O cartel da Faria Lima e o efeito Trump, por Luís Nassif

Resta saber quanto tempo levará para o Banco Central e as autoridades monetárias brasileiras acordarem para o novo mundo que vem pela frente.

Marcelo Justo – Divulgação

Ontem, a Advocacia Geral da União (AGU) abriu investigações sobre um grupo de operadores que espalharam mensagens falsas de Gabriel Galípolo pela plataforma X. Foi o primeiro movimento destinado a atacar o cartel da Faria Lima, embora em cima de sua manifestação mais grosseira.

É a parte mais barulhenta – e chata – do microcosmo do mercado, operadores que se comportam como participantes de Olimpíadas universitárias. São tão chatos quanto qualquer torcida organizada. Gritam, agridem, dizem besteiras – como a de que é impossível corrida contra o real em sistema de câmbio flexível -, mas são apenas chatos.

A parte perigosa é mais sutil, valeu-se do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto para manifestações terroristas sobre a questão fiscal, criando um terrorismo fiscal sem precedentes. 

O instrumento maior desta loucura é o sistema de Metas Inflacionárias que literalmente jogou o controle da moeda para o mercado, com o Banco Central indo a reboque. O BC deixou de ser autoridade monetária e passou a convalidar o jogo de expectativas do mercado. 

Primeiro, extirparam todos os instrumentos macroprudenciais de combate à inflação, como estoques reguladores, administração de preços regulados. Gradativamente, todos os setores regulados passaram a ser apropriados pelas empresas reguladas – enquanto o mercado avançava em todos esses campos, adquirindo as principais empresas.

Depois, um trabalho de liberalização ampla do capital, permitindo contas em dólares para pessoas físicas, retenção de dólares por exportadores, controle da mídia pelo mercado, tornando as moedas nacionais cada vez mais suscetíveis aos movimentos especulativos internos e aos movimentos internacionais do dólar.

Finalmente, a imposição de limites férreos aos gastos públicos, com o teto de gastos. Assumindo um país destroçado, sem  controle sobre o Congresso, o governo Lula supos ser possível enfrentar o mercado dentro das regras de jogo criadas para o mercado. Substituiu o teto pelo arcabouço, ganhou algum fôlego fiscal na negociação especial do orçamento até entrar em corner na última semana.

Meio ponto de inflação acima da meta, 0,25 de estouro da meta fiscal, provocaram terremotos desproporcionais, sem precedentes, graças à manipulação, pelo cartel, da opinião pública através da mídia convencional e do esquema de veículos ligados ao mercado financeiro.

Agora, tem-se a maior batalha a ser enfrentada. Através do controle da política monetária, o cartel avança sobre as principais políticas públicas. Primeiro, foi o movimento que explodiu o dólar nas últimas semanas, alimentado por declarações sucessivas de Roberto Campos Neto em relação ao quadro fiscal.

Já se sabia que, mais cedo ou mais tarde, as medidas anunciadas pelo governo Trump transformariam os Estados Unidos em um sorvedouro de dólares. Alíquotas de importação manteriam a inflação em níveis considerados elevados, levariam o FED a aumentar as taxas de juros, atraindo dólares de todos os cantos. O mercado sempre antecipa movimentos. 

Ontem, o presidente do Fed, Jerome H. Powell, fez um balanço otimista: “A economia dos EUA tem sido simplesmente notável”, graças a um conjunto de medidas tomadas pela administração Biden. As vendas estão robustas, os preços das ações subindo, o investimento doméstico na produção de chips deu novo ânimo à economia norte-americana.

Mas, e pelo “mas” entra o mercado, houve uma gripe aviária que aumentou os preços dos ovos e há as ameaças de aumento de tarifas de importação pela administração Trump.

Foi o que bastou para o Fed diminuir o ritmo de queda dos juros para 4,4%, menos que os 5,3% de três meses atrás, mas ainda mais alto do que em qualquer outro momento do governo Trump 1, e provocar um terremoto nos ativos norte-americanos.

O índice S&P 500 caiu quase 3%. O índice Dow Jones caiu pelo 10º dia consecutivo, a maior sequência de quedas desde outubro de 1974.

Em cima do terrorismo alimentado pelo mercado brasileiro, veio o terrorismo criado pelas indecisões do FED. Bastou isso para o dólar explodir no país, deixando o governo de joelhos.

