entes públicos, investimentos em serviços públicos (regiamente remunerados pelo governo, como foi o caso das ferrovias). E o excesso de liquidez leva a uma apoteose de novas formas de especulação até um fato qualquer provocar a explosão da bolha.
Hoje em dia, o mercado está cada vez mais coalhado de toda sorte de operações, dos ETFs ou fundos de índices, contratos de opções (apostas em torno de cotações futuras de ativos), carry trade (pegar emprestado em uma moeda de juros baixos para aplicar em outra de juros altos), culminando com o mercado de blockchains. E toda essa balbúrdia controlada por fundos de investimentos que não respondem aos bancos centrais nacionais – como o sistema bancário convencional.
Nesses anos todos de balbúrdia financista, a economia mundial desacelerou, a desigualdade aumentou, e a macroeconomia foi tratada como uma ciência exata, sem necessidade de agregar conhecimento setoriais, comprovação empírica. Tornou-se dogmática, em cima de medidas impossíveis de comprovar, como taxa de juros neutra, PIB potencial e por aí vai.
Nos idos dos 90, conversando com alguns físicos, me dei conta de uma diferença fundamental entre seu método científico e o do economista. O economista – e as ciências sociais em geral – tendem a tratar a realidade como um processo contínuo, como se o futuro fosse uma mera extrapolação do passado. Já o físico analisa um corpo. Qualquer mudança, por mais microscópica que seja, gera um novo corpo, com outras características.
Daí a importância de agregar ao conhecimento macroeconômico não apenas a visão de políticas monetária e fiscal, mas conhecimento sobre setores econômicos, sobre a lógica da tomada de decisão dos empresários, sobre aspectos sociais e políticos e, principalmente, a capacidade de analisar empiricamente o momento.
Foi essa falta de análise da realidade que levou o Real a arrebentar a economia, ao não prever o desaquecimento acelerado de fins de 1994, e o mesmo ocorrer com o pacote de Joaquim Levy.
É por isso que, em muitos setores, tenta-se rever a fundamentação teórica da economia e defender a incorporação de novas formas de conhecimento.
É o caso de Dennis J. Snower e David Sloan Wilson – ambos ligados a duas organizações sem fins lucrativos – em seu trabalho “Anunciando um novo paradigma para a economia”. Nele, defendem que a economia tem que agregar outras formas de conhecimento para dar conta das mudanças ocorridas no mundo.
Em economia, os tomadores de decisão são famílias, empresas e governo, e eles são assumidos como tomadores de decisão individualizados, como se fossem unidades coesas e coerentes, dizem eles, cujas decisões se baseiam em expectativas racionais.
Hoje em dia o jogo é outro. Quem disse que os agentes econômicos são necessariamente famílias, empresas e governo? Quem são os agentes econômicos depende de como as pessoas formam grupos sociais. E esses grupos sociais podem ser coesos o suficiente para serem considerados uma unidade de tomada de decisão em algum nível. E como todo ser humano tem algum grau de autonomia, geralmente a agência é compartilhada entre o indivíduo e os grupos dos quais você participa.
A partir dessa visão, eles defendem a teoria econômica multinível. Percepções, crenças e objetivos fazem parte de um pacote, uma identidade particular, que lhes dá motivações particulares.
Quando se vive em um mundo competitivo, suas crenças serão pensamento de soma zero e seus objetivos serão individuais. É o que se vê hoje com a fantasia do empreendedorismo e da fé como saídas individuais.
E aí criam-se desafios enormes para os objetivos de viver em harmonia com o mundo natural e em harmonia uns com os outros. Há a necessidade de moldar grupos, níveis e domínios de organização funcional, para que possam cooperar.
A economia neoclássica não aceita a ideia de que só se pode entender a economia se entender a estrutura social na qual está inserida. E o ambiente fornece o contexto no qual se tomam as decisões.
Outra característica desse novo pensamento é a incerteza como elemento central.
A economia neoclássica trabalha com o conceito de risco, com base em distribuições de probabilidade.
Na economia, o conceito básico é o da eficiência.