Agora, tem-se o seguinte jogo:

  1. O cartel criou o movimento inicial de desestabilização, com o terrorismo fiscal. Montou a primeira onda que foi sendo alimentada com manchetes terroristas dos jornais.
  2. O Banco Central reagiu, elevando a Selic em um ponto, e definindo previamente mais dois pontos de alta para o próximo semestre.
  3. As discussões sobre o tal ajuste fiscal mudam de patamar. Não se discute mais ou menos 0,25 ponto. Taxas de juros real de 10% tornam o fiscal literalmente inviável. Ai vem o terrorismo da tal “dominância fiscal”, o momento em que a receita fiscal não pode dar mais conta do custo dos juros.

No início dos anos 80 o mundo experimentou o choque de juros dos Estados Unidos, literalmente quebrando o Brasil.

Hoje o país tem uma situação econômica muito mais confortável, com reservas cambiais robustas. Mas com vulnerabilidades políticas.

A explosão do dólar é apenas o instrumento de chantagem do cartel. Nos próximos dias, o rei do Brasil, André Esteves, se reunirá com seu principal agente político, Arthur Lira, para impor suas condições. Só assim, o cartel reduzirá sua pressão

O país assistirá de joelhos sua vitória enquanto a mídia continuará nesse baile louco de enaltecer as loucuras de Milei na Argentina.

Todos esses movimentos tornarão o sistema de Metas Inflacionárias gradativamente inviável. A globalização financeira será desmontada, antes que desmonte as economias nacionais.

Resta saber quanto tempo levará para o Banco Central e as autoridades monetárias brasileiras acordarem para o novo mundo que vem pela frente.

Como preparativo, seria interessante que a AGU e a Polícia Federal convidassem para vir ao Brasil os investigadores britânicos que desmontaram o cartel da Libor. As autoridades precisarão aprender como tratar crimes financeiros sofisticados.

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10 Comentários

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  1. Alguma relação entre o anunciado aumento das taxas de juros/valorização do dólar nos EUA e os leilões de dólares agora efetuados pelo BC ? A ausência do governo federal na comunicação social e enfretamento das “fake news” e mentiras deslavadas é notável. Brizola mostrou o caminho com suas palestras às sextas-feiras mas o PT “desconhece”.

  2. Há outras questões.

    Boa parte das concessões dos preços administrados, como água, esgoto, luz, pedágios, etc, que impactam a alta de preços, e consequentemente, fornecem os argumentos (falsos) para a alta de juros e a extorsão cambial, estão nas mãos dos mesmos fundos que lucram na roleta dos juros.

    Não há forma mais perfeita de crime organizado que o Estado capitalista.

    Repito: sem um enfrentamento real (e corajoso) pelo governo (neste caso, impossível, neste governo capturado) não há saída.

    A saída não é econômica, como querem fazer quer os bandidos, é política.

    Pretender acabar com a “crise” pelo viés econômico é como querer se livrar de um sequestro chamando o sequestrador para morar com você.

    Mas eu tenho certeza que neste governo, todo mundo sabe disso…agora por que será que nada fazem?

    Mistério, não?

    Essa false flag do “X” é só para distrair o populacho…

    Não tenho dúvidas, atacado pela Síndrome de Estocolmo, Lula e seus associados agem em favor dos sequestradores.

    1. O que falta em Lula é a capacidade de enfrentamento. Seguimos vendo a Globo diariamente massacrar o governo federal pela “gastança”. Não ao contraditório, apenas o discurso monocórdico e diário. O Governo Federal é incapaz de fazer um desenho mostrando claramente o peso dos juros no orçamento federal. Coisa que o povão irá entender. A inação na publicidade do governo federal deixa o discurso leve e solto para os globais e sua ladaínha diária. É frustrante ver esta incapacidade ou, pior, condescendência. Como já foi dito: o complexo de Estocolmo e a adesão ao sequestrador.