“Mas se você não conhece suas restrições, não tem clareza sobre o mundo em que opera e seus objetivos estão evoluindo em resposta ao mundo, então esse conceito de eficiência não tem mais muita força. Outros conceitos se tornam importantes, que geralmente são diametralmente opostos à eficiência, como resiliência, robustez e adaptabilidade particular”
No paradigma multinível, o ponto central é a incompreensibilidade do mundo. Portanto, a modelagem econômica tem que ser feita em termos de pequenos mundos, pequenos modelos mentais que podemos gerenciar e encaixar em nossas cabeças. Trazendo para o Brasil, como pensam os evangélicos, e a Faria Lima, e os sindicatos?
Conforme você avança e se surpreende com o que o mundo faz em contraste com o que sua teoria prevê, você tem um espaço cognitivo mais amplo para lidar com as surpresas, dizem eles.
A tomada de decisão multinível opera no nível do indivíduo, mas também do bem-estar dos coletivos. “Portanto, nosso bem-estar não depende apenas dos bens e serviços que obtemos ou que produzimos por meio dos recursos que tomamos da Mãe Terra, mas também depende de nossa inserção na sociedade, nossa realização pelo pertencimento social e nosso senso de agência, ou até que ponto podemos moldar nossa vida por meio de nossos próprios esforços”.
Com a emergência climática, entra em cena a contribuição para o mundo natural, as formas de preservá-lo, de se sentir administrador responsável por ele. Trata-se de compreensão muito mais ampla de bem estar do que as funções de utilidade dos economistas, que dependem simplesmente do consumo e do lazer, dizem eles.
Global Solutions Summit: https://www.global-solutions-initiative.org/events/summit/
Conferência Fordham: https://www.eventbrite.com/e/transforming-business-and-education-leading-towards-flourishing-tickets-840721369247
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Texto sensacional!
Texto muito bom… e pensando… sou evangélico, curso superior, pastor, não recebo nenhum valor da igreja que faço parte, filha de 21 anos entrando no ultimo ano de psicologia, renda bruta familiar de 15.000,00… quando veja as definições e análises que esse GGN faz dos evangélicos, me divirto muito… com essa descoberta, quem sabe vocês, finalmente, comecem a entender melhor a realidade evangélica…. PS: sou cristão há muito tempo, e acompanho você, Nassif, há muito tempo também….
Olha Rogério, entendo como você como indivíduo vê a discrepância entre sua realidade individual/familiar e as visões gerais sobre evangélicos, no entanto, é de ressaltar que há um movimento muito grande de denominações evangélicas em geral (neopentecostais em maioria) na propagação da “teologia da prosperidade” e a ligação disso com o “empreendedorismo” e o individualismo como parte dessa salvação teológica/monetária. Pode não ser sua realidade, mas é visto que é a da maioria do discurso evangélico público. É claro que entram diferenças entre igrejas protestantes históricas e as pentecostais e neopentecostais, diferenças entre cada denominação e líder entre si, mas que há um movimento/discurso geral nesse sentido, há.
A sociedade brasileira carrega uma separação entre suas camadas, as que formam os setores de elite e o restante que forma sua população, que deu uma indiferença em relação ao próprio desenvolvimento do País. A concentração de pobreza em cada uma das, e entre as cinco regiões demonstra em várias medidas isso. Todos esses grupos de elite buscou moldar o seu próprio universo de forma a ter as melhores condições para si e seus pares. A falta de mobilidade social tornou-se algo característico e natural. E isso compromete também o País. Essa incompreensão das movimentações que vão moldando o Mundo, seja tecnológica, política, comercial ou economicamente e dão o “time “ com que cada país terá em se adaptar, põe o Brasil em condição desfavorável. O mantém na dependência de que outros façam primeiro, aumentando todas essas discrepâncias relacionadas ao País. A ideia de que as soluções para os problemas do setor público caminham separadas das do setor privado virou uma desculpa pra não reconhecer o que cobra esse artigo de Luiz Nassif e do GGN.
Nassif, acredito que essa a linearidade das realidades e a “racionalidade” em si já é tema de questionamento nas ciências sociais e humanidades de modo geral há tempos. O problema é que economia, ou alguns economistas, não se reconhecem como cientistas sociais, mas sim como “mestres da exatidão”, talvez porque isso lhes renda mais proximidade com o discurso das “ciências duras”, talvez também porque lhes garanta mais influência ao manipular as “previsões”, especialmente para fins privados…e talvez esse viés já prejudique tudo.