  3. Análise é boa, a conclusão, MUITO RUIM e que, ao fim e a cabo, servirá ao prórpio mercado: ‘olha, chamem a poliÇa pra q nada se resolva mesmo, deixa o povo e a política de fora’

  4. O verdadeiro golpe foi dado em 2016 e o fracassado contragolpe tentado em 2022 serve agora para justificar a saída dos militares do poder. Ledo engano para quem acredita q o mercado liga para democracia, patriotismo ou pautas identitárias. A ele só interessa o lucro e todo aquele q se coloca no seu caminho será transposto e jogado às feras. Assim como ocorreu com Lula e agora ocorre com os militares e Bolsonaro. Longe de comparar o presidente a essa matilha golpista, mas a verdade é que a situação dos militares e de Bolsonaro,hoje, é parecida com a de Lula e do PT a partir de 2013. Isso mostra q o mercado continua dando as cartas e passa por cima de qualquer um q o desafie, seja de esquerda ou direita. Muitos aqui dirão que Bolsonaro foi gentil com o mercado e não entendem porque ele perdeu apoio tão rapidamente. A verdade é que por ser intempestivo e histriônico, Bolsonaro não passava segurança aos investidores, sobretudo se retornasse com plenos poderes concedidos através da tomada forçada de Brasília pelos militares. Mal comparando poderíamos dizer q Bolsonaro assustava o mercado tanto quanto o Lula em 2010 quando detnha mais de 80% de aprovação. O mercado sabia q o país entregue por Bolsonaro estava em frangalhos e q ele e seu grupo, caso retornassem, inevitavelmente buscariam apoio dos brasileiros com medidas econômicas chamadas de “populistas”, sobretudo se retornassem ao poder por um golpe militar. A isenção de ICMS para deter o aumento de combustíveis e a concessão de auxílio a taxistas e caminhoneiros já demonstrava q um possível governo militar intervirá na economia para dela tirar algum proveito, ainda mais se retornasse pelas armas.

    1. O Deus Mercado apoiou o Bozo em 2022 e apoiaria o golpe pra matar o Lula,seu
      vice e,se pudesse,quase todo o STF.Foi assim em 1964.O Bozo foi gentil com o
      mercado colocando o Paulo Jegues,amigo da família dona da Globo.Hoje,o Deus
      Mercado quer que Lula morra,literalmente.O mercado assustava um governo
      neoliberal como o do Capitão Palhaço?E Lula não tinha 80% de aprovação em
      2010,não-sua sucessora teve 56% dos votos.99,99% da elite finaceira apertou
      22 em 2022-a verdade dói,mesmo.

  5. A mídia é do esquema dos bancos. Se necessário desce à lama ate chegar esse lhe chegar ao pescoço. Não é fábrica, nem o supermercado que está bancando a mídia: é agiotagem. Mesmo que depois lamente, como Hendrixs Haecxs, o último governador do Brasil holandes. É da natureza do escorpião. Eles crêem piamente na infalibilidade dos algoritmos.

  6. Isso é im esforço do mercado para tentar mudar a percepção dos trabalhadores e empresários da melhora da economia e vida no Pais,muito fácil de ver pelas narrativas e o apoio da midia empresadial bilionaeia2 mimada,ISSO É UM CHORO DE CRIANÇAS MIMADAS QUERENDO MAIS UNS DOCINHIS(mamata)essa algazzarra inútil vai passar e o efeito já está sendo inverso um tiro no pé,CALMA VELHINHOS ASSUSTADOS ISSO VAI PASSAR,RESPIRA,conta.:Um,dois,três…Obs.:Se ceder vai ter q ceder semore e nunca duvidem da percepção do povo ele está vendo a chantagem ALIÁS TÁ UMA MARAVILHA,BEM DIDÁTICO !!!

  7. Na crise cambial da década de 90, o mais impressionante foi, o bc da época, acabar com toda reserva em dólares que o país tinha para ser ofertado no “mercado”, todo o dinheiro obtido na venda de empresas estataís.

    Não sei, parece que a especulação sendo feita pelo “mercado” é com este objetivo, não por acaso, sempre lí alguns economistas dizerem ser contra a reserva internacional, os fundos especulativos estão trabalhando para

    drenar todos os dólares das reservas internacionaís, é a sangria que os vampiros neoliberaís estão armando, com um bc subserviente eles vão conseguir e a fiesp vai aplaudir.

  8. Até que enfim algué define claramente o que aconteceu e o que está acontecendo com o
    Brasil.

    Os donos dos”jornalões” e seus falsos jornalistas precisam passar por um processo
    investigativo, denunciados ao Ministério Público, indiciados e presos por crime financeiro
    organizado contra as instituições do país.

    Além é claro das instituições financeiras, dos banqueiros que tornaram os bancos
    organizações criminosas. Especialmente os que emitem cartões de crédito.

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